Dona Leo: trabalho, deslocamento e redes no caminho de uma confeiteira migrante

Sementes migrantes

As sementes são estruturas fundamentais para a natureza. A partir delas ocorre a dispersão das espécies que — por meio  do vento, da água e de diferentes animais — se locomovem e irão germinar em outros locais. Isso faz com que não fiquem dependentes de um bioma específico e assim possam garantir a continuidade da vida. Assim como esses pequenos grãos, os seres humanos também se deslocam. Movidas pelas mais diversas causas, essas pessoas buscam desbravar novos horizontes. “Sementes Migrantes – Histórias de vida de migrantes no Rio de Janeiro” contará histórias de pessoas que nasceram em outras latitudes, mas que aqui fizeram germinar seus projetos de vida, autonomia e dignidade. Muito além de garantir a própria subsistência, elas assumem papéis de liderança nas suas comunidades, se organizam e constroem redes de apoio para migrantes e brasileiros. Enfrentando os desafios da migração e do trabalho informal, elas são também sementes de luta. Nessa série, conheceremos suas trajetórias, projetos e sonhos.

Dona Leo: trabalho, deslocamento e redes no caminho de uma confeiteira migrante

Chegar ao Brasil em 2018 foi apenas um dos muitos começos na vida de Leomarys. Nascida em Maturín, na Venezuela, atravessou a fronteira norte acompanhada de colegas da universidade. Na época, tinha 21 anos e estudava Engenharia em Produção Animal. Sua trajetória no Brasil, até se estabelecer em São Gonçalo, passou por Boa Vista, São Paulo e Recife. Ao longo desse percurso, Leomarys articulou estratégias para seguir o seu próprio caminho, com persistência na busca pela autonomia e compromisso com seu sonho: dedicar-se à confeitaria.

A confeitaria foi uma constante nas transições que Leomarys viveu. Em alguns momentos, apareceu como forma de subsistência ou complemento de renda, em outros, como um campo de invenção e expressão. A venda de bolos permitiu a ela ter autonomia financeira para não ter que ficar presa em trabalhos, moradias, situações ou lugares que não lhe permitiam alcançar seus objetivos.

Entre a instabilidade própria das mudanças entre cidades e estados, os empregos com jornadas exaustivas e os desafios da migração, Leomarys foi se profissionalizando como confeiteira. Fez cursos de gastronomia e empreendedorismo, dentre os quais ela destaca o curso de confeitaria profissional: “Meu talento precisava de técnica. Por isso eu fui fazer o curso profissional de confeitaria, porque eu tinha talento, mas eu não tinha técnica”. Para Leomarys a confeitaria é o seu alicerce e a “salvou” em momentos difíceis, especialmente após a morte de sua avó:  

“Eu me prometi que eu nunca mais ia me colocar em situações desconfortáveis, porque eu consegui sobreviver com os bolos que eu fazia. Como é que a confeitaria, ela vem para me salvar, sabe? É no único lugar que eu me encontro e eu me apego e uso isso como uma ferramenta para me salvar. Porque talvez se eu não tivesse aquilo eu ia me desestabilizar emocionalmente muito depois da perda da minha avó.” 

Não por acaso, a “Dona Leo”, sua empresa de confeitaria, tem origem na inspiração das mulheres da sua família.

“Eu queria fazer homenagem a minha avó que trabalhou há muitos anos numa cozinha industrial. A minha mãe, ela sempre fez doce, no  lugar que ela mora, é uma região conhecida por doces. E a minha irmã já tinha essa experiência de empreender, ela me motivou muito. Olha como que a vida é:  lá atrás, eu não sabia de nada, não sabia que tudo o que ela me mostrou, eu ia fazer hoje. (…) Então eu falei: preciso fazer alguma coisa para homenageá-las.” 

Ao longo dos anos, Leomarys foi combinando o trabalho autônomo na “Dona Leo” com outros trabalhos, maioritariamente na área da gastronomia, seja na produção, seja no atendimento. Em alguns desses espaços vivenciou situações de xenofobia e abuso laboral, enfrentando precarização, pressão psicológica e discriminação. Esses episódios, longe de serem isolados, expressam o racismo e a xenofobia que pessoas migrantes enfrentam diariamente. No entanto, Leomarys soube reconhecer essas situações com rapidez, se posicionar, denunciar — quando necessário — e seguir buscando o que fosse melhor para o seu próprio projeto.

Para chegar aonde chegou, e para que a “Dona Leo” chegasse ao ponto em que está hoje, Leomarys contou com diversas formas de apoio, tanto de instituições, como a Migraflix e a Cáritas, onde recebeu incentivos para seu empreendimento, quanto de amigos e colegas ao longo do caminho. 

“Hoje a minha renda é toda da confeitaria. Hoje eu quero viver da confeitaria, eu faço tudo sozinha, eu faço encomenda, faço doce para vender. Só que eu não consigo trabalhar sozinha, porque eu tiro a foto, eu faço brownie, eu faço o recheio, eu recheio, eu vou para a rua vender, eu já tô cansada. O meu marido, ele me ajuda, mas ele tem um trabalho dele também”.

As redes que Leomarys estabeleceu ao longo dos anos foram fundamentais para que ela pudesse seguir trabalhando, se reorganizando e se projetando com a “Dona Leo”. Não se trata apenas de apoio afetivo, mas de articulações concretas de produção e venda. É o caso da parceria recente que desenvolveu com uma amiga para oferecer doces e salgados por meio de um aplicativo de entregas. 

Hoje, Leomarys sonha em expandir sua marca. Pretende abrir uma cafeteria e uma confeitaria, além de criar sua própria fábrica de bolos. Ela também quer retomar os estudos na universidade, mas desta vez na área de Engenharia de Produção, para, assim, qualificar o trabalho de confeitaria. Como ela diz: “Têm muitas fases da minha vida que ainda eu quero construir”. Dona Leo, mais do que um negócio, é expressão disso: uma prática viva, enraizada em saberes familiares, técnicas aprendidas e alianças tecidas ao longo do caminho.

Para conhecer mais da “Dona Leo” siga @donaleoconfeitaria