A matéria, inicialmente publicada pelo jornal cearense O POVO e abaixo reproduzida, interpela as autoridades responsáveis e traz mais uma prova da necessidade de rever as leis que enquadram o estatuto dos estudantes estrangeiros no Brasil.
Primeiro, os estudantes denunciam as instituições universitárias privadas responsáveis pela sua vinda ao Brasil por propaganda enganosa. Os estudantes encontraram despesas de custeio acima do previsto na própria planilha de gastos apresentada pelas faculdades e reajustes de mensalidade insuspeitos até então; causa primordial das dívidas financeiras com a instituição e, consequentemente, de suas situações irregulares no Brasil.
Segundo, seria necessário repensar a proibição categórica dos estudantes estrangeiros exercerem qualquer tipo de emprego. Nos países abertos, respeitosos da dignidade humana e verdadeiramente interessados em atrair estudantes estrangeiros em suas instituições (tanto pelo ganho econômico que isso representa como pelo benefício em termos de softpower), geralmente adotam políticas mais ágeis quanto ao direito de trabalhar com visto de estudo.
Enfim, o processo de transformação do visto de estudo em visto de trabalho e permanência deveria ser humanizado e adequado à realidade contemporânea. Inclusive, porque o Brasil carece de profissionais qualificados. Não é nada inteligente deixar “fugir” as competências aqui formadas e desejosas de contribuir ao desenvolvimento de nosso país.
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Na manhã da última quarta-feira, no nono andar do prédio do Ministério Público Federal no Ceará, o estudante Nutchi César foi o primeiro a comparecer para assinar a adesão ao Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPF-CE e as Faculdade de Tecnologia do Nordeste (Fatene-Fortaleza), Faculdade Terra Nordeste (Fatene-Caucaia) e Faculdade de Tecnologia Evolução. Ali, no gabinete da procuradora da república Nilce Cunha, ele e os que o seguiram no ato firmaram novo acordo visando regularizar sua condição no Brasil ou ao menos prevenir o vencimento do visto temporário de estudante.
O gabinete da procuradora regional dos direitos do cidadão desde há duas semanas se tornara entreposto de parte dos estudantes universitários em Fortaleza oriundos de Guiné-Bissau, um pequeno país, de aproximadamente 1,5 milhão de habitantes, encravado entre duas antigas colônias francesas, Senegal e Guiné-Conacri, na costa ocidental da África. Nilce Cunha foi a responsável por intermediar uma situação já anunciada, mas que se agravou quando no último dia 10 uma estudante guineense foi autuada pela Polícia Federal com o visto vencido há quase três anos, enquanto trabalhava em um estabelecimento num shopping da Cidade.
Sob a ameaça de deportação da jovem, que já não poderia trabalhar com o visto de estudante, muito menos permanecer no País com o documento vencido, o processo que já transcorria em fase de investigação no MPF-CE ganhou urgência. Nele, estudantes guineenses, representados pelo Escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar, acusam as faculdades já citadas de, entre outras coisas, propaganda enganosa, o que seria a causa primordial das dívidas financeiras com a instituição e, consequentemente, de suas situações irregulares no Brasil.
Ou seja, segundos os estudantes, os valores divulgados pelas faculdades Fatene e Evolução em Bissau – quando a partir de 2008 as instituições brasileiras privadas de ensino superior buscaram o país a fim de recrutar alunos para suas salas de aulas em Fortaleza e Caucaia – não correspondiam à realidade brasileira. Desembarcados no Aeroporto Internacional Pinto Martins, os estudantes encontraram despesas de custeio acima do previsto na própria planilha de gastos apresentada pelas faculdades e reajustes de mensalidade insuspeitos até então.
Ao mesmo tempo, seus encarregados em Guiné-Bissau, responsáveis pelas remessas de dinheiro que deveriam ser enviadas periodicamente para o sustento na banda de cá do Atlântico, conviviam com uma economia essencialmente rural e com os solavancos políticos que provocaram dois golpes de estado em dois anos e meio. A conta não bateu para muitos e, sem poder trabalhar pelo visto de estudante ou ao menos conseguir um estágio curricular remunerado, permitido apenas a partir de determinada altura do curso, um após outro deixaram de pagar suas mensalidades.
Pedro Rocha
(O POVO Online – 22/07/2012)
