Mais de 6 mil refugiados e solicitantes de Angola, RD Congo e outros países vivem no RJ.

Em 2015, mais de de 830 refugiados chegaram ao RJ, vindo principalmente da República Democrática do Congo e da Síria. Fluxos de deslocados em 2016 continuam altos.

Apenas no primeiro trimestre de 2016, 210 refugiados chegaram ao estado do Rio de Janeiro. Em 2015, esse número alcançou a marca de 834. Os valores representam um aumento considerável no fluxo de refugiados acolhidos pela unidade federativa que, em 2014, recebeu 458 requerentes de asilo ao longo de todo o ano.

Atualmente, o estado abriga 4.111 refugiados e 2.410 solicitantes de refúgio, vindos principalmente de países da África, América Latina, Oriente Médio e também da Europa.

Desse contingente, 68,4% são homens e quase metade é de indivíduos de 35 a 65 anos. O público de 18 a 34 anos é o segundo maior – 2.380 indivíduos registrados –, seguido pelas crianças e jovens de 5 a 17 anos (664). Meninos e meninas de até 4 anos somam 151 crianças no Rio.

O diagnóstico da situação dos refugiados no estado foi apresentado nesta terça-feira (19) em evento que celebrou os 40 anos da Cáritas Arquidiocesana e contou com a participação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

O organismo apresentou não apenas dados atuais, mas também um panorama histórico dos fluxos de refugiados que tiveram o estado do Rio como destino desde a criação da instituição.

Refugiados enfrentaram ameaça da ditadura no Brasil

A Cáritas deu início às suas atividades de proteção no Rio de Janeiro em 1976, em meio a “conturbados picos de regime militar e de tortura, temor e perseguições”, segundo Dom Orani Tempesta, arcebispo do estado. Mesmo sob a ditadura, o Brasil recebia estrangeiros que fugiam de outros governos totalitários na América Latina.

“Os países que nos procuravam naquela época eram exatamente o Uruguai, o Chile, a Argentina, onde também havia ditadura”, lembrou o diretor-executivo do braço fluminense da organização, Cândido Ponte Neto. No Brasil, os deslocados enfrentavam riscos de expulsão do território nacional e de outras violações dos direitos humanos.

Do ano de sua fundação até 1985, a organização calcula que cerca de 5 mil refugiados passaram pela instituição. Por questões de segurança, a Cáritas não mantinha um cadastro da população exilada, a fim de preservar a confidencialidade de seus dados pessoais e garantir proteção – daí, a dificuldade em estabelecer números precisos sobre os estrangeiros atendidos.

“A Cáritas, frente a tudo e frente a todos, disse que precisava salvar a vida das pessoas. Isto estava acima de qualquer restrição e de qualquer dificuldade que pudesse haver na sociedade”, destacou a irmã Rosita, que ressaltou que a legislação brasileira não reconhecia a condição de refugiado quando a instituição foi criada – o que deixava em situação de vulnerabilidade os estrangeiros fugidos de seus países de origem.

Crises humanitárias transformam fluxo de refugiados que chegam ao RJ

Segundo o relatório apresentado pela Cáritas, após a ditadura, o primeiro grande fluxo de refugiados que buscou segurança no Brasil veio de Angola. De 1990 a 2005, 2.286 angolanos foram reconhecidos como refugiados.

Até 1997, as autoridades brasileiras ainda não haviam internalizado a Convenção de 1951 sobre refúgio – que seria formalizada em âmbito nacional com a promulgação da Lei 9.474/1997. Durante a maior parte dos anos 1990, foi o ACNUR no Brasil que ficou responsável pela elaboração de pareceres que fundamentavam as decisões do governo sobre a concessão ou não do estatuto de refugiado a requerentes de asilo.

Ao longo dos anos 2000, fluxos de deslocados de outros países da África e da América Latina com destino ao Brasil foram se intensificando, ao passo que o contingente de novos refugiados angolanos diminuía aos poucos.

No Rio de Janeiro, a maior parte dos expatriados que já teve sua condição de refugiado formalmente reconhecida é angolano – 2.311 pessoas –, enquanto a maioria dos que chegaram em 2015 e 2014 ou ainda aguardam a aceitação de sua solicitação vem da República Democrática do Congo (RDC).

Em 2012, uma orientação do ACNUR determinou a cessação das razões que justificavam o refúgio para indivíduos vindos de Angola – o que levou o governo brasileiro a buscar uma solução migratória para os refugiados do país que já haviam sido reconhecidos. Estes receberam um visto de permanência para ficar no Brasil.

Atualmente, é a instabilidade política da República Democrática do Congo que está por trás do maior número de novas chegadas de refugiados ao estado.

Até o final do ano passado, os requerentes de asilo de origem congolesa somavam 500 no Rio de Janeiro. Nos três primeiros meses de 2016, mais 116 nacionais do país – 55,2 % de todas as chegadas registradas nesse período – chegaram ao estado, fugindo da violência em sua terra natal. Em 2014 e 2015, a Síria foi o segundo país de onde veio o maior volume de novos refugiados – 45 e 136 para cada ano, respectivamente.

Do total de refugiados já reconhecidos no estado, 808 vêm da RDC. O país é seguido pela Colômbia – 320 refugiados vivendo no Rio –, Libéria (150), Síria (96), Líbano (57) e outras nações do Oriente Médio, mas também da Europa, como a Sérvia (36), e da África, como Serra Leoa (33). O levantamento da Cáritas destaca ainda o contingente crescente de venezuelanos que têm solicitado refúgio no Rio de Janeiro.

Congolesa pede adequação de políticas brasileiras para mães refugiadas

Também presente no evento, a congolesa Mireille Muluila – que chegou ao Brasil com a irmã em setembro de 2014 – falou sobre sua vida antes e depois de fugir da RDC. Segundo ela, que decidiu deixar a República Democrática do Congo após ter sua casa invadida por rebeldes, as mulheres enfrentam riscos específicos em situações de conflito.

Mireille contou que, antes de fugir, ouviu sua tia sendo violentada dentro de sua casa. Para a congolesa, essa situação é um exemplo dos perigos e violações vividos por milhares de mulheres em lugares afetados por conflitos. Quando conseguem escapar, não raro chegam a outros Estados grávidas de filhos concebidos em episódios de estupro, lembrou.

“A minha vida era boa, eu tinha tudo (de) que eu precisava, trabalhava”, disse, completando que isso durou até o dia em que a guerra chegou à sua cidade. A congolesa contou que, quando chegou ao Brasil, não sabia falar português e tampouco conhecia alguém.

Segundo Mireille, o apoio da Cáritas e da comunidade de congolesas já existente no Rio foi essencial para que conseguisse se adaptar à nova realidade. Atualmente, ela trabalha para a organização, desempenhando funções parecidas com seu antigo emprego na RDC, onde atuava em projetos para a proteção de pessoas vulneráveis.

A congolesa enfatizou as dificuldades que muitas mães refugiadas enfrentam para regulamentar a situação de seus filhos quando pedem refúgio, uma vez que o governo brasileiro exige que elas comprovem a maternidade.

Como muitos refugiados fogem de seus países sem nenhum pertence, inclusive documentos, Mireille disse acreditar que os atuais mecanismos de recepção das famílias devem ser adequados a essa conjuntura.

Igreja e sociedade civil criaram modelos de proteção e atendimento

“No momento em que começamos a trabalhar com refugiados, não havia estruturas (de proteção e atendimento). As únicas estruturas eram as da Igreja”, ressaltou o representante do ACNUR no Brasil, Agni Castro Pita, que elogiou o pioneirismo da Cáritas na América Latina.

Para o dirigente, essas e outras organizações da sociedade civil criaram modelos importantes que foram ou ainda precisam ser replicados e oficialmente formalizados por governos – que dispõem de maiores condições para manter programas de assistência aos deslocados.

Pita alertou para a responsabilidade que os Estados têm em consolidar iniciativas nacionais voltadas para refugiados, como a ampliação de projetos de educação e saúde.

Representando o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) – criado em 1997 –, João Guilherme Granja afirmou que a atuação da Cáritas e de outras organizações criou estruturas de apoio aos refugiados antes de o governo brasileiro desenvolver mecanismos de proteção e atendimento. Inspiradas pelo trabalho dessas instituições, as autoridades puderam desenvolver seus próprios programas a partir de experiências já consolidadas.

Granja explicou ainda que, atualmente, qualquer solicitante de refúgio já é considerado apto pelo Estado brasileiro a receber assistência de organismos como a Cáritas, podendo inclusive obter documentação trabalhista e se envolver em atividades geradoras de renda.

O representante do CONARE destacou também que o Brasil adota uma política que preserva o livre movimento dos deslocados no território nacional, em vez de recorrer à detenção e ao encarceramento de refugiados.

(ONUBR – 19/04/2016)