Documentos de judeus imigrantes da 1ª Guerra são furtados de carro no DF.
A Polícia Civil investiga o furto de uma mala com documentos de uma família judia no estacionamento de uma faculdade particular de Sobradinho, no Distrito Federal. Os dois álbuns vermelhos traziam certidões de casamento, óbito e nascimento, carteiras de trabalho, cartas de amor, registros de faculdade e centenas de foto de um casal que deixou a Polônia em 1929, fugindo da perseguição ocorrida no período entre a 1ª e a 2ª Guerra Mundial. O crime ocorreu no dia 4 de março.
Dona do material, a advogada Debora Marchewka, de 43 anos, conta que passou mais de um ano juntando todos os documentos. Os itens pertenciam aos avós paternos dela e ao pai, morto há 18 anos. Ela conta que cursa o segundo semestre de pedagogia na instituição e que emprestou a mala a uma professora depois de muita insistência.
“Ela falou sobre judeus, e eu contei que tinha um trabalho muito bonito que eu tinha feito há dez anos. Ela pediu para ver e ficou tão encantada que pediu para levar para casa. Eu fiquei assim, né, mas, por uma questão de respeito, acabei entregando. Depois fiquei cobrando, e ela dizendo que me entregaria no dia seguinte. E no dia seguinte o carro foi arrombado”, explica a mulher.
Debora diz ainda que a professora levou mais de uma semana para denunciar o furto à polícia e afirma que a faculdade tem se esquivado de colaborar. Por e-mail, o estabelecimento declarou que o estacionamento é libre e não pertence à administração.
“A instituição lamenta o ocorrido e informa que orientou a vítima a tomar todas as providências cabíveis no âmbito da secretaria de segurança pública do Distrito Federal. Quanto ao furto de documentos históricos, a instituição não pode ser responsabilizada pela natureza dos documentos que motoristas decidem levar consigo em seus veículos”, completou.
A Administração Regional de Sobradinho se dispôs a ajudar a mulher, que mora há sete anos em Brasília. Ela conta que o pai foi o único filho do casal – que aparece no livro do Holocausto como desaparecido – e que teve apenas dois filhos. A advogada afirma que decidiu fazer a compilação dos documentos justamente porque a família é pequena e não queria que a história se perdesse.
“Meu pai praticamente nasceu no navio. Minha avó veio grávida, fugiu justamente porque estava grávida. Meu pai foi registrado no Rio de Janeiro, mas o navio aportou, e eles já foram direto para o hospital”, comenta. “Meu irmão não teve filhos, e eu tive uma. A única forma de eu transmitir a história judaica e da minha própria família é assim.”
Nesta quarta, Débora foi ao lixão de Sobradinho para conversar com catadores, mas não achou pista. “Provavelmente, se veio para cá, já pode ter ido para o lixão da Estrutural e ter sido destruído”, afirmou à reportagem da TV Globo.
História e recompensa
A advogada diz que a família chegou ao Brasil sem qualquer quantia em dinheiro. A avó passou a trabalhar como costureira, e o avô como marceneiro. O pai estudou sempre em escola pública e cursou medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A mãe dela foi convertida ao judaísmo para poder se casar.
Debora conta que aprendeu hebraico e que comemora todas as datas judias. Ela diz que sabe pouco do que foi dito entre os avós nas cartas, porque não conseguia compreender o idioma. A ideia era obter essas informações no futuro.
“Eles passaram situações horríveis lá, mas conseguiram embarcar escondidos e vieram para o Brasil. Não comentaram muita coisa com meu pai além de que as situações eram desesperadoras, acho que até evitavam contar o que viveram, porque queriam uma vida nova. Perderam o contato com todo mundo e decidiram recomeçar aqui”, explica.
A advogada diz que chegou a pensar em oferecer recompensa pelos documentos, mas não sabia dizer o valor que ofereceria. “Colocar um valor aqui é tentar traduzir financeiramente uma coisa que não tem preço. Como que eu vou botar preço em algo que levei mais de um ano para catalogar, fazer homenagens?”, questiona. “Nós judeus temos essa grande vontade de não perder nossos valores, não deixar isso acontecer. Tenho esperança que alguma pessoa tenha achado e se sensibilize, nos procure, devolva.”
Raquel Morais
(G1 – 02/04/2015)