Migrante “ilegal”? “Crise” migratória? “Barreira” linguística? Essas expressões fazem sentido?
O Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), por meio da Comissão de Orientação em Psicologia e Migração, lançou no dia 25 de agosto de 2025, em Belo Horizonte, sua nova publicação: o Glossário de Migrações.
A Comissão tem por objetivo refletir, dialogar e propor melhorias na temática das migrações, articulando ações com instâncias internas, com a categoria e com a sociedade em geral, a fim de efetivar esses diálogos. Também busca subsidiar posicionamentos e orientações do CRP-MG. Em atuação desde 2020, essa é sua segunda publicação impressa. A primeira, o guia “Migração, refúgio, tráfico de pessoas e subjetividades”, lançada em 2021, circulou entre diferentes estados do Brasil e se consolidou como referência para a atuação da Psicologia nesse campo.
Com o amadurecimento dos debates, a Comissão sentiu a necessidade de ampliar as discussões para além da Psicologia, o que motivou a criação do glossário.
Kenia Fuentes, psicóloga de origem boliviana e membra da comissão, destacou o processo de elaboração:
“Quando entrei na comissão, acabava de ser lançado o guia, que, para nós, inseridos na temática, foi um marco na trajetória da luta. A partir disso, fiquei pensando naqueles que não têm nenhum contato com a migração: o que seria um bom ‘pontapé’? Pensei, assim, que o glossário poderia ser interessante: carrega os principais conceitos e as discussões atuais referentes ao uso cotidiano de certos termos. Acredito que sua importância está na praticidade para informar e, ao mesmo tempo, instigar a reflexão.”
A publicação reúne conceitos-chave relacionados ao atendimento a pessoas migrantes em sua diversidade, oferecendo uma compreensão crítica e cuidadosa sobre os termos mais utilizados no campo. O glossário vai de “A” de Ação Humanitária a “X” de Xenofobia e inclui, ainda, a seção “Para refletir”, com expressões que devem ser evitadas no atendimento intercultural. Um exemplo é a expressão “barreira linguística”, criticada por reduzir a língua a um obstáculo, desconsiderando seu potencial de criação e articulação intercultural.
Sobre o processo de construção, Halaine Pessoa, psicóloga roraimense e membra da comissão, destacou:
“O processo de letramento com a temática da migração levanta a sua importância e emergência em diferentes espaços profissionais e comunitários, para refletirmos sobre quais palavras estão sendo utilizadas e quais cuidados devem ser tomados para mitigarmos contextos de violência, opressão e preconceito na migração. Vamos utilizar esse material técnico para potencializar o conhecimento e levar a informação a profissionais de diferentes áreas, serviços públicos e comunidades migrantes.”
Ao problematizar o uso das palavras e seus sentidos, o glossário busca promover práticas mais responsáveis e inclusivas na Psicologia e em outras áreas que lidam diretamente com a mobilidade humana. A ideia é que o material seja aplicado em diferentes contextos de atendimento, sejam eles clínicos, nos dispositivos de saúde, na assistência social ou em outros serviços públicos.
Para a Comissão de Migração do CRP-MG, o glossário representa não apenas uma ferramenta técnica, mas também um instrumento político e ético de valorização da diversidade e da alteridade, contribuindo para que profissionais, gestores públicos e a sociedade em geral dialoguem de forma mais precisa, respeitosa e fundamentada sobre as migrações contemporâneas.
O evento de lançamento foi também um espaço de reflexão sobre a aplicabilidade prática do material, especialmente no âmbito das políticas públicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O debate ganhou relevância diante da tramitação da Proposta de Lei da Política Municipal de Migração, que pretende estabelecer diretrizes locais para o acolhimento e a garantia de direitos da população migrante. Na ocasião, usuários das políticas públicas, membros de coletivos de migrantes, representantes de dispositivos de atendimento e da governança municipal discutiram a utilização do glossário.
Catalina León, membra da coletiva Memipaz, comentou:
“Gostaria de destacar o cuidado que vocês tiveram em descrever a letra F de Fronteira como ‘uma palavra que pode apresentar diversos sentidos, por exemplo, de separação, barreira, controle, tensões, conflitos, fugas e lugares afastados’. Essa construção ajuda a desconstruir a ideia de que ‘fronteira’ tem apenas um significado territorial.”
A Comissão pretende realizar novos eventos presenciais de lançamento em outros estados, ampliando a circulação do material e incidindo politicamente sobre seu uso.
O Glossário de Migrações está disponível para acesso no Acervo Digital do CRP-MG.






