BONDYE BENI OU: NARRATIVAS E COMUNIDADES DE HAITIANOS EVANGÉLICOS

Bondye beni ou: lugaridades com haitianos evangélicos

“Bondye beni ou!” é uma das saudações mais utilizadas para receber quem entra em uma
igreja evangélica haitiana. Corresponde ao nosso famoso “Deus te abençoe!”, uma saudaçãomanifestação
da faticidade religiosa que permeia os mundos da vida de quem vivencia a
experiência religiosa. Esperar que Deus abençoe alguém implica assumir tanto a existência da
divindade quanto a vida do outro. Nesse sentido, a divindade se manifesta nas relações de
alteridade no mundo vivido: é na aparição do outro que Deus abençoa. A presente pesquisa
teve como objetivo compreender aspectos da experiência religiosa evangélica de haitianos no
contexto migratório a partir da análise de lugaridades, construídas em entrevistas com
haitianos e brasileiros que tiveram experiências de migração e com imigrantes,
respectivamente. O suporte teórico-metodológico se insere na interlocução entre geografia e
fenomenologia, um encontro que tem se mostrado profícuo. Entretanto, esse encontro ainda
está por exercer influências nos estudos populacionais da ciência geográfica. Esse foi o
grande desafio que enfrentamos: encontrar caminhos para uma análise fenomenológica de
temas como o da fronteira, predominantemente estudados por outras abordagens. A partir das
noções de mundos da vida (HEIDEGGER, 2010) e geograficidade (DARDEL, 2011),
pensamos a religião como experiências do mundo vivido dos sujeitos da pesquisa que foram
narradas em contato pessoal e prolongado com a pesquisadora. Construímos nossas reflexões
a partir das referências geográficas lugar e mundo, desdobradas em nosso estudo como
mundanidades e lugaridades aqui entendidas como expressões sentidas das
microterritorialidades. Esta pesquisa surgiu de um incômodo sentido quando já estávamos em
campo. Ao lermos notícias sobre a comunidade pesquisada, percebemos que as ideias
subjacentes não manifestavam o que os membros da comunidade pensavam sobre si mesmos.
As ideias divulgadas na mídia e em entrevistas com estudiosos reforçavam a posição de que a
abertura de igrejas evangélicas por haitianos responderia unicamente a que eles estariam
sendo manipulados pelas igrejas evangélicas brasileiras as quais estariam promovendo a
despersonalização da haitianidade, como se esta tivesse apenas um modo de ser-no-mundo.
No período de nossa pesquisa, vivenciamos a construção de uma nova lugaridade religiosa.
Insatisfeita com a estrutura organizacional brasileira, que tolerava as diferenças mas requeria
uma uniformização progressiva, assim como com os conflitos de compreensão sobre as
relações de membresia, a comunidade haitiana pesquisada, sob a liderança de seu pastor
também haitiano, decidiu se desvincular de uma Igreja brasileira e se filiar a outra. Limitar a
riqueza dessa experiência à vinculação de membresia ou a preconceitos disfarçados (discursos
sobre “despersonalização” ou a prova de uma suposta “inautenticidade” da fé por causa até
mesmo de hábitos de higiene) é empobrecer o sentido da experiência religiosa na vida das
pessoas. Por esses motivos, acreditamos ter alcançado o propósito deste estudo ao
desvelarmos a geograficidade em alteridade dos mundos (próprio, circundante e
compartilhado) dos haitianos evangélicos que participaram deste estudo, considerando a
experiência como escala geográfica e o sujeito como lugar ao mergulharmos em suas
narrativas a partir das quais as lugaridades dessas experiências foram construídas.

Rosa Martins Costa Pereira

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