A imigração é constitutiva da história e da identidade de São Paulo. Mas falta consciência e orgulho dessa realidade.
O Brasil conta mais de 1 milhão de imigrantes registrados, e mais da metade está no Estado de São Paulo. É o que revelam dados que constam no Sincre (Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros), fornecidos pela PF (Polícia Federal) ao UOL.
Atualmente, 1.088.517 imigrantes em situação regular moram no país. Esse número inclui estrangeiros residentes, temporários, fronteiriços, provisórios e asilados, informa a PF.
Mais da metade (51,6%) está em São Paulo. A maioria deles (368.188 ou 65,5%) está concentrada na capital paulista.
O segundo Estado que mais abriga estrangeiros é o Rio de Janeiro (21,4%). Tocantins é que tem menos imigrantes, acolhendo apenas 781 (0,07%).
Portugueses são maioria
Dos imigrantes em situação regular na cidade de São Paulo, a maioria veio de Portugal. Os lusitanos representam 21,3% dos imigrantes, somando 78.418 pessoas.
A capital paulista foi fundada por portugueses. No século 16, padres jesuítas subiram a Serra do Mar para buscar um local seguro para catequizar os índios.
No planalto de Piratininga, eles construíram um colégio, onde celebraram uma missa em 25 de janeiro de 1554, data que marca o aniversário de São Paulo. Ao longo de mais de cinco séculos, os portugueses continuaram vindo para a cidade.
Bolivianos na cidade
Os bolivianos são o segundo maior grupo de imigrantes na cidade de São Paulo atualmente. Eles são 63.454, o que corresponde a 17,2% dos estrangeiros na capital.
Os bolivianos começaram a chegar à capital paulista a partir da década de 60, mas foi só a partir dos anos 80 e 90 que a cidade passou a receber um grande número deles, explica José Renato de Campos Araújo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em política migratória.
Inicialmente, eles se concentravam em bairros da área central, mas atualmente vivem em várias regiões de São Paulo. Aos domingos, a praça Kantuta, no Pari, no centro da cidade, se transforma em ponto de encontro de milhares de bolivianos durante uma tradicional feira.
A Prefeitura de São Paulo estima que a quantidade de bolivianos seja cerca de três vezes maior se se levar em consideração os imigrantes em situação irregular.
“A realidade da imigração anda muito próxima às redes de atividades ilegais, como tráfico de drogas e de pessoas”, diz Araújo. O pesquisador lembra que, para chegar a São Paulo, muitos bolivianos contratam “coiotes”, como são chamados os atravessadores, para conseguir entrar de forma ilegal no Brasil.
Imigrantes solitários
Os japoneses formam a terceira maior comunidade de imigrantes na cidade de São Paulo. Segundo a Polícia Federal, existem atualmente 36.036 (9,8%) estrangeiros dessa nacionalidade.
As primeiras famílias chegaram ao Estado na década de 1920, depois que Brasil e Japão assinaram um acordo bilateral. À época, o país precisava de mão-de-obra para a lavoura cafeeira.
“Chegou-se a conclusão que não havia mais europeus disponíveis para trazer. Quem estava disponível eram os japoneses. Eles vieram para trabalhar, mas se tornaram pequenos empreendedores”, explica Araújo
São Paulo ainda conta imigrantes de dezenas de outros países. Há casos de nações que têm apenas um representante na capital, como Azerbaijão, Ilhas Guadalupe, Kosovo, Mônaco, Montenegro, Tongas e Turcomenistão.
Indocumentados
Há seis meses o jogador nigeriano Akin (nome fictício que significa “homem valente, guerreiro, herói; o entrevistado pediu para não ter o nome revelado), 25, deixou o futebol profissional em seu país para seguir carreira no Brasil. Veio sozinho, trazendo na bagagem o desejo de felicidade e de “uma nova vida”. Em situação irregular, vive atualmente com o que ganha distribuindo folhetos no centro de São Paulo.
O caso dele se parece com o de cerca de 185 mil estrangeiros irregulares que moram na capital paulista. Segundo estimativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, um em cada três imigrantes que vive em São Paulo está em situação irregular.
O nigeriano desembarcou na capital paulista vindo de Imo, cidade ao sul do país africano, distante quase 7.000 km de São Paulo. Ele não tem visto para trabalhar nem para continuar morando no país.
“É muito difícil viver aqui, sem a família, sem amigos, sem emprego, sem casa”, diz. O jovem mora em um abrigo no bairro da Mooca, na zona leste. Ele só fala em inglês e igbo, idioma de sua região, o que torna difícil conseguir trabalho. “Eu quero ficar. Não tenho para onde ir e não posso voltar”.
Número indeterminado
Cidade de imigrantes por tradição, a capital paulista conta atualmente 368.188 estrangeiros registrados, de acordo com dados do Sincre (Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros), fornecidos ao UOL pela Polícia Federal.
A secretaria acredita que a quantidade de imigrantes na cidade seja cerca de 50% maior que o número oficial. “Considerando os irregulares, existem cerca de 600 mil imigrantes em São Paulo”, afirma Paulo Illes, coordenador de políticas para imigrantes da secretaria.
Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), afirma que o número de imigrantes irregulares pode ser ainda maior. “[Essa quantidade] é só uma estimativa, pode ser maior. [Os imigrantes] não respondem a censo populacionais. Ninguém sabe ao certo. Nossas fronteiras são muito porosas , e o controle das fronteiras é difícil”, diz.
José Renato de Campos Araújo, professor da USP e especialista em política migratória, explica que a clandestinidade é marca da imigração ocorrida após a Segunda Guerra Mundial. Antes disso, segundo ele, os estrangeiros chegavam de forma legalizada.
“O Brasil fazia campanha na Europa, pagava passagem para o imigrante vir. Era uma imigração subsidiada, havia uma ação proativa do Estado”, diz.
A situação atual é diferente. “A realidade da imigração [nos dias de hoje] anda muito próxima às redes de atividades ilegais, como tráfico de drogas, tráfico de pessoas”, acrescenta.
É difícil se regularizar
Se os imigrantes encontram facilidade para entrar no país, o mesmo não ocorre para se manterem aqui. “Essas pessoas conseguem entrar, mas não conseguem ficar regularmente e, mais que isso, ficar dignamente”, afirma Ventura.
A pesquisadora faz críticas ao processo de regularização de um estrangeiro no Brasil, que ela classifica como difícil. “Ao não serem consideradas em situação regular, essas pessoas não têm acesso a programas sociais e se tornam muito mais vulneráveis”, analisa.
A advogada Adriane Khoury Secco concorda com a estudiosa. “É complicado o processo de obter visto para permanecer no Brasil. Às vezes é preciso entrar com um processo administrativo e até um processo judicial”, fala. Ela presta assistência jurídica no Centro de Apoio ao Migrante, entidade que atende cerca de 400 estrangeiros por mês em São Paulo.
Estatuto do Estrangeiro
A lei 6.815/1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, prevê poucas possibilidades para a concessão de visto permanente. Podem solicitar o documento pais e companheiros de pessoas nascidas no Brasil, refugiado ou asilado, vítima de tráfico de pessoas e pesquisador estrangeiro com alta graduação.
A legislação estabelece outros tipos de visto, como de trabalho e de estudante, mas ambos têm limite máximo de um ano e só podem ser renovados no país de origem do imigrante.
“A lei brasileira deveria ser flexibilizada. É uma lei antiga, que diferencia, criminaliza as migrações, tem preconceito contra o imigrante”, diz Adriane Khoury Secco. O estatuto é de 1980, anterior à Constituição Federal.
Na opinião da advogada, o grande números de imigrantes irregulares também pode ser explicado pelo fato de que muitos deles chegam ao país com a ideia de voltar. “Como pretendem voltar para o país de origem, muitos não procuram regularização”, explica. Ela lembra ainda que muitos imigrantes são vítimas de tráfico humano e de trabalho escravo.
O padre Roque Patussi, da Pastoral do Migrante de São Paulo, critica o fato de o imigrante não poder votar, mesmo tendo visto permanente. “Uma das nossas lutas é pelo fim da ditadura no meio dos imigrantes. Eles pagam impostos, mas não podem votar”.
Preconceito
Com mais de 11 milhões de habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cidade de São Paulo atrai imigrantes até os dias atuais. Eles vêm guiados por um sonho, mas acabam se deparando com dificuldades e preconceito.
Após 30 anos em São Paulo, o músico boliviano Cecílio Portugal, 55, ainda se sente um estrangeiro. Com seu português com forte sotaque espanhol, ele diz ser vítima de preconceito. “Eu sinto na pele. Acham que sou traficante”, diz.
Mas Cecílio conta que não se importa mais com isso. Prefere dedicar o tempo à sua paixão: a música. De quinta a domingo, entre as 10h e as 13h, lá está ele na praça da República, na área central da capital paulista, divulgando seu trabalho enquanto toca flautas de bambu.
Os bolivianos são a segunda maior comunidade de estrangeiros da capital paulista, ficando atrás apenas dos portugueses, segundo dados da Polícia Federal. Eles começaram a chegar em uma quantidade maior a partir da década de 90, junto com imigrantes de outros países sul-americanos e da África.
Mercado informal
Muitos desses estrangeiros têm em comum uma rotina de longas horas de trabalho e baixos salários no setor informal. “O perfil da migração sul-americana, com o protagonismo dos bolivianos, é de pessoas que vêm para o setor da mão-de-obra informal, sobretudo para o setor de confecção”, afirma Paulo Illes, coordenador de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
Em geral, os imigrantes que conseguem serviço em oficinas de costura trabalham e moram no mesmo lugar, afirma o padre Roque Patussi, coordenador do Cami (Centro de Apoio ao Migrante), entidade que presta assistência a cerca de 400 estrangeiros por mês. A maioria deles (80%) vem da Bolívia, mas a entidade atende pessoas vindas de várias partes do mundo.
“A maioria trabalha, vive, descansa e come no mesmo ambiente. É irregular, não deveria ser, mas acontece”, diz.
“Muitos estão há meses e até um ano sem receber pagamento. Eles contam que na hora que querem voltar para seus países os donos das oficinas dizem que não devem nada a eles”, acrescenta. Patussi fala que a entidade tenta resolver o problema fazendo a mediação junto aos donos das oficinas.
Para tentar combater o problema, a prefeitura informa que criou no ano passado uma comissão de combate ao trabalho escravo. “O objetivo dela é verificar e fiscalizar casos de trabalho escravo, que deve ser combatido e varrido da cidade de São Paulo”, segundo o secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili.
Estrangeiros vindos de países da África passam por situação semelhante aos sul-americanos. “Os africanos saem de uma situação de extrema pobreza e acabam sendo mão-de-obra irregular”, diz Paulo Illes.
A camaronense Rylindis Etta Acha, 34, deixou há quase um ano o seu país e seus dois filhos –um menino de dois anos e uma menina de 11– porque “ouviu as pessoas falarem que no Brasil os direitos humanos são respeitados”.
Sem visto de trabalho, ela faz ‘bicos’ pintando parede de apartamentos e casas para conseguir dinheiro para pagar o quarto que aluga na praça da Sé, no centro da capital. “Viver no Brasil é bom quando se tem trabalho. Mas quando não se tem, é muito difícil”, diz.
Sonhos
As barreiras com as quais se deparam e que precisam transpor não são suficientes para tirar o brilho dos olhos de muitos imigrantes quando falam sobre seus sonhos.
Formado em Economia, Alusine Bangura, 24, de Serra Leoa, tem tido dificuldade de encontrar trabalho porque não fala português. “Quando não se tem trabalho é difícil de viver”, diz. Mas ele não pensa em desistir. “Sonho em completar meus estudos aqui no Brasil, conseguir um trabalho, ter uma família, viver em paz”.
O professor John Veillard, 30, também não sabe português. Ele deixou Porto Príncipe, capital do Haiti, em novembro do ano passado para ter uma vida melhor no Brasil. Com inglês, francês, espanhol e italiano fluentes, deseja conseguir um emprego de tradutor na capital paulista. “Deixei meu país para realizar um sonho”, diz.
O homem de sorriso fácil tem pressa de achar um trabalho para poder ter dinheiro para pagar o quarto que aluga no bairro da Liberdade, na área central. Com visto permanente e qualificação, John está confiante de que vai, em breve, conseguir o que quer.
Fabiana Maranhão
(Editado)
(UOL – 23/01/2014)