Steve Ingham, CEO da Michael Page, defende a necessidade de o Brasil deixar de lado qualquer tipo de xenofobia e abrir as portas aos profissionais estrangeiros.

A recuperação econômica nos Estados Unidos e em alguns países da Europa pode dar novos contornos ao mercado global de trabalho para executivos. Mas poucas pessoas no planeta têm uma visão tão privilegiada das mudanças no topo quanto o inglês Steve Ingham, CEO da Michael Page, a maior empresa de recrutamento de executivos do mundo, com operações em 25 países.

Para ele, o Brasil deve ter uma boa movimentação em postos de trabalho no próximo ano, devido aos investimentos por conta da Copa do Mundo e das eleições. Mas, para o crescimento ser sustentável, o governo precisa tomar as decisões difíceis para que os investimentos não desapareçam. Entre as medidas preconizadas, Ingham defende a importância de deixar de lado qualquer tipo de xenofobia. “O País deve abrir as portas aos profissionais estrangeiros”, afirma.

DINHEIRO – Há, no mundo, uma recuperação do mercado de empregos para executivos?
INGHAM – As análises variam completamente de região para região. O mercado americano está bom de novo. O Brasil também vai bem. O México apresenta um crescimento ainda maior. A Ásia idem. E até mesmo na Espanha estamos detectando um crescimento, por surpreendente que possa parecer para muitas pessoas. Gradualmente, as coisas estão melhorando. Só na Europa as coisas ainda estão problemáticas.

DINHEIRO – O momento brasileiro está descolado do restante da América Latina?
INGHAM – O crescimento é desigual por toda a região, de acordo com as políticas adotadas e com a variação dos preços das commodities mais importantes para cada país. O mercado brasileiro está num momento diferente do restante do continente. No Brasil, acontece um arrefecimento, enquanto o México entrou em um momento de grande expansão. Os resultados dos países na Costa do Pacífico também são melhores que os do lado do Atlântico.

DINHEIRO – Mas há expectativas de reaquecimento para o Brasil?
INGHAM – No próximo ano, haverá eleições por aqui, não? Por isso, haverá investimentos do governo para ganhar votos. Mas o problema é que as medidas fundamentais não estão sendo adotadas, como a flexibilização de leis trabalhistas e o controle do orçamento. Sem rigidez nos limites de gastos, os investidores começam a dificultar os empréstimos e aumentam os juros para o dinheiro que vai financiar os investimentos. Há muitas batatas quentes com que lidar, o que torna difícil se chegar a uma decisão sobre cada uma delas. Principalmente em um ano eleitoral. Os políticos fazem aquilo que dá votos. Mas é uma pena constar que fazer a coisa certa traz impopularidade na política. Por isso, os governos buscam fazer apenas o suficiente e esperam que tudo dê certo no final. É diferente de como funciona nas empresas, nas quais tomar as decisões certas traz reconhecimento.

DINHEIRO – Há uma percepção de que o salário do executivo brasileiro está inflacionado. Por que isso acontece?
INGHAM – Em alguns mercados há uma forte demanda por pessoas bem preparadas, mas a oferta às vezes é pequena. No Brasil, há muitas empresas bem-sucedidas em busca de gente cada vez melhor. Então, a guerra por talentos no Brasil inflaciona os salários. Houve uma situação extrema em 2011, em especial, para posições técnicas. Para atrair as pessoas, os pacotes de bonificações ficaram muito elevados, principalmente nos bancos. O câmbio da época também fazia com que alguns salários de executivos no Brasil fossem maiores, em libras esterlinas ou dólares, do que os dos seus chefes globais.

DINHEIRO – O peso principal então está nas bonificações?
INGHAM – Existe uma visão geral das companhias premiarem mais pelo desempenho. Vai ga­nhar mais quem entregar resultados. Os paraquedas de ouro ficaram muito impopulares, depois que grandes executivos deixaram empresas em dificuldades com uma bolada no bolso. A questão problemática é que muita gente foi contratada para fazer recuperações complexas de empresas, algo que leva tempo, mas está sendo cobrada por resultados de curto prazo. É como acontece com os técnicos de times de futebol. Vemos isso na Premier League, a principal divisão do futebol inglês. Depois da saída do Alex Ferguson, do Manchester United, que permaneceu 26 anos no cargo, não sobraram técnicos trabalhando por muito tempo em suas equipes. Excetuando o treinador do Arsenal, o tempo máximo de permanência de um técnico atual é de dois anos.

DINHEIRO – No Brasil é pior ainda. Para os comentaristas esportivos daqui, a Pre­mier League é a referência em termos de permanência no cargo. Aqui pouquíssimos times que começaram o campeonato ainda têm os mesmos treinadores.
INGHAM – Dessa forma, não dá para se avaliar um trabalho. Não dá tempo para os resultados aparecerem. Seja numa empresa ou num time de futebol, não adianta cobrar em curto prazo quando os objetivos propostos são para longo prazo. Mas é o que está acontecendo em muitas empresas.

DINHEIRO – As carreiras dos altos executivos estão se internacionalizando?
INGHAM – Sem dúvida essa é uma das principais tendências atuais. O mundo está menor. O jovem de São Paulo não pensa apenas em fazer carreira por aqui. Ele quer o mundo. É assim em todos os lugares. Mas isso assusta os governos.

DINHEIRO – De que forma?
INGHAM – Vemos governos de todo o mundo lutando contra a imigração. É uma preocupação maior em países com alto índice de desemprego. No Reino Unido, é assim. Somos um país multicultural e que se beneficiou disso. Mas os governos não querem dar vistos para todo mundo. Com isso, acabam restringindo também a chegada dos melhores cérebros. O Brasil deve abrir as portas aos profissionais estrangeiros, se quiser ter uma indústria de tecnologia forte Ao tentar proteger os empregos locais, os países perdem a oportunidade de ter pessoas que podem criar negócios novos e empregar mais gente.

DINHEIRO – Que outro setor brasileiro precisa bastante de estrangeiros?
INGHAM – O Brasil sente falta de gente especializada em petróleo e gás. E nós estamos procurando essas pessoas em locais com gente experiente na exploração de petróleo, como Aberdeen, na Escócia, e Perth, na Austrália. É normal essa realocação de pessoas. Na Espanha, por exemplo, temos muitos talentos, enquanto na Cidade do México e em Bogotá há um mercado com muita demanda. Como se fala espanhol em todos esses lugares, é natural transferir essas pessoas.

DINHEIRO – As empresas também se beneficiam com essa experiência multicultural?
INGHAM – É importante para as empresas que as pessoas em altos cargos tenham experiências internacionais, se elas desejam de fato serem companhias globais. Pessoas de lugares diferentes possuem talentos diferentes. Temos um exemplo disso na própria Michael Page. Um executivo inglês, que sempre trabalhou na Inglaterra, foi transferido para Xangai. Lá ele aprendeu muitas coisas novas, e por fim acabou indo para Taiwan abrir o nosso escritório local. Na minha época era diferente. Comecei há 27 anos na sede londrina da Michael Page e permaneço lá. Hoje minha trajetória seria diferente.

DINHEIRO – Mas algumas características são desejadas para as pessoas de todas as partes do mundo, não?
INGHAM – Procuramos em todos os lugares pessoas focadas, ambiciosas e que sabem o que querem. Também precisam ter boa capacidade de comunicação, uma característica necessária para se fazer qualquer trabalho. Em alguns casos, avaliamos muito as experiências profissionais e os conhecimentos técnicos, como para cargos de engenheiros. Acima de tudo, é preciso ter integridade e honestidade. É essencial ser alguém em quem se pode acreditar.

DINHEIRO – Existe uma tendência de exportação de executivos brasileiros?
INGHAM – Existem alguns casos, como o do presidente da cervejaria Inbev, Carlos Brito. Mas ainda é raro encontrar altos executivos brasileiros na Europa e nos EUA. Na América Latina, isso já acontece bastante. Muitas empresas transferem o executivo para cuidar de uma operação menor na região, antes de voltar e assumir a presidência no Brasil. Mas uma tendência grande nos últimos anos foi a da volta de brasileiros ao País, porque aqui havia mais oportunidades.

DINHEIRO – Pode-se dizer que se tornou mais difícil gerenciar empresas depois da crise mundial iniciada em 2008?
INGHAM – A crise ensinou que as pessoas precisam estar preparadas para tudo, porque podem precisar mudar todo o plano de negócios rapidamente.

DINHEIRO – A preocupação no Brasil e em outros países do Brics está em que a recuperação econômica americana tire os holofotes e os investimentos daqui. Os recursos financeiros e as contratações podem sumir se isso acontecer?
INGHAM – Se os EUA consomem mais, ajudam a América Latina e a Europa. Os países que mostrarem eficiência podem ganhar mais com isso. Não importa o produto, hoje tudo precisa ser feito em alto volume. Veja o exemplo da Foxconn, que fabrica eletrônicos para muitas empresas de tecnologia. As companhias vão buscar investir onde se produz com mais vantagens.

DINHEIRO – Mas há dúvidas se somos eficientes…
INGHAM – No Brasil, a infraestrutura ainda é um problema. A China está conseguindo superar esse empecilho e outros por meio de muitos investimentos. A indiana Tata Motors e a sua controlada Jaguar Land Rover, por exemplo, estão contratando chineses e depois levando-os para serem treinados no centro do Reino Unido, para ganhar experiência com os melhores trabalhadores. A empresa indiana também afirmou estar avaliando a Arábia Saudita e o Brasil para a instalação de novas fábricas. Eles vão fazer o estudo do ambiente de negócios local, e se acharem que aqui vão encontrar problemas, como sindicatos problemáticos ou excesso de impostos, podem decidir não vir. No Reino Unido, o grupo Tata não pode nem ouvir falar de sindicatos, já que, na sua opinião, eles têm prejudicado a produtividade de suas fábricas. Para uma empresa indiana, é difícil entender isso.

Carlos Eduardo Valim

(Isto É Dinheiro – 25/10/2013)