Sementes migrantes
Sementes são estruturas fundamentais da natureza. É a partir delas que as espécies se dispersam, através do vento, da água e de diferentes animais que se deslocam e as transportam a outros locais. Dessa forma, não ficam dependentes de um bioma específico e podem garantir a continuidade da vida.
Assim como esses pequenos grãos, os seres humanos também se movem. Motivadas pelas causas mais diversas, as pessoas buscam desbravar novos horizontes. Sementes Migrantes – Histórias de vida de migrantes no Rio de Janeiro trará relatos de pessoas que nasceram em outras latitudes, mas que aqui fizeram germinar seus projetos de vida, autonomia e dignidade. Muito além de garantir a própria subsistência, elas assumem papéis de liderança em suas comunidades, organizam-se e constroem redes de apoio para migrantes e brasileiros. Enfrentando os desafios da migração e do trabalho informal, elas são também sementes de luta. Nesta série, conheceremos suas trajetórias, projetos e sonhos.

Há seis anos, Yennit chegou ao Rio de Janeiro vinda de Bogotá, na Colômbia, com seus dois filhos. Formada em Engenharia de Sistemas e com uma trajetória no setor de telecomunicações, ela viu seus projetos serem interrompidos pela violência que assolava as zonas rurais colombianas: “Lá havia guerrilha. Então, nos extorquiam como empresa.”
“Depois de uma passagem pelo México, chegou ao Rio de Janeiro, onde se deparou com duas grandes barreiras: a língua e a informalidade do trabalho. “Meu primeiro trabalho foi ir para a praia de Copacabana vender uns sanduíches. Foi difícil… Me lembro que a primeira vez que fui à praia entrou terra na minha boca. Aquele dia cheguei com a garganta seca, quase não vendi.”
Além das dificuldades com o idioma, o desafio de cuidar sozinha dos dois filhos pequenos limitava suas opções:
“Encaminhar-se pela parte profissional é complicado por causa do idioma e da situação econômica. E, além disso, eu tinha dois filhos menores de idade, que não podia deixar com vizinhos ou amigos, porque realmente não tinha — e não tenho — alguém de confiança para deixar uma criança. Então, acho que ser empreendedora e independente se adaptou à minha realidade, porque me dá tempo para estar com meus filhos, tempo para mim e para trabalhar.”
Com o tempo, Yennit encontrou no artesanato uma alternativa mais compatível com sua rotina de mãe e chefe de família. Essa oportunidade surgiu através de uma vizinha brasileira que a orientou:
“Ela me disse: ‘Mija, venha que eu te ensino a trabalhar. Você pode ir à tarde’. E me ensinou a trabalhar depois das cinco. Então eu já deixava os meninos alimentados e praticamente deitados, e ia trabalhar duas horas, de cinco às seis, correndo. Não foi fácil, de verdade.”
A comercialização de artesanato e pedras naturais tornou-se o principal sustento de Yennit. Aos poucos, foi compreendendo as complexidades do mercado: descobriu quais pedras tinham maior demanda, onde adquiri-las com melhor custo e, nesse processo, tornou-se fornecedora para outros artesãos e uma expositora assídua em feiras.

Em seu trabalho, Yennit coloca muito valor no contato humano. Ela se descreve como uma pessoa “perceptiva” e que “gosta de escutar”: durante o trabalho, pessoas frequentemente se aproximam, contam suas histórias e compartilham suas dores e afetos. Atualmente, ela estuda joalheria no SENAI: “As pedras me ensinaram muito. Uma pedra é também uma joia…Agora estou sonhando em ter uma joalheria. Acho que minha primeira joalheria pode ser no México.”
No atual contexto de violência policial e criminalização de ambulantes migrantes — com casos graves e trágicos no Rio de Janeiro e em São Paulo[1] — Yennit ressalta mais um aspecto. Se por um lado ser autônoma lhe permite gerenciar seu tempo, por outro, a ausência da estabilidade e direitos legalmente garantidos por um trabalho formal impõe desafios à sua saúde física e mental.
“Já sou uma mulher com mais de 40 anos, com um trabalho pesado. Carrego muita mercadoria. Subo e desço escadas. Moro em um morro, então preciso subir com a mercadoria, às vezes de moto. O estresse de que não se vendeu, de que as pedras se danificaram, que vai chover… tudo isso me gerou um peso emocional.”
Nesse ponto, a ausência de uma rede de apoio também é sentida: “Às vezes a gente não tem com quem se apoiar… Esse é o maior desafio: conseguir uma rede de apoio. Onde a gente pode encontrar apoio emocional, uma indicação de trabalho ou uma orientação.”

Apesar das dificuldades, para Yennit: “Ser migrante é um privilégio, porque a gente consegue entender outras pessoas e romper as barreiras mentais que trouxe da casa dos pais… É uma oportunidade que a vida nos dá, e que a gente se dá, para conhecer um pouco mais da gente e da vida”. Para ela existe “uma força interior que nos faz dizer: vamos explorar.”
Esse sentimento aventureiro continua vivo na história de Yennit, que pretende acompanhar a filha que quer estudar no México: “Eu tive que sair sozinha, sem apoio dos meus pais, das minhas irmãs. Agora vejo minha filha querendo sair, estudar em outro lugar, fazer sua especialização (…) Então, por mim, eu ficaria, mas minha filha também puxou algo de aventureira, então vou acompanhá-la. Fazer o que eu não pude ter”.
Com a bagagem de sua trajetória, Yennit agora quer multiplicar o que aprendeu por meio de um projeto comunitário que capacite outras mulheres migrantes na produção de artesanato como ferramenta de autonomia e dignidade: “Penso que há muito a oferecer a uma mulher, com a experiência que temos, nós, mulheres migrantes”. Sua proposta é um convite ao fortalecimento e à construção de independência para mulheres em situação de vulnerabilidade: “Uma família teria uma comida digna, um teto digno, uma mulher independente que não precisa se deixar maltratar”. Yennit pretende estruturar esse projeto justamente para evitar que outras mulheres passem pelo que ela viveu: “Não é para me mostrar, não é para lucrar, mas quero evitar o que eu sofri… Porque a gente se isola.”
Neste momento, ela busca colaboradores e apoio, principalmente para garantir matéria-prima e um espaço onde possa oferecer capacitações às participantes. O projeto aposta na força da coletividade: oferecer materiais, ensinar técnicas e possibilitar que outras mulheres migrantes encontrem, assim como ela, caminhos para construir sua autonomia e dignidade. Como Yennit bem sabe, “uma pedra é também uma joia”, que revela seu brilho quando juntas esculpimos novas possibilidades.
Se deseja conhecer melhor e/ou colaborar com o projeto de Yennit, entre em contato com ela pelo e-mail: yenytd3@hotmail.com
[1] No Rio de Janeiro, em maio de 2025, um migrante colombiano teve sua mercadoria apreendida e foi preso violentamente com indícios de xenofobia. Em São Paulo, em abril de 2025, a violência do Estado chegou ao extremo — a polícia assassinou o imigrante senegalês Ngagne Mbaye e continua agredindo trabalhadores migrantes, mesmo depois de protestos e manifestações.

