Pesquisador de Guiné-Bissau descobre na pele o peso do racismo histórico no Brasil.

Em entrevista ao GLOBO, Maurício Wilson Camilo da Silva, há oito anos na ‘cidade maravilhosa’, é categórico: “Rio de Janeiro rejeita os africanos”.

“Infelizmente, a maioria dos brasileiros só conhece a imagem da África pobre e de guerra. E, se levarmos em consideração o fato de que o Brasil é o segundo país com maior população afrodescendente do mundo, a ausência desse conhecimento é gritante. Enquanto aqui o conhecimento histórico da África é restrito ao africano escravizado e liberto, lá o processo é diferente, e leva em conta a ancestralidade dos grandes reinos e nobres do continente”.

Perguntado sobre as mudanças que a expansão deste conhecimento pode provocar na dinâmica social brasileira, ele responde que “Quando a história da África se ligar aos seus descendentes, cujo conhecimento se resume à escravidão, isso pode acordar mais negros brasileiros ao entendimento de que eles não são apenas descendentes de escravos, mas também daqueles que foram senhores e tiveram as suas civilizações, como qualquer povo. E isso pode contribuir para uma revolução ideológica no Brasil”.

Sobre o curso que de ‘História dos Grandes Reinos da África’ que ele organiza no IFC-UFRJ, ele reconhece que não tem formação específica no assunto, mas que seu interesse vem da sua crença que “se não conhecermos de onde saímos, fica complicado entendermos para onde vamos. E, nesse sentido, apesar de querer fazer um doutorado sobre o assunto, sou exemplo de que uma pessoa não precisa ter graduação em História para buscar tal bagagem, aprofundar-se nela e passá-la adiante”.

Com relação à sua experiência no Brasil, ele afirma que “O Brasil é um país bastante heterogêneo, mas há muitos mitos construídos em relação a ele que só aqui você vê que são falsos. Um mito curioso é a ideia de que o carnaval dura meses: logo que cheguei, vi que não é nada disso. Outro mais sério é a percepção de que, por ser um país muito africano, é receptivo a esse imigrante”.

Enquanto, na verdade, ” O Brasil favorece mais os imigrantes europeus que os africanos. O Rio de Janeiro, na verdade, é uma cidade que rejeita muito os africanos”.

Rio é uma cidade “na qual, com frequência, passo por pessoas desprezadas nas ruas, e onde o número de homicídios, principalmente de negros e pobres, é gritante”.

Mas, é claro, também há coisas boas. “Acredito que morar aqui tem sido um aprendizado. Acho que, fora do meu país, aqui é o único lugar onde continuaria a morar. É uma cidade que me deu a possibilidade, mesmo que pela rejeição, de me desvincular do campo da atenção social para refletir sobre mim. E isso me enriqueceu ideologicamente”.

Se já passou por situações de preconceito? “Isso acontece a partir do momento em que saio de casa. Certa vez, um motorista de ônibus perguntou por que eu estava aqui. Disse brincando, mas nem tanto, que o africano chegou aqui acorrentado, ajudou a construir o país e hoje cheguei livre para desfrutá-lo”.

Enfim, ele lembrou que o preconceito não poupa o ambiente acadêmico? “A Academia reflete a sociedade. Então, o africano também é visto como inferior na universidade, e isso é percebido pelas relações e comportamentos na sala de aula. É um preconceito mais complexo”.

Thiago Jansen
(editado)

(GLOBO – 10/01/2015)