Número de refugiados que chegam ao Rio de Janeiro passou de 1.542 em 2012, para 5.998 em 2015. Sem ajuda, sem políticas públicas.

O número de refugiados no Rio de Janeiro saltou de 1.542, em junho de 2012, para 5.998, em junho deste ano, um aumento de 300%. Os dados são da Cáritas Arquidiocesana, órgão da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) responsável por receber os refugiados na cidade.

Segundo a Cáritas, são pessoas de 80 países, como República Democrática do Congo, Nigéria, Senegal, Irã, Paquistão, Síria, Afeganistão e Colômbia, que migram de seus países de origem para fugir de perseguições políticas e religiosas, guerra civil e grupos jihadistas. A maioria dos refugiados são homens, mas o número de mulheres e crianças também vem crescendo.

Para ajudar os refugiados a conseguir emprego, a Cáritas firmou uma parceria com o Ministério Público do Trabalho que oferece cursos gratuitos de português, ministrados na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), no Maracanã, zona norte da cidade. Para bancar o projeto, o MPT usa verbas de processos trabalhistas pagos por empresas de grande porte.

O refugiados que participam do projeto têm um perfil variado, e vão desde analfabetos até pós-graduados. Por não ter com quem deixar, muito elevam seus filhos para a Uerj. lá, as crianças fazem atividades recreativas enquanto os pais estudam.

“O curso é o ponto inicial para a integração. Com esse aprendizado, eles terão a oportunidade de reiniciar suas vidas. E isso só acontecerá se eles tiverem como se comunicar com a sociedade”, disse em entrevista ao jornal Globo, Aline Thuller, coordenadora do Programa de Atendimento aos Refugiados da Cáritas.

A assessoria da Subsecretaria Estadual de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos afirmou que cada vez mais refugiados devem chegar à cidade. “Estamos pensando em como resolver a questão dos abrigos e buscando parcerias. Não podemos discriminar essas pessoas. Temos de acolhê-las”.

Segundo Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidades Para Refugiados (Acnur), essa tendência é um reflexo dos grandes eventos que serão sediados na cidade, como as Olimpíadas de 2016.

Sem ajuda

Em tempos de crise migratória no Mediterrâneo, o Brasil tem dado aos refugiados da guerra civil na Síria uma resposta considerada avançada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Em 2013, o governo acelerou a emissão de vistos humanitários em suas embaixadas no exterior e passou a reconhecer praticamente 100% dos pedidos de refúgio feitos por sírios no Brasil. Em julho do ano passado, o número de sírios ultrapassou o de colombianos como a maior população de refugiados no país.

Segundo dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), há atualmente 1.740 sírios vivendo como refugiados no Brasil. Em 2013, eram apenas 284. Enquanto um solicitante de refúgio congolês – nacionalidade da grande maioria dos refugiados na cidade do Rio de Janeiro –, leva, em média, cerca de dois anos para conseguir o status de refugiado, os sírios costumam obter o documento em, no máximo, seis meses (a média é de quatro meses).

“Estamos super satisfeitos com a resposta do governo brasileiro à crise na Síria”, diz Luiz Godinho, porta voz da Acnur no Brasil. “O Brasil tem mantido suas fronteiras abertas para os sírios e adotado uma postura muito avançada no sentido de facilitar a chegada dessas pessoas aqui. Uma posição como essa tem de ser conhecida e elogiada.”

Uma vez instalados no país, no entanto, os sírios entram na sistemática precária do atendimento ao refugiado e encaram uma realidade familiar aos brasileiros, mas contrária à imagem de pátria acolhedora vendida lá fora. Os sírios são atendidos pelas mesmas ONGs já sobrecarregadas que prestam assistência a refugiados de mais de 44 nacionalidades.

Parceira do Acnur, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro é responsável pela implementação das políticas de assistência ao refugiado em nada menos que 18 estados da União, de norte a sul do país. Em dezembro de 2014 havia 6,547 refugiados ou solicitantes de refúgio cadastrados para receber atendimento na unidade.

Sem políticas públicas

Ao O&N, Aline Thuller, coordenadora do programa de atendimento a refugiados da Cáritas-RJ, conta que a maior dificuldade da entidade é a falta de uma rede de proteção do estado para prestar ajuda ao solicitante de refúgio. Falta compromisso do estado em acolher, diz. “O governo muitas vezes não reconhece o direito do refugiado de ser atendido, de ser matriculado. É difícil para todos, mas principalmente para os refugiados. Muito do nosso trabalho é ligar para hospitais, escolas, e dizer que é dever do estado atendê-los.”

Natural de Damasco, o professor de francês e tradutor Ayman Ima, de 39 anos, chegou ao Rio há apenas um mês, vindo da Turquia. Ima não conhecia ninguém no Brasil, mas soube que o governo concedia visto, ao contrário dos europeus. Conversou com outros sírios no Brasil pelas redes sociais e percebeu que, embora a opção de viajar mais de 10 mil km para um país desconhecido não fosse a sua primeira escolha, talvez fosse a única. Hoje, Ima vive com outros refugiados árabes em um apartamento emprestado pelo pároco da Igreja São João Batista, em Botafogo, frequenta aulas de português na Cáritas e esforça-se para descobrir uma cidade que ainda não o acolheu.

“Os brasileiros são cordiais, mas não gostam de se comunicar”, diz o professor, que fala francês, inglês, turco e árabe, mas ainda não domina o português. “Eles mantêm a comunicação a um mínimo. Está difícil fazer amigos brasileiros.”

Ebraheem Nachaway, de 20 anos, fugiu da Síria para o Líbano antes de pedir o visto para o Brasil há um ano e meio. Haviam lhe alertado que o Brasil “é um lugar perigoso”, onde não se pode andar nas ruas à noite. Passou uma semana morando no aeroporto de São Paulo antes de encontrar uma mesquita que o acolhesse. Viajou a Brasília e trabalhou como garçom, ganhando 700 reais por mês, até juntar o dinheiro para uma passagem só de ida para o Rio.

Como Ima e a maioria dos refugiados sírios no Rio, Ebraheem viveu no apartamento do padre da igreja de Botafogo até conseguir reunir os pais e os irmãos na cidade. Hoje já fala “carioquês” com naturalidade, vende quitutes árabes em uma barraca ao lado da igreja para sustentar a família e diz que não pretende voltar à Síria. Questionado por que escolheu o Brasil, Ebraheem responde, sem rodeios: “Tirar visto europeu é impossível”.

(Opinião & Notícia – 05/08/2015)