Sementes migrantes
As sementes são estruturas fundamentais para a natureza. A partir delas ocorre a dispersão das espécies, que através do vento, da água e de diferentes animais se locomovem e irão germinar em outros locais, o que faz com que não fiquem dependentes de um bioma específico e assim possam garantir a continuidade da vida. Assim como esses pequenos grãos, os seres humanos também se movem. Motivadas pelas causas mais diversas, as pessoas buscam desbravar novos horizontes. “Sementes Migrantes – Histórias de vida de pessoas migrantes no Rio de Janeiro” contará histórias de protagonistas de projetos autônomos nos setores de gastronomia, artesanato, música, moda e outros. Mais do que garantir a própria subsistência, elas assumem papéis de liderança em suas comunidades, gerando empregos e oportunidades para migrantes e brasileiros. Ao divulgar produtos e serviços que refletem suas culturas de origem, elas se tornam promotoras da diversidade cultural no Brasil. Nesta série, conheceremos suas trajetórias, projetos e sonhos.
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Quando iniciamos a conversa perguntando “Quem é Margarita?”, ela assume uma expressão pensativa e logo responde: “Uma mulher trabalhadora, que gosta de ajudar as pessoas e tem o sonho de viajar pelo mundo mostrando a nossa cultura e gastronomia””.
Margarita chegou ao Brasil há 8 anos, vindo de seu país natal, a Colômbia. Fez por terra uma travessia pela América do Sul que durou quatro meses, passando pelo Equador e pelo Peru, e por cidades como Manaus e Tabatinga; até chegar em São Paulo, onde viveu por um ano e meio até finalmente se estabelecer no Rio de Janeiro. Como muitos migrantes, o desejo de melhorar economicamente de vida foi a motivação principal para a mudança de país.
O início não foi fácil. Ela encontrou dificuldades com o português e com os órgãos oficiais responsáveis pelo atendimento aos migrantes. Uma vez, ao ir ao escritório de um órgão público para renovar sua documentação, ouviu como resposta: “Volte para São Paulo e faça lá”. Por sorte recebeu de amigos a recomendação do PARES Cáritas RJ, foi para a sede na Tijuca e lá a ajudaram a conseguir os documentos de regularização no Brasil de forma gratuita. Algo de suma importância para quem estava há pouco tempo no Brasil, com pouco dinheiro.
Começou a vida no país fazendo faxina e vendendo quentinhas na praia de Copacabana. Buscava juntar o máximo de dinheiro possível para enviar aos filhos na Colômbia. Queria voltar a estar com eles, queria que eles viessem ao Brasil: “Quando você é mãe, o seu coração quer ajudar seus filhos, você faz lo que sea, então comecei vender comida, fazer faxina, eu só queria ajudar os meus filhos. Eu pegava o dinheiro e mandava para Colômbia”.
Um ano após chegar no Brasil, o primeiro filho chegou no país. A filha se juntou a ambos dois anos depois, em 2019. Isso trouxe uma imensa alegria para Margarita, que queria voltar a ter os filhos por perto e vê-los ter uma vida melhor. As coisas começaram a se acertar: além da família, Margarita foi se ambientando ao Rio, fez amizades, uma amiga a apresentou à igreja, que foi importante na integração e para que ela quisesse ficar na cidade.

Com o passar do tempo, Margarita foi se tornando uma liderança da comunidade colombiana e hispano-falante no Rio. Para ela, ser uma liderança é uma questão de empatia: “Se colocar no lugar nos sapatos da outra pessoa. Uma liderança é quem ajuda, quem quer evitar que as pessoas passem pela situação que você passou”. Além das quentinhas, por sugestão do filho começou a preparar também pratos colombianos, como o patacón. Ela achou que a comida não seria bem aceita pelos cariocas, mas a recepção foi muito boa. Logo começou a ser convidada para feiras de gastronomia, organizadas pelo Centro de Refugiados de Botafogo, onde passou a oferecer patacón, empanadas e água de panela, a deliciosa bebida de limão com caldo de rapadura, típica da Colômbia. A prática do comércio fez com que ela fosse conhecendo cada vez mais o público, e logo passou a adaptar o cardápio de acordo com os gostos dos clientes, passando a oferecer por exemplo opções veganas e doces. Criou então a sua marca, a “Patacón Son y Sabor”, que junta dois aspectos fundamentais da cultura: “A comida é a música”, diz Margarita.



Em 2022, Margarita participou do projeto Migraflix, uma organização social que ofereceu comidas do mundo feitas por migrantes. Ali conheceu outras pessoas oriundas de vários países, e quando o projeto acabou, decidiu que gostaria de continuar trabalhando com seus colegas migrantes. “Eu tenho um sonho, vamos fazer Sabores do Mundo”. Foi assim que ela iniciou o projeto, que por enquanto está oferecendo serviços de coffee break, mas “a ideia agora é começar a fazer feiras organizadas por nós que somos imigrantes, para que o próprio imigrante divulgue o seu produto, tenha um lugar para expandir sua marca e sua cultura”.

O projeto, formado hoje por cerca de 40 produtores de comidas típicas e artesanatos, beneficia famílias de diferentes países, como Colômbia, Argentina, Peru e Brasil; além de empregar indivíduos que não fazem comida, mas atuam em serviços de delivery e como garçonete. “Sabores do Mundo” pretende ainda desenvolver parcerias com artesãos, músicos e dançarinos; de forma a promover o intercâmbio cultural de formas diversas.
Já há quase uma década no Brasil, e sem ter retornado à Colômbia, Margarita se sente integrada ao Brasil e pretende retornar ao país natal para visitar os amigos. Quando questionada sobre qual aspecto da cultura colombiana guarda consigo, lembra das celebrações de Natal – ela sempre monta a árvore natalina em casa: “Na árvore sempre tem que sobrar um presente, se uma pessoa chega na minha casa no dia 24 de dezembro ela vai receber um presente”.
Mais um ano chega ao fim e outro se aproxima, e essa mulher de sorriso brilhante e muito carisma continua batalhando por uma vida melhor para ela, os filhos e a comunidade. E termina a conversa lembrando dos aspectos universais da espécie humana: “Colombiana ou brasileira? Nem eu sei como me sinto. Me sinto um ser humano, as fronteiras não existem no meu coração”.
Para saber mais sobre o “Patacón Son y Sabor: https://www.instagram.com/patacon_son_y_sabor/
Para conhecer o projeto “Sabores do Mundo”: https://www.instagram.com/saboresdo_mundorj/
Imagens: Margarita Campo, Corina Demarchi e Sidney Dupeyrat


