Cerca de 3000 pessoas, segundo organizadores e manifestantes, protestaram na noite de segunda-feira (01/07/2013) na avenida Paulista, na região central de São Paulo, contra a morte do menino boliviano Brayan Yanarico Capcha, de 5 anos, na sexta-feira passada (28/06/2013), na oficina de costura em que trabalhava a família, em São Mateus, zona leste da capital.

A marcha foi convocada depois que um pedido de audiência com os representantes diplomáticos do país na cidade não foi atendido. “O consulado não se preocupa conosco. Somos abandonados e queremos justiça. O consulado tem de conversar conosco”, afirmou Obélio Mamani Oliva.

O crime trouxe à tona a insatisfação dos imigrantes com uma série de questões. “Sofremos muito problema de assalto, maus-tratos na escola e nos hospitais”, contou a costureira Morena Suazo. “Estava mais do que na hora de isso acontecer. Queremos que o cônsul renuncie porque ele não faz nada por nós.”

“Nós sofremos bullying”, acrescentou José Luiz Laura, outro manifestante. “Nossas crianças sofrem bullying na escola. Nossas mulheres são estupradas. E nós temos direitos humanos, que precisam ser respeitados. Pedimos desculpas por causar transtorno na avenida, mas queremos a renúncia do cônsul. Ele não dá atenção para nós e só quer o dinheiro.”

O coordenador de Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo, Paulo Illes, ligado à Secretaria de Direitos Humanos, afirmou que este é um momento que expõe a falta de atenção do poder público aos imigrantes. Iles comandava há poucos meses uma das entidades que atuam na defesa dos estrangeiros que vêm ao Brasil. “É um momento histórico porque nunca a comunidade boliviana de São Paulo tinha se manifestado desta forma, reunindo uma verdadeira multidão de trabalhadores”, disse.

“Uma coisa que vamos trabalhar a partir da Secretaria de Direitos Humanos é um diálogo com os bancos para tentar flexibilizar a abertura de contas para essas pessoas, que são marginalizadas pelo sistema. Grande parte da violência acontece porque os trabalhadores bolivianos guardam todo o dinheiro que recebem dentro de casa”, afirma Illes.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, por sua vez, defende a implementação e a fiscalização de todos os aspectos contidos no texto, que menciona igualdade de direitos civis e de reunião familiar, assim como os benefícios previdenciários.

O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados-Partes do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, suspenso temporariamente do bloco, mais Bolívia e Chile, como associados) é de 2009 e fixa uma série de medidas de proteção para os imigrantes legais no Brasil.

“Avançamos tanto na fiscalização do trabalho escravo no Brasil e agora temos de continuar os nossos esforços, só que por novos caminhos”, disse a ministra em entrevista à Agência Brasil.

– Queremos dar aos estrangeiros que buscam mais oportunidades no Brasil a possibilidade de ir e vir, assim como de uma vida melhor com proteção máxima, inclusive direitos trabalhistas e cidadania plena – ressaltou.

– O assassinato do Brayan foi o ato de mais completa desumanidade que eu vi recentemente. Não vou mais me perguntar o que move um ato desses, que é a total desvalorização da vida, mas sim o que podemos fazer para aumentar a segurança e as garantias das pessoas que vêm procurar oportunidades no Brasil – disse a ministra.

Dados de autoridades brasileiras referentes a 2010 indicam que, só no Brasil, os bolivianos são cerca de 250 mil, sendo que 200 mil moram em São Paulo e aproximadamente 30 mil são explorados por compatriotas. Há, ainda, os que vivem em Santa Catarina, Mato Grosso e no Rio de Janeiro. Mas a preocupação das autoridades se concentra nos que são vítimas de trabalho análogo à escravidão.

Integrantes da Comissão para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) vão analisar medidas para dar mais proteção e garantia de direitos aos estrangeiros que buscam oportunidades no Brasil.

A família de Brayan Yanarico Capcha retrata a situação da maioria dos bolivianos que buscam oportunidades no Brasil e que trabalham até 17 horas em fábricas de confecção em São Paulo, segundo relatos. Muitos são atraídos por bolivianos que vivem no Brasil há mais tempo e que prometem uma série de benefícios, como salários elevados, amparo previdenciário e assistência de saúde.

Os pais de Brayan, que era filho único, tinham chegado ao Brasil há poucos meses para trabalhar na indústria informal da confecção têxtil.

Esses bolivianos recebem por produção e um valor abaixo do salário mínimo. Moram em condições precárias e têm dificuldades com a língua portuguesa. Eles evitam denunciar as irregularidades com medo das ameaças dos compatriotas.

E mesmo quando sofrem são assaltados ou discriminado – o que  acontece de modo extremamente frequente, os bolivianos deixam de registrar ocorrências policiais por medo de serem deportados. Em outros casos, eles não reportam o crime à polícia por falta de informação. “Várias pessoas da comunidade boliviana já sofreram assaltos. Eles acabam não reportando a uma delegacia de polícia ou a uma autoridade por medo da deportação”, afirmou a advogada do consulado da Bolívia em São Paulo, Patrícia Vega.

A advogada disse que o consulado boliviano está se mobilizando para tentar facilitar a abertura de contas bancárias pela comunidade imigrante.

Morto por chorar durante assalto

No caso da família e de amigos de Brayan Capcha, os criminosos conseguiram fugir com R$ 4,5 mil das vítimas. Armados com revólveres e facas, os bandidos invadiram o sobrado onde os pais do menino e amigos moram e trabalham. No local vivem mais famílias. Cinco assaltantes usavam máscaras para não serem identificados.

O garoto foi morto porque chorava muito e isso irritou um dos bandidos. Ele foi alvejado na cabeça, no colo da mãe. A família já havia entregado o dinheiro para os criminosos, que entraram na casa quando um tio do menino chegava em casa e estacionava o carro na garagem.

O enterro de Brayan está previsto para acontecer nesta terça-feira, num vilarejo em uma zona rural, onde a família vivia. No domingo, a Polícia Civil de São Paulo divulgou o retrato de um suspeito de matar o garoto. Segundo as investigações, Diego Rocha Freitas Campos, de 20 anos, condenado por roubo e foragido desde maio, foi o autor do disparo que matou a criança.

O corpo do menino embarcou para a Bolívia segunda-feira. O enterro era programado para ontem (02/07/2013) em Omasuyos, província de origem dos país do pequeno Brayan.

A Polícia Civil anunciou a prisão de um terceiro suspeito de participar do assalto à oficina de costura na qual ocorreu o crime. Os assaltantes cometeram o assassinato porque ficaram irritados com o choro do menino. Quatro pessoas entraram na resistência e renderam os dez moradores, que arrecadaram R$ 4.500, o que não satisfez a quadrilha.

Quem tiver informações sobre o suspeito deve ligar para o Disque-Denúncia (telefone 181). O sigilo é garantido.

(Agências – 03/07/2013)

Veja 02 vídeos que retratam o cotidiano dos bolivianos no Brasil:

Assalto a família de bolivianos. 20 famílias bolivianas vivem na rua onde ocorreu o crime. Todas já foram assaltadas pelo menso uma vez!

Tratamento desumano aos comerciantes bolivianos em Corumbá

Condições de vida e de trabalho degradantes em São Paulo

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Nota Pública do CDHIC sobre a morte do menino Brayan e os crimes cometidos contra imigrantes bolivianos

O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante – CDHIC, integrante da rede Sul-americana Espaço Sem Fronteiras e do Fórum Social pela Integração e Direitos Humanos dos Migrantes no Brasil, manifesta publicamente sua solidariedade e profunda dor pelos crimes cometidos contra famílias de imigrantes bolivianos que resultou numa tragédia, assassinado covardemente o pequeno Brayan Yanarico Capcha de 5 anos de idade, no colo da própria mãe. Os crimes, de brutal crueldade, impõem momentos de terror e traumas que deixam marcas na família e amigos para sempre.

Toda comunidade da periferia de São Paulo sofre e sente a dor dos pais de Bryan, mas sua morte abre uma cicatriz diretamente na comunidade de imigrantes residentes aqui no Brasil, nos países vizinhos e na Bolívia. Todos se sentem atingidos com a morte de uma criança e o crime contra sua família de trabalhadores imigrantes. É cedo para tirar conclusão sobre a investigação criminal. Espera-se seriedade por parte das autoridades responsáveis pelo processo e que haja justiça!

O que esse crime brutal nos diz? O problema da falta de segurança atinge toda periferia e camadas mais pobres da população. A isso se somam a violência policial e a ausência do Estado e políticas sociais. A falta de segurança e a violência são problemas estruturais. A população pobre se encontra vulnerável e é mais atingida. Nesse contexto, ao qual se acrescenta o aumento da imigração dos últimos anos, a vulnerabilidade social de imigrantes se amplia, tornando este grupo mais exposto à falta de segurança, à falta de políticas de habitação, oportunidades, acesso a educação e saúde. Ademais, os imigrantes sul-americanos e africanos enfrentam preconceito e racismo, enfim, são duplamente atingidos! Casos como este vêm acontecendo na última década em bairros onde se tem maior concentração de imigrantes.

Protestar e lutar por direitos que garantam aos imigrantes vida e trabalho dignos

Para o CDHIC, é justo e urgente que a família tenha apoio institucional das autoridades brasileiras e bolivianas, inclusive financeiro, como indenização pela dor e sofrimento vividos. As autoridades municipais, estaduais e federais devem se empenhar no acompanhamento do processo e também dando assessoria aos familiares e amigos. Atualmente os trabalhadores migrantes vêm enfrentando o descaso das autoridades sobre acontecimentos similares a este e sem nenhuma lei que garanta seus direitos como trabalhadores e sem proteção, nem condição de poder abrir uma conta corrente bancária para poder resguardar seus ingressos fruto de “leis ambíguas” hoje o Brasil tem Acordos (MERCOSUL, Acordos Multilaterais com Uruguai e Argentina) e Lei de Anistia de 2009, acordos onde a legislação brasileira não lhes garante ampliar sua cidadania e os mesmos direitos dos brasileiros.

Para nós, membros de movimentos sociais e entidades, não podemos retroceder e incorrer em um discurso conservador, revanchista ou moralista. A hora é de levantar pautas políticas ligadas ao protagonismo e reconhecimento dos trabalhadores imigrantes e suas famílias. O CDHIC – em luto pelo trágico falecimento do pequeno Brayan – considera urgente se realizar uma Audiência Pública com as autoridades competentes pelas políticas publicas que garantam a proteção dos trabalhadores migrantes e suas famílias e pela nova Lei de Migração que atenda as demandas das comunidades migrantes sem restrições nem xenofobias.

Queremos dizer às comunidades de imigrantes que esse fato nos chama atenção de que o Brasil precisa olhar para os imigrantes de outra forma. Deve rever suas Leis, criar políticas de imigração e acolhida com base em direitos humanos dos imigrantes e suas famílias e enfrentar o preconceito e restrições legais. Um exemplo é a burocracia e as dificuldades impostas para abertura de conta bancária ou outros documentos, mesmo com Acordos Internacionais que garantem a regularização migratória e residência permanente. Esse é um dos motivos que tornam os imigrantes vulneráveis a roubos. Não basta pedir somente Segurança. Temos que pedir também que a polícia e os órgãos públicos não criminalizem os imigrantes. Que nossas crianças sejam respeitadas, pois sofrem ‘bulling’ nas escolas. Que tenhamos condições de trabalho digno. É preciso reconhecer igualdade nos serviços públicos e dar aos imigrantes garantias de acesso a cidadania plena e não como pessoas de segunda ou terceira categoria.

Vamos cobrar a responsabilidade dos governantes, para que imigrantes sejam plenamente reconhecidos e integrados à sociedade brasileira.

(CDHIC – 02/07/2013)