A acolhida aos imigrantes haitianos que a partir de 2011 passaram a morar em Porto Velho foi destaque durante reunião realizada em fevereiro desse ano em Brasília pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare). Graças a uma iniciativa de professores e pesquisadores universitários em parceria com a Pastoral do Migrante e a Paróquia São João, os haitianos contam com aulas de português e recebem informações sobre a cultura e a história de Rondônia, além de direitos trabalhistas. Em contrapartida um dos imigrantes está dando aula de francês (língua oficial do Haiti) para brasileiros.
O curso foi aberto para 60 vagas e apareceram 200 candidatos. Mais do que isso, a convivência com os haitianos está oferecendo uma importante oportunidade para o aprendizado para acadêmicos nas áreas de letras, ciências sociais, psicologia e antropologia, entre outras disciplinas. Professor universitário, cientista social e pesquisador, Geraldo Cotinguida integra o trabalho e ministra o curso “Introdução à Etnografia na área de Antropologia”, em que ajuda acadêmicos a entender as diferenças dos estrangeiros. O curso também tem um aluno haitiano que, no caso, está aprendendo a conviver com a cultura brasileira.
A acolhida aos haitianos começou de forma voluntária, por uma iniciativa de professores ligadas à Universidade Federal de Rondônia (Unir) e universidades particulares, além de integrantes da Pastoral do Migrante e da Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de Porto Velho. O trabalho serviu de base para o projeto de extensão “Migração Internacional na Amazônia Brasileira: Linguagem e Inserção Social de Haitianos em Porto Velho”; segundo relato de uma das integrantes do projeto, a professora da Unir Marília Pimentel. Aline Martins de Almeida, estudante do terceiro semestre do curso de Letras/Português, participa do projeto e diz que é muito importante o convívio com os haitianos para o aprendizado. “Estamos tendo a oportunidade de conviver com outra cultura”, explica.
Perfil dos haitianos que vivem em Ro
Cerca de 2,5 mil haitianos migraram para Rondônia em 2011 e aproximadamente 1,5 mil seguiram para outros estados, segundo o cientista social e professor Geraldo Cotinguida. A maioria deles tem entre 20 e 35 anos e o grau de escolaridade varia de analfabeto a universitário. Ele calcula que mais de 20 bebês haitianos nasceram em Porto Velho. “O Haiti é um País muito pobre, mais ou menos do tamanho de Sergipe, com uma população de 10 milhões de pessoas, que vivem com US$ 1 a US$ 2 por dia e por isso só uma pequena parte da população tem acesso ao ensino”, explica o professor. Entre os que vieram para Rondônia, a maioria completou o ensino fundamental e médio.
Os haitianos que vivem em Porto Velho e cidades do interior fazem parte de uma leva de migrantes que buscam novas alternativas para a pobreza do País natal, uma situação que se tornou desesperadora com o terremoto que arrasou a ilha onde também está localizada a República Dominicana, no mar do Caribe. “Ao contrário de outros migrantes, os haitianos se diferenciam por não terem um projeto elaborado para viver em um novo País. Eles chegaram ao Brasil sem saber direito o que iam encontrar, baseados em notícias sobre o nosso bom momento econômico”, diz Geraldo Cotinguida.
A meta é trabalhar e ajudar a família, mas existem dificuldades para fazer o envio de dinheiro para o Haiti. Por lei, a transação deve ser feita por agências de factoring. Em Porto Velho, só uma empresa presta o serviço e o atendimento é limitado a dez pessoas por dia. “A Pastoral do Migrante está tentado aumentar o número de lojas que possam fazer esta operação”, segundo o professor.
Dificuldade na comunicação
De acordo com a professora Marília, uma grande dificuldade dos haitianos que migram para o Brasil é a língua. No Haiti, a maior parte da população fala crioulo haitiano e francês, que é a língua oficial. Sem falar e entender o português, eles não conseguem vagas para trabalhar em grandes empresas, onde precisam obedecer normas de segurança do trabalho. Por isso mesmo, boa parte dos cerca de mil haitianos que se estabeleceram em Porto Velho hoje trabalham na informalidade, como pintores, pedreiros, técnicos em edificações e mecânicos, entre outras profissões.
As aulas de português ministradas por professores e alunos da Unir para haitianos são realizadas no colégio 21 de Abril. Por volta de 19h, eles começam a chegar, a pé ou de bicicleta. São homens e mulheres jovens, altivos,reservados e educados. Não gostam de falar e muitos ainda se comunicam com dificuldades com os brasileiros, principalmente as mulheres. Os cumprimentos com os professores são feitos em francês.
Marc Henry Pierre Jean, 34 anos, está há um ano e quatro meses no Brasil e já passou antes por outros países. Marc tem em Rondônia mais três familiares, um primo e dois irmãos, e se comunica com o Haiti por telefone e pela internet. Ele diz que gosta do Brasil, mas lamenta o valor dos salários pagos. “Para quem tem que pagar aluguel, como nós, fica pesado”. Ele não descarta a possibilidade de seguir para outro estado ou mesmo outro País em busca de oportunidades de melhorar de vida e também de ajudar a família no País de origem.
Fedene Dayrand, 30 anos, está há um ano e quatro meses em Rondônia e ainda não conhece uma filha de oito meses que nasceu quando ele já estava no Brasil. Fedene trabalha como ajudante de produção no canteiro de obras da Santo Antônio Energia e no Haiti trabalhava em uma granja de frangos. Ele gosta do Brasil: “É um País que oferece muitas oportunidades de trabalho e de estudo” e espera voltar para o Haiti ou então trazer a família.
Política internacional
Os imigrantes haitianos elegeram a Amazônia como porta de entrada para o Brasil por causa da proximidade geográfica e também porque a região possui uma extensa área de fronteira praticamente desguarnecida. Segundo a professora da Unir Marília Pimentel, este ciclo de migração está sendo importante para a política internacional do País, que precisou rever a legislação e criou o “visto permanente por razões humanitárias” para regularizar a situação dos milhares de haitianos que procuraram abrigo no Brasil depois do terremoto. O País contava apenas com o visto para refugiados, que tem a finalidade de acolher pessoas perseguidas por razões políticas ou religiosas.
Em janeiro deste ano, o Itamarati alterou as regras de acolhimento aos haitianos com a criação de um decreto que obriga os migrantes a procurarem um visto na embaixada brasileira instalada no Haiti antes de viajar para o Brasil e limitou o número de vistos a 100 por mês. Até então, eles obtinham estes vistos na fronteira brasileira – em Brasiléia no Acre, e Tabatinga no Amazonas. Com poucas exceções, os haitianos que vivem em Rondônia já regularizaram a situação de permanência no País.
(Diárioa da Amazônia – 23/07/2012)
