É possível correlacionar o deslocamento migratório, principalmente os forçados, com os arquétipos de Carl Jung? Este será o meu desafio. Enxergo um claro paralelo entre os arquétipos e o processo de deslocamento, desde a saída dos migrantes dos seus países de origem até a sociedade escolhida para a nova existência. Escrevo este texto tendo por base minha convivência, ocorrida ao longo da pesquisa do doutorado, com vários migrantes vítimas de diásporas forçadas.
Para Carl Jung (2012), os arquétipos representam padrões de comportamento que se encontram no inconsciente coletivo e por este motivo, são percebidos de formas similares pelos indivíduos. De forma poderosa, despertam imagens e emoções primordiais da memória inconsciente. O autor identificou doze arquétipos. São eles: o sábio, o mago, o explorador, o criador, o herói, o rebelde, o amante, o tolo, o cuidador, o homem comum, o inocente e o governante. Desses doze, eu discorro sobre quatro: o herói, o inocente, o órfão e o guerreiro.
A jornada do migrante é a jornada do herói. Ao sair da sua terra natal, numa peregrinação tanto física quanto simbólica, o migrante-herói deixa para trás moradia, trabalho, afetos e referências socioculturais.
O arquétipo do inocente se faz presente quando, revestido de uma precarização emocional, surge o imaginário do diferente e promissor lugar, com suas novas e desejadas oportunidades. É o momento de (inocentes) expectativas imaginadas e idealizadas. O migrante-inocente não leva em consideração os conflitos e dificuldades que surgirão na adaptação ao novo lugar, onde naturalmente práticas culturais originais darão origem a novas e híbridas práticas, num concomitante e incessante movimento de pequenas mortes e novos renascimentos. Enfim, mesmo chegando, a jornada simbólica está longe de terminar…
Deambulando no novo espaço, surge o arquétipo do órfão. Em muitos momentos, imerso na nova e caleidoscópica paisagem, surge a desconfortável sensação de desorientação identitária e a saudade de tudo que é conhecido e familiar. Neste momento de suspensão, do angustiante sentimento de não pertencimento, o migrante-órfão recorre a algum elemento de ancoragem identitária, que pode ser a música, a dança, a comida… As lembranças e memórias resgatadas acalmam o coração.
Surge o novo dia. A jornada continua, precisa continuar. É quando emerge o arquétipo do guerreiro. O migrante-guerreiro, investido de um querer viver teimoso, segue em frente, pronto para os novos desafios que certamente virão. Em sua peregrinação, o tesouro, o santo graal buscado pelo migrante-herói é o vislumbre de uma existência pertencente: híbrida, produtiva, afetuosa e cada dia menos conflituosa.
Imagem do post: Hollandse Hoogte/Warren Richardson (via ACNUR)

