Argumentário
No Brasil, país que inventou a miscigenação, o modelo multicultural não resiste à força do contágio social e subjetivo. Logo depois da etapa de transição – durante a qual os refúgios comunitários são estratégicos para o estabelecimento e aclimatação, o imigrante se encontra gradativamente impelido a se inserir no tecido social e cultural local. A dinâmica de atritos e negociações, mas também de mimetismos, empréstimos e trocas mútuas, por parte do imigrante e do nativo, acaba deixando marcas identitárias profundas dos dois lados e permitindo o aparecimento de espaços simbólicos verdadeiramente interculturais.
Enquanto o imigrante procura seu lugar no novo solo, absorvendo e reinterpretando os modos de agir e se comportar do nativo, este último incorpora e adapta o que foi trazido pelo forasteiro, para formular e reformular a sua identidade – por natureza plural, múltipla e aberta sobre o mundo. São espaços de interseção, onde o próprio e o emprestado, o novo e o antigo, o autêntico e o traduzido se tornam partes do mesmo conjunto identitário e subjetivo que envolve, inova e ensaia novas possibilidades de estar-junto e estar-no-mundo.
Como já é de costume, o Fórum de Imigração convida estudiosos, pesquisadores, especialistas, lideranças comunitárias e interessados em geral para refletir, trocar ideias e debater a realidade migratória no Brasil. O tema eleito para esta terceira edição, todavia, é a questão das trocas interculturais e construção de novas identidades locais.
O desafio proposto pelos organizadores é, justamente, de trazer para o debate: uma reflexão sobre a noção de interculturalidade no Brasil; exemplos de práticas culturais e marcas identitárias imigrantes incorporadas no cotidiano da sociedade brasileira; exemplos de aclimatação da cultura dos imigrantes à realidade local; exemplos de práticas culturais novas e inovadoras, fruto de encontro entre o imigrante e o nativo; uma avaliação dos eventuais benefícios ou prejuízos de tal dinâmica sobre as comunidades culturais estabelecidas no Brasil.
O III Fórum de Imigração do Rio de Janeiro ocorreu no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em seu campus da Praia Vermelha, no dia 20 de junho de 2011.
Palestrantes
Mesa 1 – Interculturalidade e pluripertencimentos: abordagens conceituais
Daniele Abilas
Mestranda em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense e pesquisadora do Núcleo de Estudos do Oriente Médio – NEOM / UFF. Graduada em História pela Universidade Católica de Petrópolis. Desenvolve pesquisa sobre o Oriente Médio, Islã e Questão Palestina. Já realizou pesquisas de campo no Egito, Palestina e Tunísia. Áreas de interesse: Antropologia do Oriente Médio, Antropologia da Religião, Etnicidade e Nacionalismos, Diásporas e Imigrações, História Social, História Oral.
Ser palestino no Brasil: migração forçada e acomodação
A migração forçada difere das demais migrações por seu caráter dramático, traumatizante e violento. Marcados por um processo complexo de deslocamento, os refugiados mostram-se vulneráveis tanto em sua condição inicial – de fuga – como em sua condição posterior – de reassentamento. Os refugiados palestinos compreendem cerca de um terço de toda população de refugiados no mundo. Nesse contexto de constante deslocamento, a construção de identidades se dá pela interação de elementos culturais e sociais locais e transnacionais, de percursos multidimensionais e diacrônicos; o que nos remete a uma análise da relação entre os critérios de pertencimento compartilhados por refugiados palestinos na dimensão global, e os critérios de alteridade na dimensão local. Pertencimento e alteridade são, assim, elementos fundamentais, mas não podem ser pensados como uniformes ou homogêneos. São, em si, disputados, agenciados e negociados pelos indivíduos em seu processo de acomodação. O caso do grupo de palestinos reassentados no Brasil em 2007 é característico de uma relação complexa entre a palestinidade e o acolhimento no refúgio.
Florence Dravet
É doutora em Didactologia das Línguas e Culturas com uma tese sobre Comunicação Intercultural pela Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle. Fez pós-doutorado na UnB e é professora pesquisadora do Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília.
O diálogo intercultural nos processos de construção identitária: contribuições epistemológicas
No contexto das trocas interculturais, o diálogo permite a abertura a novas possibilidades que modificam os processos de construção identitária. Partindo do princípio que as identidades culturais estão sempre em processo e que as trocas ocorrem constantemente numa dinâmica comunicativa, as modalidades do diálogo é que merecem ser discutidas aqui. Falamos em diálogo, mas em que ocasiões, verdadeiramente, dialogamos? Somos realmente capazes de abrir mão por um instante de nossas concepções e visões de mundo para aderir, nem que seja com o único intento de conhecê-las, às concepções e visões de mundo de um outro que se aproxima? O que temos visto acontecer, em termos epistemológicos, nas relações interculturais entre saberes? Saberes da escrita x saberes da oralidade, saberes poéticos x saberes técnicos, saberes insulares x saberes continentais, saberes do norte x saberes do sul?
João Renato Benazzi
Professor de Administração na PUC-Rio e no SENAI-Cetiqt (RJ), Mestre e graduado em Administração pela PUC-Rio cursa o doutorado em Comunicação e Cultura na ECO-UFRJ. Trabalhou por 15 anos como gestor de empresa hospitalar e como empresário do comércio varejista de tecidos. É pesquisador associado do Lacosa – UFRJ (Laboratório de Comunicação Social Aplicada) e do CAC-UERJ (Grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Cidade), com trabalhos apresentados em congressos no Brasil e exterior nas áreas de Comunicação e de Gestão em que pesquisa comportamentos de consumo, marketing e o papel de processos e veículos de comunicação nas representações de identidade hifenizadas.
A comida Italiana e a identidade Ítalo-brasileira
A comida é cultura. Combinação de natureza e produção humana, a alimentação se baseia na produção moderna de alimentos comestíveis pela agricultura e pecuária, mas necessita de sua transformação – principalmente desde o domínio do fogo para, através do ´fazer cozinha´ gerar comida. Assim comida pode ser vista, dentre outra metáforas que se pode criar a seu respeito, como uma expressão cultural e como meio de representar identidades, posições sociais, gêneros, pertencimentos e significados diversos. A comida Italiana, que marca de sua globalização cultural, também serve de mecanismo de elaboração de pertencimentos e construção de auto-imagens dos migrantes italo-brasileiros no Rio de Janeiro.
Sérgio Fagerlande
Doutorando do Prourb FAU UFRJ, onde também fez mestrado. Trabalhou no mestrado e no doutorado com assuntos diretamente ligados à história de Penedo, colônia finlandesa no estado do Rio de Janeiro. Sua tese de doutorado atualmente versa sobre cidades turísticas que passam por um processo de tematização e cenarização em função da presença de colônias européias. Seu estudo de caso tem como principal foco as cidades de Gramado, Penedo e Holambra. Sua relação com Penedo vai além da academia. Seus avós faziam parte dos pioneiros que fundaram a cidade em 1929. Além disso, é Diretor Cultural do Clube Finlândia, agremiação dos finlandeses de Penedo, fundada em 1943. No momento, participa do Instituto Nórdico Brasil Finlândia, no Rio de Janeiro, como Diretor Geral, cujo intuito principal é divulgar a cultura finlandesa no Brasil e promover maior intercâmbio entre os dois países.
Finlandeses em Penedo: da utopia naturalista ao turismo tematizado
Discutirá a respeito da relação entre colônias de imigrantes e turismo, em especial em pequenas cidades como Penedo, Gramado e Holambra, seu atual objeto de estudo no doutorado. Acredita que essas relações que se estabeleceram em torno da atração que a cultura finlandesa exerce para o turismo seja tema de uma interessante discussão.
Sofia Zanforlin
É professora e pesquisadora. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Mestre em Comunicação pela UnB e formada em Comunicação com habilitação em Jornalismo pela UFPE. Autora do livro Rupturas Possíveis, lançado pela Annablume em 2005. Pesquisadora associada do Lacosa – UFRJ (Laboratório de Comunicação Social Aplicada) e do NIEM – UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios).
Interculturalidade e o Direito à Cidade: etnopaisagens entre atritos e negociações
As cidades brasileiras conversam com suas diversidades? Como avaliar a presença multicultural em uma cidade? Pelo número de associações culturais, representações organizações, pela presença de igrejas, templos, ou entidades recreativas, como clubes, ou educacionais como escolas, por exemplo? Em que momento o multicultural se torna intercultural? Se o multiculturalismo é acusado de ter se transformado em um termo que abriga diversidades mas que não pressupõe o contato, a abertura generosa e curiosa para o Outro, o intercultural, por sua vez, vem embebido em atritos proporcionados pelo encontro, pela troca. Assim, o lugar do intercultural é a metrópole, complexa, múltipla, sem mônadas, sem fragmentação ou segmentação. O direito à cidade pressupõe a multiculturalidade em contato e em atrito, logo, em movimento, tal como na proposta intercultural. Esta comunicação sugere um debate acerca de conceitos e práticas que misturem termos como cidades, etnicidades, migrações, identidades, a partir da formação de etnopaisagens pelos grupos de imigrantes recentes para o Brasil. A proposta é pensar os lugares de encontro de comunidades e as possibilidades de exercício da interculturalidade na negociação pelo pertencimento.
Mesa 2 – A invenção diária da interculturalidade: relatos de vivências
Aleksander Laks
É brasileiro naturalizado. Preside a Sherit Hapleitá (Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista) e mora em Copacabana, no Rio de Janeiro. Dá palestras em escolas e universidades sobre o que viu e viveu durante a Segunda Guerra Mundial. É autor de O Sobrevivente: memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz (Editora Record), que escreveu com a colaboração da educadora Tova Sender, e consultor histórico da minissérie Aquarela do Brasil, da Rede Globo.
Padre Dimitrios Nikolayidis
Dimitrios Nikolayidis está há 50 anos no Brasil e é padre da Igreja Ortodoxa Grega do Rio de Janeiro.
Maibrit Thomsen
É natural da Dinamarca e mora no Brasil desde 1998. Dirige desde 2009 o Instituto Cultural da Dinamarca, instituição sem fins lucrativos. É mestre em Musica na Universidade de Aalborg e possui MBA em Turismo e Empreendedorismo da Universidade Candido Mendes.
Majd Al Shara
Nascida em Damasco, na Síria, chegou ao Brasil para assumir a nova diretoria do Centro Cultural Árabe Sírio no Brasil. Fluente em cinco idiomas: árabe, inglês, francês, polonês e português, a doutora reúne em seu currículo, entre outros títulos, graduação em literatura moderna inglesa pela Universidade de Varsóvia e pela Universidade de Damasco; mestrado em literatura Americana na George Washington University, nos Estados Unidos e doutorado em letras comparadas pela Universidade de São Paulo, no Brasil. Majd ainda atuou como diretora de tradução no departamento de teatro e música no Ministério da Cultura em Damasco e realizou inúmeras traduções de livros e artigos nos idiomas árabe e inglês. A executiva também escreveu obras de ficção e não-ficção. Majd já viajou e residiu em vários continentes, entre eles, Europa, África, América Latina, América do Norte e Golfo Árabe e com isso desenvolveu a habilidade de se comunicar com indivíduos de diferentes culturas. Em seu novo cargo, Majd, buscará fortalecer os laços culturais entre árabes e brasileiros.
Merced Lemos
É Mestre em Literatura Hispano-Americana e Brasileira, Tradutora, trabalha como Encarregada de Assuntos Culturais no Consulado do Chile no Rio de Janeiro, leciona no Centro Universitário da Cidade, integra o Conjunto Folclórico Chile Chico do Rio de Janeiro e é Presidente da Cofochilex Brasil – Confederação de Folcloristas Chilenos no Exterior.
Atividades Culturais
Dança do Ventre com Aischa Hortale
Aischa é bailarina e professora de Dança do Ventre em Niterói – RJ. Realiza as Noites Árabes no Café Teatro Papel Crepon desde 2004 e é diretora artística da Cia Khalida de Dança do Ventre e Folclore Árabe. A dança do ventre praticada em diversas regiões do Oriente Médio e da Ásia Meridional. Datada entre 7000 e 5000 A.C.seus movimentos aliados a música e sinuosidade semelhante a uma serpente foram registrados no antigo egito, babilônia, mesopotâmia, índia, pérsia e grécia, e tinham como objetivo preparar a mulher através de ritos religiosos dedicados a deusas para se tornarem mães. A expressão dança do ventre surgiu na França, no Oriente é conhecida pelo nome em árabe “raqṣ sharqī”(رقص شرقي, literalmente “dança oriental”), ou ”raqṣ bládi” (رقص بلدي, literalmente “dança da região”, e, por extensão, “dança popular”). Composta por uma série de movimentos vibrações, impacto, ondulações e rotações que envolvem o corpo como um todo.Na atualidade ganhou aspectos sensuais exóticos, sendo excluída de alguns países árabes de atitude conservadora.
Mako: uma japonesa amante de samba
Masako Tanaka, conhecida como Mako, é cantora e instrumentista. Nasceu em Kobe, no Japão. Em seu país de origem cantou jazz, fado, música brasileira (como MPB e bossa nova), além de outros estilos musicais. Mas se apaixonou pelo samba, apresentado a ela ainda no Japão. Acabou fundando o grupo de samba “Teleco-teco”. Desde então tem constituído um repertório com alguns dos melhores compositores brasileiros, como Cartola, Wilson Batista, Ataulfo Alves, Noel Rosa, Chico Buarque, Zé Kéti, entre outros. Em 2001 se mudou para o Brasil com o objetivo de conhecer, estudar e se aperfeiçoar nos ritmos brasileiros. Depois de alguns anos no Brasil, ela resolveu cantar as músicas brasileiras com o jeito carioca. Atualmente ela está envolvida no Projeto “Alma Brasileira”, do CCBB, no qual a cantora dará um passeio pelo samba.
PROGRAMAÇÃO
O III Fórum de Imigração do Rio de Janeiro – Trocas Interculturais e Novas Identidades Locais foi realizado no dia 20 de junho de 2011, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) do Campus Praia Vermelha, na UFRJ.
8h30 – Café da manhã
9h /12h – Interculturalidade e pluripertencimentos: abordagens conceituais
Estudiosos da questão migratória analisaram e debateram as formas de configuração de espaços identitários e culturais verdadeiramente plurais e múltiplos. Onde as comunidades étnicas e a sociedade de acolhimento ensaiam novos modos de pertencimento e formulam novas modalidades de sociabilidade.
Daniele Abilas
Ser palestino no Brasil: migração forçada e acomodação
Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do Núcleo de Estudos do Oriente Médio – NEOM / UFF. Já realizou pesquisas de campo no Egito, Palestina e Tunísia.
Florence Dravet
O diálogo intercultural nos processos de construção identitária: contribuições epistemológicas
Doutora em Didactologia das Línguas e Culturas com uma tese sobre Comunicação Intercultural pela Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle.
João Renato Benazzi
A comida Italiana e a identidade Ítalo-brasileira
ECO-UFRJ. Pesquisador associado do Lacosa – UFRJ (Laboratório de Comunicação Social Aplicada.
Sérgio Fagerlande
Finlandeses em Penedo: da utopia naturalista ao turismo tematizado
FAU-UFRJ. Trabalha com assuntos diretamente ligados à história de Penedo, colônia finlandesa no estado do Rio de Janeiro. É neto de imigrantes pioneiros que fundaram a cidade. Diretor do Instituto Nórdico Brasil Finlândia.
Sofia Zanforlin
Interculturalidade e o Direito à Cidade: etnopaisagens entre atritos e negociações
Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Pesquisadora associada do Lacosa – UFRJ (Laboratório de Comunicação Social Aplicada) e do NIEM – UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios).
12h /14h – A imigração é uma festa!
Manifestações artísticas e degustações de comidas típicas deram o tom, o ritmo e as formas da interculturalidade. Sociabilidade festiva para encantar o país novo sem perder a magia do mundo antigo.
Dança do ventre com Aischa Hortale
A dança do ventre praticada em diversas regiões do Oriente Médio e da Ásia Meridional.
Mako
Cantora e instrumentista japonesa, com repertório de grandes artistas brasileiros, como Cartola, Wilson Batista, Noel Rosa, Chico Buarque, entre outros.
14h /17h – A invenção diária da interculturalidade: relatos de vivência
Membros das comunidades oriundas da imigração trouxeram as suas experiências, percursos e memórias. Testemunhos do processo de aclimatação ao solo novo, tradução do universo simbólico de destino e construção de uma identidade ao mesmo tempo singular e plural.
Aleksander Laks
Naturalizado brasileiro, preside a Sherit Hapleitá (Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista). É autor de O Sobrevivente: memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz
Padre Dimitrios Nikolayidis
Padre da Igreja Ortodoxa Grega do Rio de Janeiro, vive no Brasil há mais de 50 anos.
Maibrit Thomsen
Natural da Dinamarca, mora no Brasil desde 1998. Diretora do Instituto Cultural da Dinamarca
Majd Al Shara
Nascida em Damasco, na Síria, veio ao Brasil para dirigir o Centro Cultural Árabe Sírio no Brasil
Merced Lemos
Diretora de Assuntos Culturais no Consulado do Chile no Rio de Janeiro e Presidente da Cofochilex Brasil – Confederação de Folcloristas Chilenos no Exterior.