O Irã é distante do Brasil. Tanto em termos geográficos quanto culturais. Não compartilham fronteiras, não são do mesmo continente, os idiomas persa e português são muito diferentes e as histórias dos povos são bastante distintas. Nada disso impediu que Mahsa Fanaee, 36 anos, migrasse do Irã para o Brasil.
Mahsa trabalhava com marketing em Teerã, a capital do país. Tinha um posto de liderança no mundo corporativo, era bem remunerada e usufruía de uma vida confortável. Morava em um apartamento grande e tinha muitos amigos. Mas a qualidade de vida começou a piorar após a morte de Mahsa Amini, no final de 2022. A jovem faleceu numa delegacia da capital após ser presa pela polícia moral. O acontecimento foi seguido por muitos protestos no Irã e no mundo, e isso teve fortes impactos na vida de Mahsa: amigos morreram com a repressão policial às manifestações no país, o acesso à internet passou a ser cortado e a inflação disparou. Ela acabou perdendo o emprego, e decidiu então que havia chegado a hora de sair do Irã.
O irmão já vivia no Rio de Janeiro há 20 anos. Com um cargo de professor universitário e com família constituída, já estava estabelecido no país. Acabou convencendo Mahsa a migrar para o Brasil. O Rio, que antes era um sonho de viagem, acabou sendo destino de migração. Uma outra possibilidade cogitada foi a Europa, onde mora o irmão do namorado Saman. No entanto, o continente europeu é um lugar difícil para os iranianos conseguirem visto, e assim o Brasil se apresentou como um destino mais acessível. No início de 2024, os dois ingressaram no país com visto de turismo e posteriormente entraram com solicitação de refúgio, com o apoio do PARES Cáritas-RJ.
Estranhamentos iniciais
Como não poderia deixar de ser, o início da experiência migratória foi marcado por estranhamentos. Mahsa estranhou a forma diferente de preparar o arroz e a dificuldade de encontrar itens muito presentes na cozinha persa, como o açafrão e o pistache. Também se surpreendeu com as diferenças na relação entre mulheres e homens. De acordo com a iraniana, no Brasil esses vínculos são mais saudáveis, com menos julgamentos. Viu ainda na sociedade brasileira uma menor preocupação com a aparência, e observa menos amigos brasileiros querendo fazer cirurgias plásticas do que ocorre no Irã, o que aponta como algo positivo. Se surpreendeu também com a maior visibilidade da cultura LGBTQIA+ na cidade, uma vez que no Irã os relacionamentos homoafetivos são criminalizados com a pena de morte e, assim, procuram passar desapercebidos.
Outra diferença marcante com a vinda para o Brasil foi se acostumar a viver num apartamento pequeno. Se em Teerã, com um trabalho bem remunerado, ela conseguia viver sozinha num imóvel grande, aqui, por questões econômicas, passou a ter que dividir um apartamento pequeno com o namorado. Mahsa ainda está em processo de adaptação à nova realidade e, quando comenta sobre a vida no Brasil, diz: “Eu começo agora do zero”.
O sonho do negócio próprio
Como uma pessoa sociável, nesse um ano e meio vivendo no país Mahsa fez muitos amigos brasileiros. Os colegas locais adoraram a comida persa preparada por ela para as reuniões de amigos, e daí surgiu a ideia de começar a vender comidas típicas do Irã. Iniciou atuando em diferentes feiras, e atualmente marca presença em todos os domingos na Feira da Glória, que ocorre das 08 às 17hs na Praça Paris.

O seu negócio passou por um processo de branding recente e assumiu o nome “Maxa: culinária persa afetiva”. O logo laranja e branco lembra uma mandala, e com a inscrição “Mahsa” na bonita caligrafia persa convida os brasileiros a provarem algumas deliciosas comidas iranianas: o qotlet, apetitosos hambúrgueres de carne moída com batata, a salsicha bandari, típica do sul do país, o falafel e o hummus, mais conhecidos por conta da forte presença árabe no país mas que também são parte da cultura persa; e um saborosíssimo doce de gengibre.

Mahsa tem o sonho de abrir um restaurante próprio, idealmente em Botafogo, um bairro boêmio e famoso por concentrar inúmeros estabelecimentos de comida. Enquanto isso, trabalha aumentando a divulgação de seu negócio e pensa em expandir o cardápio ofertado aos clientes.


Perspectivas de futuro: a importância de reiniciar
A iraniana enxerga na vida no Brasil mais liberdade do que tinha no Irã, principalmente por ser mulher e não ter que estar submetida às rígidas regras de vestimenta e às leis locais, que oprimem o gênero feminino. Isso não quer dizer, no entanto, que a nova rotina é isenta de obstáculos: Mahsa teve dificuldades para se inserir no mercado de trabalho local em sua área de atuação, o marketing. Quando passou a atuar com comida em feiras espalhadas por distintos bairros da cidade, ela, que tem formação universitária, ouviu dos comerciantes: “Você não parece os outros feirantes”. O namorado também tem dificuldades para encontrar no Brasil o tipo específico de insulina que precisa para tratar de sua diabetes e que ainda não é oferecido pelo SUS. Para complementar a renda do casal, Saman trabalha diariamente como motorista do Uber.
Uma grande conquista recente foi a bolsa da UERJ que Mahsa conseguiu, a partir de sua atuação junto à Cáritas. Na UERJ, ela trabalha na articulação entre os projetos da universidade com refugiados e o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio no Brasil da Cáritas RJ. Além disso, contribui com o levantamento de temas para a produção de material didático para o curso de português para refugiados, que a ONG ministra quase diariamente, e com a construção do Espaço de Encontro e Formação em Migração e Refúgio, que em breve será inaugurado e ficará localizado na Biblioteca Comunitária da UERJ (1o andar do edifício sede). Com isso, a iraniana procura também cooperar com as novas pessoas que chegam ao Brasil, migrantes como ela e que precisam construir aqui uma nova história.
Quando questionada sobre como esse período no Rio de Janeiro influenciou em sua identidade, ela diz que “tudo muda”. Os estranhamentos pouco a pouco vão dando lugar à familiaridade, e hoje ela não pretende retornar ao Irã e deseja construir sua vida no Brasil: “quando você emigra, precisa esquecer um pouco seu país de origem”. Ao comentar mais especificamente sobre as histórias dos refugiados, diz que eles “não devem esquecer o motivo pelo qual saíram de seu país – para reiniciar”. E, quem sabe, Mahsa reiniciará fundando em breve o primeiro restaurante iraniano da cidade.

Serviço:
Maxa: culinária persa afetiva. Perfil no instagram: @culinaria.maxa


