Imigrantes haitianos levam o estudo a sério para o aprendizado do português e obtenção do certificado de Ensino Médio.

Entre os 1.505 alunos da Escola Municipal Iracema de Souza Mendonça, uma turma se destaca pela disciplina, assiduidade e articipação nas atividades em classe: são os 25 imigrantes haitianos, alunos do sistema EJA (Ensino para Jovens e Adultos – anos iniciais do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental), que vieram para o Brasil em busca de melhores oportunidades. Acolhidos em Campo Grande, eles conseguiram emprego na construção civil e agora buscam as mais básicas das qualificações – o certificado de ensino médio e o aprendizado da língua portuguesa.

Embora ainda não dominem integralmente a língua portuguesa, eles estão entre os estudantes mais aplicados, conforme testemunha a professora Karla Fernanda da Silva Torres. Ela voluntariamente trocou seu posto de professora no período matutino, onde ministrava aulas para as séries iniciais do ensino fundamental, para dar aulas aos imigrantes. Karla aceitou o desafio proposto pela direção da escola Iracema. Em seu favor, pesa o fato de já ter ido três vezes ao Haiti: sempre em janeiro, nas férias de fim do ano letivo, a professora retorna ao país num trabalho voluntário na área da educação, desenvolvido pela Igreja Batista.

Para a diretora da escola e entusiasta da ideia, Tânia Cheker de Souza, promover ensino de português aos alunos haitianos é um desafio, mas cujos primeiros resultados já são positivos. “Tenho 36 anos de trabalho e nunca tinha me deparado com uma atividade tão instigante, mas ao mesmo tempo tão gratificante como esta. É preciso ter muita confiança na nossa formação e na estrutura que dispomos para fazer isso dar certo e felizmente percebemos que estamos aptos a receber estes alunos”, explica Tânia.

O Prefeito Gilmar Olarte vê como positiva a inserção dos alunos haitianos na Rede Municipal de Ensino (Reme). Para ele, receber estudantes imigrantes em situação de vulnerabilidade, além de uma questão humanitária, também é uma oportunidade de mostrar a boa estrutura da educação oferecida pelo município. “Quando falamos destes estudantes nas nossas escolas, estamos falando num contexto humanitário, em que eles tiveram que abandonar o país em que vivem em busca de sobrevivência. É muito positivo e uma imensa satisfação mostrar que nossa cidade tem estrutura de contribuir para transformação da vida destas pessoas”, destaca o prefeito.

Do Haiti pra cá

A maioria dos estudantes haitianos em Campo Grande chegaram à cidade para fugir das condições inóspitas do país de origem, que entrou em colapso após o terremoto ocorrido em 2010. Aqui, os alunos encontram os desafios de se inserir numa cultura diferente, conseguir trabalho e, principalmente, falar a língua portuguesa.

Para chegar à escola antes das 19h, quando começam as aulas, alguns alunos enfrentam uma maratona cansativa. Eles percorrem de bicicleta trajetos que variam entre 5 e 10 quilômetros para chegar à Vila Antunes, onde ocorrem as aulas. É o caso de Jocelin Pierre, que como seus compatriotas, trabalha num canteiro de obras próximo ao anel rodoviário, no Condomínio Fechado Dahma, e mora na região do Bairro Itamaracá. Servente de pedreiro, ele cumpre uma jornada diária que começa às 7h da manhã e se estende até às 17h, quando retorna à sua residência. Mas em cerca 40 minutos, ele fica pronto para chegar em tempo de assistir à primeira aula.

Atraído pelas possibilidades de emprego no Brasil, Jocelin deixou no Haiti, de onde saiu há 8 meses, esposa e seis filhos. Mesmo ganhando pouco mais de R$ 1 mil por mês, não reclama desta rotina. “Aqui é uma cidade calma e agora estudando, terei oportunidade de aprender português e conseguir outras oportunidades de trabalho”, relata.

Entre os haitianos, alguns já concluíram no seu pais o equivalente ao ensino médio, outros são fluentes em dois idiomas (espanhol e francês). E há também alunos como Junel Ilora. Com 26 anos, ele revela planos visionários: espera concluir o ensino fundamental e fazer o ensino médio para então prestar vestibular para agronomia. “Quando estiver faculdade, voltarei ao meu país para trabalhar nesta área”, projeta Junel, que fala francês e mesmo com pouco tempo em Brasil, já consegue se comunicar em português.

Metodologia

Dependendo do desempenho que tiverem, estes estudantes podem demorar até três anos para concluir o ensino fundamental, no formato modulado do EJA. No entanto, para tanto garantir a qualidade nesta formação, a direção da escola, junto com a professora que facilita o conteúdo e com a Divisão de Educação e Diversidade da Secretaria Municipal de Educação (Semed), traçou uma metodologia diferenciada.

Segundo a professora Karla Fernanda da Silva Torres, que comanda a turma, foi preciso usar criatividade e adaptar metodologias para as aulas acontecerem. “Atualmente eles já assimilam bem o português, mas nas primeiras aulas, utilizamos uma cartilha para ensino de português para estrangeiros, nas línguas criollo e francês, com as expressões mais comuns e fundamentais no nosso idioma. Quando percebemos que superamos a primeira dificuldade, passamos a utilizar o português, com bastante cuidado, recorrendo ao francês quando necessário. Já estamos ensinando pronomes e conjugações verbais”, afirma a professora, que também destaca que a atividade proporciona oportunidade não só de como ensinar, mas também de aprender e de trocar experiências. “Nós também aprendemos com eles todos dias”, conclui.

Para a diretora da escola, Tânia Cheker de Souza, promover ensino de português aos alunos haitianos é um desafio, mas cujos primeiros resultados já são positivos. “Tenho 36 anos de trabalho e nunca tinha me deparado com uma atividade tão desafiadora, mas ao mesmo tempo tão gratificante como esta. É preciso ter muita confiança na nossa formação e na estrutura que dispomos para fazer isso dar certo e felizmente percebemos que estamos aptos a receber estes alunos”, explica.

Outro fator que merece ser destacado para o bom funcionamento das aulas no EJA é a disciplina dos estudantes. “Eles nunca faltam, participam ativamente das aulas e são muito disciplinados. Isso ajuda muito o projeto a funcionar, porque são estudantes conscientes de que precisam se encaixar na nossa cultura para terem melhores oportunidades”, revela Tãnia.

(Diário Digital – 23/06/2015)