O aumento do número de refugiadas no Brasil tem sido observado com atenção por empresas sensíveis aos benefícios da presença de mulheres estrangeiras em seus quadros de funcionários.
O programa “Empoderando Refugiadas”, iniciado em setembro do ano passado, foi encerrado neste mês com um saldo de 30 refugiadas capacitadas e 120 representantes de empresas, consultorias em recursos humanos e entidades de assistência sensibilizados para a contratação dessa mão-de-obra.
A iniciativa é fruto de uma parceria entre Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Rede Brasil do Pacto Global, ONU Mulheres, consultoria Fox Time, Caritas Arquidiocesana de São Paulo e Programa de Apoio para a Recolocação de Refugiados (PARR), com o apoio das empresas Lojas Renner, Itaipu Binacional, Sodexo e do Consulado da Mulher.
O programa foi encerrado durante o encontro “Setor Privado e Refugiados no Brasil: Diálogo e Engajamento”, durante o qual a Sodexo anunciou a abertura de três novas vagas para mulheres nessa condição. A empresa já mantém 20 refugiados e imigrantes entre seus 35 mil funcionários no país.
Para ampliar a empregabilidade de mulheres refugiadas, a Fox Time ofereceu em São Paulo cursos de capacitação e de preparo para o mercado de trabalho brasileiro, assessoria de coaching e ajuda psicológica. Foram realizados, como parte do programa, três workshops.
Nesse período, 11 refugiadas foram encaminhadas para entrevistas em empresas. Seis delas foram empregadas e mais duas conseguiram vagas sem a intermediação dos parceiros do projeto. Uma das refugiadas abriu seu próprio negócio de preparação de pratos da culinária síria, enquanto outra está na mira da Sodexo, que notou sua habilidade para atuar como secretária-executiva.
O resultado reverteu-se também em favor da própria Fox Time. Segundo Danielle Pieroni, gerente de desenvolvimento organizacional da empresa, a agenda com esse grupo de refugiadas contribuiu para a melhoria do ambiente de trabalho na empresa.
“Vários de nossos psicólogos se voluntariam para fazer um atendimento mais frequente e profundo com as refugiadas em depressão, e nossa equipe financeira deu orientação a várias delas sobre planejamento”, relatou. “Houve até mesmo uma repercussão positiva na imprensa sobre o nosso trabalho, algo que não esperávamos que acontecesse”, completou.
Para as empresas, a contratação e preservação de refugiadas em seus quadros de funcionários vai além do sentido humanitário. Segundo João Marques, da consultoria jurídica de imigração Emdoc, o intercâmbio de conhecimento desencadeado pela presença de um refugiado é um benefício inestimável para as empresas. A Emdoc é uma das parceiras do Pacto Global e, desde 2011, mantém o Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR), criado com o apoio do ACNUR.
“Visitei 80 empresas em oito meses para conseguir uma única vaga para refugiado. Portanto, sei o valor da oferta de três vagas”, afirmou Marques, em referência à iniciativa da Sodexo. “Temos de mostrar às empresas brasileiras que elas ganham ao contratar refugiados. A lógica é a do lucro, não a de ser boazinha”, completou.
No encerramento do programa, em 30 de junho, Marcelo Malfatti, gerente de sustentabilidade das Lojas Renner, afirmou que a empresa não está apenas preocupada com a contratação de refugiadas, mas também com a adaptação delas à nova equipe de trabalho e com a preparação dos gerentes e funcionários para recebê-las. A empresa tem três refugiadas em sua folha de pagamento e oferecerá um curso de costura para 20 mulheres nessa condição.
A rede varejista Carrefour também mencionou que pretende reservar um dia do mês para o recrutamento de refugiadas. Como parte de sua adaptação e integração, a rede de supermercados convocou algumas delas para contar suas histórias de vida aos colegas de trabalho.
Segundo Vanessa Tarantini, do Pacto Global, as próprias refugiadas amparadas pelo programa reconheceram ter aprendido sobre seus direitos no Brasil, inclusive em relação à violência doméstica, e percebido a necessidade de continuar seus estudos.
“Elas disseram se sentir mais empoderadas e autoconfiantes, tendo recebido uma energia muito positiva. Também pediram para darmos continuidade a esse trabalho, em especial às solicitantes de refúgio no país”, relatou Vanessa.
A guia de turismo Jamali Roghayeh, iraniana residente em São Paulo e uma das participantes do programa, enfatizou que as refugiadas entendem a contratação como uma oportunidade e, por isso, trabalham com afinco para superar os possíveis descompassos de desempenho em relação às colegas brasileiras.
Refugiada da República Democrática do Congo que hoje trabalha nas Lojas Marisa, Prudence Kalambay declarou que muitas de suas companheiras de refúgio no Brasil trazem bagagem intelectual, moral, cultural e acadêmica de grande valor para as empresas.
“Elas aprendem rapidamente o português e têm conhecimento de outros idiomas. Muitas delas são profissionais qualificadas. E todas estão muito dispostas a trabalhar, mesmo em posições mais modestas”, afirmou.
Para o refugiado, o acesso ao mercado de trabalho é o principal facilitador de sua integração à sociedade que os acolheu e para a reconstrução de sua vida. Depois de sofrer com históricos de perseguição, conflitos e violações aos direitos humanos em seus países de origem, o refugiado empregado ou empreendedor tem melhores condições de preservar sua autoestima e contornar a ausência de ajuda financeira oficial. A autossuficiência por meio do trabalho também é o meio indispensável, em muitos casos, para a reunião de famílias.
No caso das mulheres, esses fatores são ainda mais importantes. Boa parte delas chega ao Brasil com filhos ou com a incumbência de trazê-los de seus países. Dos 28.670 solicitantes de refúgio no Brasil no ano passado, 19,2% eram do sexo feminino, conforme dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Entre os que já têm status de refugiado no país, 28,2% são mulheres.
Com o protocolo de solicitação de refúgio, emitido no Brasil pela Polícia Federal, as refugiadas já têm direito à carteira do trabalho e, portanto, de ingressar no mercado formal. Passam a estar sob o amparo das mesmas leis que protegem as brasileiras, como a Maria da Penha, sobre violência doméstica.
No entanto, esse documento é considerado precário — um pedaço de papel reciclado assinado e carimbado por um funcionário da Polícia Federal — e não aceito por diversas empresas e órgãos públicos, que desconhecem sua validade.
O objetivo do evento promovido em São Paulo foi justamente detalhar uma série de obstáculos e possíveis soluções para o maior engajamento das empresas na contratação de refugiadas.
Além do desconhecimento generalizado no país sobre a validade do protocolo de solicitação de refúgio, outros fatores têm se somado: a demora e custos altos para o reconhecimento de diplomas; a oferta ainda rara de postos mais qualificados; o baixo grau de conhecimento do português e os traumas vividos em seus países de origem.
Denise Chrispim
(ONUBR – 13/07/2016)