Não reclame dos haitianos. Eles ajudam a deixar o País mais rico.

Nos últimos meses vem sendo relativamente comum lidarmos com comentários xenofóbicos contra os milhares de haitianos que desembarcam no País em busca de uma vida melhor. Há poucos dias, um caso chamou a atenção no sul do País e logo viralizou na rede. Não foi o primeiro, não será o último.

Concorde ou não, barreiras de imigração estão condenadas ao fracasso. É difícil lutar contra. Quando você defende uma bandeira como essa – e normalmente ela é feita por motivos culturais – precisa enfrentar um caminhão de bons argumentos pela frente. O primeiro deles é econômico: os haitianos fazem bem para a nossa economia.

Atualmente, cerca de 150 milhões de estrangeiros vivem nos países desenvolvidos – eles representam cerca de 19% da população australiana, 13% da norte americana e 8% da europeia. É um número que não dá pra ser ignorado. Quase todas as pessoas que decidem mudar para outro país, migram guiados por incentivos econômicos – saem de seus vilarejos do terceiro mundo para o coração dos centros urbanos dos países desenvolvidos em busca de uma vida melhor. É exatamente isso que os haitianos procuram no Brasil.

E tudo isso é positivo. Países como o nosso, ou ainda mais desenvolvidos, demandam mão de obra, especialmente não especializada. Ao redor do mundo, milhões de moradores dos países pobres sonham em realizar esses trabalhos com a perspectiva de melhorar de vida. E é aqui que encaramos nosso primeiro grande problema com as barreiras de imigração. De acordo com um estudo realizado pela Marshall School of Business, os Estados Unidos necessitarão de um adicional de 35 milhões de trabalhadores a mais que sua população até 2030. É muita gente. Mas não se engane, o problema não está concentrado apenas entre os yankees. Até 2050, esse número será de 17 milhões no Japão e de 80 milhões nos países que compõem a União Europeia. No mesmo período, esse número chegará a 4,8 milhões na Coreia do Sul. De acordo com o The Boston Consulting Group, até 2030 a Alemanha terá um déficit de 10 milhões de trabalhadores e o Canadá de 2,3 milhões. Para os pesquisadores do estudo, a escassez de mão de obra está se tornando tão aguda que ameaça 10 trilhões de dólares da economia mundial nas próximas duas décadas. É dinheiro que não acaba mais – quase 200 vezes o patrimônio líquido da pessoa mais rica do mundo e pelo menos 20 vezes a receita das maiores corporações do planeta. Dinheiro que em parte poderia deixar de ser desperdiçado com reformas de imigração.

“E o Brasil?”, você deve estar se perguntando. Segundo o The Boston Consulting Group, até 2030 nós poderemos lidar com uma escassez de mão de obra de 40,9 milhões de trabalhadores. Boa parte dessa demanda por mão de obra não-especializada. E é aqui que os haitianos entram. E é aqui que toda xenofobia luta contra o próprio desenvolvimento do país.

Nas últimas décadas, os países desenvolvidos vem apertando cada vez mais o cerco das fronteiras para trabalhadores não especializados. Não bastasse, criam campanhas para acolher trabalhadores especializados nos cantos mais pobres do mundo. Como o economista William Easterly conta no ótimo “The Elusive Quest for Growth”, um estudo em 61 países com economias em desenvolvimento constatou que, em todos eles, quem cursa o ensino médio ou superior tem maior probabilidade de mudar-se para os Estados Unidos que os que cursam o ensino fundamental. Alguns países pobres estão perdendo para os países desenvolvidos a maior parte da sua força de trabalho especializada, o que impacta negativamente na economia local (na Guiana, como conta Easterly, uma estimativa aponta que 77% dos profissionais de nível universitário se mudam anualmente para os Estados Unidos em busca de melhores condições de trabalho). A medida, ao mesmo tempo que não combate os déficits de mão de obra nos países desenvolvidos, criminaliza brutalmente trabalhadores não especializados que se arriscam a migrar – criando incentivos para que eles sejam expostos à marginalidade. Não bastasse, condenam os países subdesenvolvidos a perpetuarem-se com baixos índices de capital humano. Perde todo mundo com essa história. E nesse ponto do texto você já deve ter entendido qual é a solução para todo esse cenário.

Mas a economia ainda não diz tudo. Há outro fator inevitável na contramão das barreiras de imigração: a construção de um novo cenário político. E nós estamos vendo isso atualmente na terra do tio Sam. Imigrantes tendem a criá-lo por onde chegam. Inclusive no Brasil.

Atualmente mais de 50 milhões de habitantes, ou quase 17% da população dos Estados Unidos, são hispânicos – dos quais 25,2 milhões têm direito ao voto. Esses números atuam não apenas como uma força econômica incapaz de ser ignorada, mas como capital político para uma comunidade já inegavelmente importante nas disputas eleitorais, capaz de eleger candidatos e modificar as políticas públicas em todo país. Como não bastasse, essa comunidade se replica, atuando também como uma rede bem estabelecida para que outros imigrantes hispânicos, geralmente de baixa qualificação, entrem nos Estados Unidos – hispânicos bem estabelecidos geralmente oferecem os primeiros contatos, as primeiras oportunidades de trabalho e as primeiras moradias para outros hispânicos que arriscam uma nova empreitada rumo ao sonho americano. E esse fenômeno ocorre em todo mundo – controles de imigração são ineficientes. Como aponta o estudo “Why Liberal States Accept Unwanted Immigration”, apenas governos autoritários (comunistas, fascistas) conseguem controlar integralmente seus níveis de imigração. Segundo a última estimativa feita pelo Pew Research Center, há três anos, 11,7 milhões de imigrantes irregulares vivem nos EUA e compõe 5,1% da força de trabalho. É um número maior que a população da Grécia. Ainda que essas barreiras desencorajem a entrada de novos trabalhadores, o que essas medidas mais realizam, a grosso modo, é criminalizar uma mão de obra fundamental para o próprio sucesso econômico do país – e para o desenvolvimento econômico dos imigrantes.

Como explica o historiador econômico David Landes, em sua obra máxima “The Wealth and Poverty of Nations” (em português aqui), o desenvolvimento americano se deu essencialmente porque seus colonos eram oriundos de uma sociedade heterogênea, aberta a estrangeiros e a novas ideias. No México, colonizado pelos espanhóis, num cenário absolutamente oposto, a proporção de imigrantes masculinos para femininos era de 10 para 1 (um cenário muito parecido também aconteceu no Brasil nos dois primeiros séculos de colonização portuguesa), o que apenas estimulou a violência sexual dos colonizadores em frente às índias – o que ajuda a explicar em parte a cultura do machão latino – criando um sistema de castas étnicas quanto mais branco melhor. Em contraste a esse cenário, acolhedor a novas ideias e culturas, a imigração ganhou impulso desde muito cedo nos Estados Unidos. No total, cerca de 32 milhões de pessoas se mudaram para a terra do tio Sam de 1821 a 1914. Durante esse período, a população americana subiria de 10 para 94 milhões de pessoas. Esse, sem dúvida, foi um dos grandes segredos para o seu desenvolvimento econômico. Por não testemunhar um fenômeno parecido, e sem desenvolver boas instituições econômicas, não é de se espantar que hoje os mexicanos migrem para os Estados Unidos – e não o contrário.

Há poucas semanas, Liliana Ayalde, embaixadora americana no Brasil, disse que a isenção de vistos de brasileiros aos Estados Unidos é um tema que voltou a entrar na agenda do país. Mas segundo ela, agora tudo depende do Brasil.

A isenção de vistos é o primeiro passo inevitável. A considerar as perspectivas políticas e econômicas, reformas de imigração parecem seguir pelo mesmo caminho. Quando aprovadas, muitos brasileiros decidirão seguir uma nova vida nos Estados Unidos, em empregos que não exigem especialização e que eles provavelmente não desempenhariam em solo tupiniquim. E tudo isso será positivo – algo bom para eles que de quebra ajudará a economia americana.

Que os haitianos possam fazer o mesmo por aqui. E que os xenofóbicos deixem de ser tão ignorantes.

Rodrigo da Silva

(Brasil Post – 12/06/2015)