Entrevistado pelo site socialmercosul.org, o coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CEDIC), Paulo Illes é categórico: “as legislações nacionais não acompanham os acordos Migratórios do Mercosul”.

Indagado sobre a atual situação do Mercosul em termos de migração, ele lembra que estamos completando 10 anos do Acordo de Livre Trânsito e Residência para os nacionais dos Estados partes do Mercosul. Pelo acordo, são conferidos direitos iguais na esfera civil e trabalhista para todos os nacionais dos países membros.  Inicialmente, é concedido ao solicitante um documento temporário válido por dois anos, mas que pode ser transformado em permanente.  Tal acordo também é vigente para Bolívia, Peru e o Chile e está em processo de implementação junto a Colômbia e Equador. Venezuela, que integrou o bloco há pouco tempo, ainda não beneficia dos mesmos direitos. Para Paulo Illes estamos vivendo um momento de garantia da lei de residência em quase todos os Estados partes da Unasul.

Porém, segundo o entrevistado, apesar da residência provisória dar ao imigrante o direito de tirar carteira de trabalho ou abrir uma empresa em seu nome, a segunda etapa para renovar a permissão, depois dos dois anos iniciais de residência provisória, é cheia de obstáculos burocráticos. É necessária, por exemplo, dispor de uma comprovação de subsistência; o que para a maioria é muito difícil de obter. Já que a informalidade domina vários setores da economia nacional e acaba absorvendo uma parcela importante dos imigrantes recém-estabelecidos no Brasil. Assim, um número significante de empresários não consegue regularizar a sua situação no país e transformar seu visto temporário em permanente mesmo depois de vários anos de residência e trabalho no Brasil.

Illes acredita que os termos do acordo do Mercosul para residência e livre trânsito são bastante avançados, comparados a outras uniões como a europeia. Mas, segundo ele, infelizmente as legislações dos países membros não acompanham esse processo. No Brasil especificamente, o Estatuto do Estrangeiro é extremamente discriminativo, notadamente pelo fato de ser produto dos anos de chumbo, quando o estrangeiro era tratado como uma ameaça para a segurança nacional e. Neste quadro jurídico arcaico, marcado pelo autoritarismo e falta de democracia, toda a responsabilidade no tratamento ao migrante é da alçada da Polícia Federal. Como solução, o coordenador do CEDIC, ao exemplo de vários atores da sociedade civil, sugere a criação de um órgão civil de atendimento ao migrante, responsável pelos trâmites administrativos e as informações necessárias ou desejadas pelo candidato à imigração e/ou estabelecimento no país.

O entrevistado destaca, ainda, um fato significativo quanto ao atraso do Brasil em matéria de cidadania e política migratória e social. Apesar de acolher quase dois milhões de imigrantes, Brasil é o único país do bloco que não reconhece aos imigrantes o direito de voto. Direito elementar que continua tributário de uma emenda corretiva ao artigo 13 da Constituição Federal. Além disso, o país não dispõe de políticas públicas de acolhimento e integração social dos migrantes nos âmbitos dos municipal e estadual; onde os imigrantes são enquadrados em termos exclusivamente jurídicos em vez de serem vistos e tratados como sujeitos sociais que gozam de direitos humanos numa sociedade que se diz democrática e respeitosa da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ele considera, portanto, fundamental a concepção e efetivação de uma política migratória que dialogue com as esferas municipais e estaduais para garantir a integração e segurança do migrante.

Ele lembra, enfim, que Brasil é atualmente o principal destino da imigração sul-americana, cujos fluxos são cada vez mais intrarregionais. Assim, pode-se identificar as principais categorias de imigrantes sul-americanos que escolhem o Brasil como país de residência temporária ou definitiva. Os técnicos: considerada uma migração mais planejada, pois são enviados por seu trabalho em empresas transnacionais. As empregadas domésticas: a principal nova forma de migração para o Brasil e que está substituindo a tradicional fonte nordestina. Os estudantes: devido ao forte intercâmbio universitário entre os países do Mercosul. Sem esquecer a imigração de profissionais especializados ou trabalhadores sem qualificação que ingressam o país individualmente ou em família, buscando trabalho bem remunerado e melhores condições de vida e geral.

Ruana Corrêa