Segundo pesquisa, Brasil precisa de 6 milhões de estrangeiros qualificados.

A turma que zarpou para Miami pôs em prática uma piada pronta do Brasil da superinflação dos 80’s – que a melhor saída para o país era o aeroporto. A verdade é que eles têm razão. Mas não como pensavam. É no sentido contrário, da área de desembarque, que podem vir os reforços para, junto do talento local, aumentar a produtividade e revigorar a economia. Ser o novo lar desses gringos também daria mais tempo à nação para corrigir falhas do sistema educacional enquanto ainda há um bônus demográfico.

Ajuda de fora

A vinda em massa de mão de obra estrangeira ao Brasil não é novidade. A primeira leva de trabalhadores livres chegou aqui em 1870. A sociedade escravocrata não havia preparado suas vítimas para a lavoura de café. Foi a deixa para a italianada dar as caras, puxando a fila nas décadas seguintes para europeus em geral, orientais etc.

Quase 150 anos depois a história PRECISA se repetir. Mas agora se trata de um tipo específico de migração, o brain gain – ganho de cérebros, em tradução livre para o português. A consultoria Brain fez em 2013 um levantamento a pedido da recém-extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos, que respondia diretamente à Presidência da República. O trabalho apontou carência de engenheiros, arquitetos e médicos no país. A proposta concluiu a necessidade de um plano de atração seletiva em longo prazo. Colocar em prática o brain gain.

O relatório estima que são necessários 6 milhões de estrangeiros qualificados – o mesmo que a população do Distrito Federal e do Mato Grosso somadas. Pode-se pensar que essa multidão chega para roubar empregos, mas é justamente o oposto. André Sacconato, diretor de Pesquisa da Brain, afirma que os imigrantes preencheriam aquela vaga que aciona uma cadeia inteira de produção, melhorando a competitividade do Brasil e criando postos de trabalho.

Mas é preciso ficar claro que aqui não cabe nenhum tipo de vira-latice ou menosprezo ao potencial brasileiro. Primeiro porque, independentemente de qualquer crise, um país desse tamanho e com necessidades de produção e competitividade equivalentes precisa de mais pessoas. E, se faltam pessoas, naturalmente não há número suficiente de mão de obra qualificada, um dos resultados de décadas de falhas no sistema educacional. Podemos corrigir isso. Mas leva tempo.

Se fizer tudo certo a partir de agora, é possível que por volta de 2030, segundo especialistas como Patricia Mota Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social, o Brasil comece a sair do atoleiro nessa área. Mas dá para o país esperar esse tempo todo? Nem pensar. Então voltamos à questão da importação de cérebros.

O estudo da Brain aponta que cada gringo qualificado no lugar certo pode criar entre 1,3 e 4,6 vagas para brasileiros. Eis um exemplo de como isso pode acontecer: até esses dias prédios brotavam do chão em cada quarteirão do país. Além de subir os preços, o boom imobiliário aqueceu o mercado de engenheiros. Uma construtora oferecia mais dinheiro para tirar um profissional do concorrente e depois sofria com a mesma tática de uma terceira empresa. Ótimo para o bolso do engenheiro, mas ruim para a cadeia da construção civil.

Agora se o processo de brain gain disponibilizasse profissionais para projetos nas três construtoras, mais prédios sairiam do papel. Seriam abertas vagas para pedreiros, marceneiros e eletricistas. O número de caminhões de concreto circulando cresceria, as fábricas de cimento e tijolo contratariam mais e o movimento do restaurante dos trabalhadores iria aumentar. A arrecadação do governo aumentaria – sem a necessidade de novos impostos – e haveria mais recursos para estradas, escolas e hospitais.

Sacconato lembra que o relatório foi produzido na época que havia quase pleno emprego. Avalia que neste momento de crise pode ter havido diminuição pela demanda de imigrantes, mas diz que certamente ela existe e continuará existindo. “Coisa para 20 anos [de transformação], se começarmos a oferecer agora uma educação correta para a população brasileira “, afirma.

As vantagens desse intercâmbio se alastrariam para a sociedade, incluindo a necessária revolução do sistema de ensino, avalia a GELP (sigla em inglês para Parceria Global de Líderes da Educação), uma ONG de alcance mundial. “É muito importante essa mobilidade, porque diferentes países têm diferentes experiências. Diferentes religiões e histórias de vida contribuem para a criação de um sistema de educação eficaz”, afirma David Albury, diretor da Unidade de Inovação da GELP, sobre o salto necessário no Brasil.

A chegada de imigrantes também influencia a questão demográfica. A população brasileira está envelhecendo. Segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a média de filho por casal é 1,7, enquanto o necessário apenas para manter estável o número de habitantes é 2,1. A redução na quantidade de pessoas para trabalhar ocasiona menor produção de riqueza e exige aumento da produtividade, além de agravar a questão previdenciária, que cedo ou tarde precisará de uma reforma drástica.

O Brasil, infelizmente, não tem a quantidade suficiente de talentos que precisa. Há muitos, são bons, fazem milagre muitas vezes, mas é preciso mais.

  • “Novas pessoas significam novas maneiras de pensar e permitem novas tecnologias. EUA, Canadá e Austrália são campeões em inovar via drenagem de cérebros. Além disso você cria um ambiente muito plural e aprende mais a respeitar a diversidade.” (Ricardo Paes de Barros, professor do Insper)

Falha na engrenagem

O esforço do ensino superior no Brasil se concentrou em humanas. Faltam médicos, engenheiros e arquitetos.

A pesquisa da Brain não chegou a essas três profissões – medicina, engenharia e arquitetura – por acaso. De cada cem diplomas entregues no Brasil, apenas dois são para médicos. Arquitetura também representa 2% dos formandos. Engenharia chega a 8%, contando as 80 especialidades existentes no Censo do Ensino Superior publicado em 2013 pelo MEC (Ministério da Educação). O motivo de esses ofícios serem prioritários é simples: engenheiros trabalham na infraestrutura; arquitetos organizam o espaço urbano; sem médicos, não há acesso universal a serviços de saúde.

A falta de sintonia do ensino superior com as necessidades da sociedade é reflexo de um sistema falho desde a base, algo demonstrado pelas notas em avaliações como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que reúne alunos de 15 anos e mede o conhecimento em ciências, matemática e leitura.

O Brasil ficou em 58º lugar no último exame, aplicado em 2012. O desempenho é ainda pior que a colocação: 402 pontos. Isso para falar dos adolescentes que estão na escola – 15% dos jovens em idade de cursar o Ensino Médio estão fora da sala de aula. “Temos o problema de acesso [à escola]. A evasão nos anos finais do Ensino Médio é muito alta. São os ‘nem nem’ [nem trabalham, nem estudam]”, afirma Patricia Mota Guedes, da Fundação Itaú Social.

O mercado percebe o mesmo cenário. A consultoria Manpower avaliou em 2014 o sistema educacional brasileiro. Uma das perguntas da pesquisa era se a formação escolar atendia às necessidades das empresas. O Brasil marcou 1,8 ponto em dez possíveis. Bom o suficiente para a penúltima posição entre os 60 países avaliados.

A perspectiva é de piora. Analisando os dados do MEC, o professor do Insper e economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas do país em educação e mercado de trabalho, descobriu que o número de brasileiros com ensino superior cai desde 2012. No atual ritmo, serão necessárias três décadas para chegarmos a um terço dos habitantes com diploma, o que corresponde à média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), grupo de democracias emergentes e desenvolvidas.

Qualificação do trabalhador

Déficit educacional coloca mão de obra brasileira na parte de baixo do ranking de capacitação.

Na avaliação geral o Brasil está na posição 78 entre 124 economias avaliadas. Analisando por faixa etária, a pior colocação do país foi no intervalo até 15 anos de idade – justamente o grupo de pessoas que deveria ser preparado para suprir a carência em engenharia, arquitetura e medicina.

Numa escala que vai de 1 a 7, o país mostra estar longe do seu potencial nos cinco quesitos sobre percepção de negócios – fatores que contribuem para a valorização do capital humano.

O buraco na formação é brutal em Ciências Exatas. O Ministério da Educação aponta que a evasão escolar nos cursos de engenharia chega a 52%. “A formação básica é muito precária, o que traz uma dificuldade muito grande do egresso de engenharia em Matemática e Física, onde está a grande evasão. A principal [evasão] ocorre até o segundo ano, quando todas as disciplinas do Ensino Básico são trabalhadas “, afirma José Geraldo Baracuhy, representante do Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) nas instituições de ensino superior.

O raciocínio de Baracuhy faz ainda mais sentido quando analisados os resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização, que mede o nível de aprendizagem em Português e Matemática de alunos da 3ª série. Os dados referentes à Matemática apontam que 57% dos estudantes brasileiros de oito anos tiveram nível inadequado de aprendizagem em 2014. “E Matemática é uma construção. Se você não tem a base é difícil você entender a Matemática mais elaborada. Essa evasão é responsabilidade do Ensino Básico “, opina o conselheiro.

Colocar a educação em dia levaria décadas – aí entra o brain gain para não deixar a economia e produtividade irem para o buraco, evitando os problemas sociais decorrentes do desaquecimento, enquanto a lição de casa é feita. Mas quando se fala em profissional estrangeiro é comum pensar num engenheiro alemão, especialista em mercado financeiro inglês ou o empresário americano. As contribuições e possibilidades vão muito além. O Brasil tem na cultura um case em que recrutamento de cérebros e troca de experiências com estrangeiros fez a diferença. E isso serve para qualquer mercado.

Mas talento sem oportunidade não funciona. O sistema de educação é causa e consequência da desigualdade nacional. Os estados do Sul e o Distrito Federal têm situações menos graves que o restante do país. “O nível de performance está muito associado ao nível socioeconômico da família. Então a escola não está fazendo diferença”, lamenta Lucia Dellagnelo, coordenadora da IIEB (Iniciativa para Inovação na Educação Brasileira).

Novo modelo

A construção pelo Governo Federal de uma política de atração de cérebros não resolveria sozinha todos os problemas. Lembra da lição de casa? Um dos problemas apontados por especialistas é que a sala de aula continua na era do giz. Pesquisa do IIEB feita com alunos que abandonaram os estudos em Santa Catarina constatou que 70% deles não viam utilidade em ir ao colégio.

Há uma tentativa de mudança em andamento. No centro do processo está a transformação do currículo escolar em algo conectado com o século 21 e com o mercado de trabalho. Para isso, o MEC tem uma consulta aberta para traçar novas regras do currículo e um plano para incentivar a inovação até 2018.

Procuram-se gringos

Estrangeiros capacitados vêm de países em crise ou com afinidade e parceria comercial.

O objetivo é fazer as pessoas entenderem que um novo modelo de educação é tão importante para o bem-estar da população quanto o combate à corrupção ou a estabilidade da moeda. Assessora Especial do MEC e presidente do Grupo de Trabalho Nacional de Inovação e Criatividade na Educação Básica, Helena Singer explica que a estratégia se baseia numa pesquisa que planeja identificar bons exemplos em todas as escolas.

Os trabalhos serão divulgados para que outros colégios se sintam estimulados. A adoção de novas tecnologias é um dos pilares da iniciativa, mas não basta ter um laboratório de computação na escola. A intenção é o professor estimular o uso da internet durante a aula. Em vez de proibir o celular, a ideia é aproveitar o Google, aplicativos, mapas e vídeos para agregar conteúdos relacionados à matéria do dia. “Os professores podem se sentir desconfortáveis em dar aos estudantes mais voz na dinâmica das aulas. Nós precisamos ajudar esses professores a se adaptarem e se sentirem confortáveis. Mas para mim o ponto central da educação é a necessidade das crianças “, diz David Albury, do GELP, sobre o projeto.

A proposta inclui o desenvolvimento de capacidades como trabalhar em equipe, estabilidade emocional, capacidade de comunicação e cultura geral. Ainda é incipiente, e os resultados exigem tempo. Mas é certo que não criar essa saída educacional pode ter um custo econômico e social muito grande. “Gerações perdidas, desencontro entre demanda com oferta de trabalho e jovem sem formação, sem perspectiva. Um custo social de violência, jovens que nem trabalham nem estudam (…) um fenômeno que está sendo incorporado à sociedade “, diz Patricia Mota Guedes, da Fundação Itaú Social.

  • “Diferentes países, religiões e histórias de vida contribuem para criar um eficaz sistema de educação” (David Albury, diretor da Unidade de Inovação da GELP)

Virando a chave

Se o caminho é atrair mão de obra estrangeira, seria natural o Brasil estar de braços abertos para os gringos. Mas a contradição é inerente ao ser humano. O país que ganharia os benefícios da imigração foi considerado o segundo mais fechado do mundo em um estudo de 2012 da consultoria Manpower. Apenas 0,3% da população brasileira nasceu em outro país. A média mundial é de 3%.

A situação começa a se explicar quando a lei brasileira que regulamenta a imigração é analisada. Ela é de 1980, época da ditadura militar, da Guerra Fria e do Muro de Berlim. O texto reflete a realidade ultrapassada e trata estrangeiros como ameaça à segurança nacional.

Nosso apego pelo carimbo também atrapalha. O tema imigração é assunto de cinco órgãos federais: Ministério do Trabalho, das Relações Exteriores, da Justiça, da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Imigração. E justo o estrangeiro com qualificação é o que tem uma barreira extra: a validação do diploma. Depois de cumprir uma série de burocracias e gastar alguns milhares de reais, ele não tem nem garantia de que o pedido será avaliado. Além de não existir um prazo para resposta, o sistema permite que a solicitação não seja analisada.

O capítulo do estudo da Brain sobre a atratividade brasileira dá a medida do isolamento do país no sistema de ensino. No item que soma o número de brasileiros estudando fora com o de estrangeiros em salas de aula daqui, o resultado foi 0,2 para cada mil. Donos dos melhores índices de educação da América do Sul, os chilenos têm 1,2.

Intercâmbio quase nulo

Pesquisa em diferentes países somou a fatia da população estudando no exterior com o número de estrangeiros tendo aulas no país. O resultado foi dividido por grupo de mil habitantes.

Essa falta de intercâmbio é um grande problema na avaliação de Paes de Barros, do Insper. “Novas pessoas significam novas maneiras de pensar e permitem novas tecnologias. EUA, Canadá e Austrália são campeões em inovar via drenagem de cérebro. Além disso, você cria um ambiente muito plural e aprende mais a respeitar a diversidade “, explica.

A possibilidade de inserção no mercado mundial é outra vantagem citada por Paes de Barros. Não basta ter o produto, é preciso entender as culturas para saber a maneira de vender. Enquanto o Brasil dá uma de avestruz e afunda a cabeça na terra, a presença de imigrantes é alta entre os países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, 13% da população nasceu no exterior e no Canadá um em cada cinco habitantes é de fora. Ambos também são peritos em captar mão de obra qualificada.

O Brasil já ensaiou esse movimento, mas se atrapalhou na própria burocracia. Com passagem pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o professor de Direito Internacional e Relações Exteriores da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) Marcus Vinicius Freitas lembra que com o fim da União Soviética falou-se em trazer engenheiros russos. A ideia naufragou por causa da legislação e da falta de validação dos diplomas.

Algumas categorias também oferecem resistência, mesmo quando há notória carência no atendimento à população. O estudo da Demografia Médica do Brasil, publicada em 2013 pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, apontou que em somente seis estados havia mais de dois profissionais por grupo de mil habitantes. Mas se o critério fosse atendente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), o melhor resultado é 1,72 no Distrito Federal. O Pará tinha 0,5 médico para cada mil pessoas. Um trecho da pesquisa tem o seguinte texto:

“Por qualquer dos referenciais que se olhe – médico registrado, contratado, cadastrado ou ocupado -, as comparações são semelhantes: os brasileiros que moram nas regiões Sul e Sudeste contam em média com duas vezes mais médicos que os habitantes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste – excluindo-se o Distrito Federal. Da mesma forma, aqueles que vivem em uma capital contam em média com duas vezes mais médicos que os que moram em outras regiões do mesmo estado. ”

Esse quadro, entre outros fatores, contribuiu para a criação do programa Mais Médicos e o consequente protesto da classe profissional. André Sacconato, da Brain, não estranha o corporativismo e lembra que foi muito xingado nas redes sociais quando defendeu a vinda de imigrantes. Ele cita o programa do governo federal como um exemplo de como convencer a população de que o trabalhador estrangeiro gera benefícios.

A lição que fica é que a chegada de imigrantes pode ser contestada e até prejudicar determinado setor, mas o ganho para sociedade é muito maior. Paes de Barros ressalta que geralmente os grupos afetados são os melhores remunerados.

“Para alguns brasileiros específicos isso vai significar mais concorrência. Em algumas profissões o salário pode até cair em função da entrada de imigrantes, provavelmente ocupações com salários muito altos. Se o salário do médico no Brasil cair não é problema, porque o Brasil terá saúde mais barata. É bom para população brasileira, mas para alguns médicos, não”, avalia.

Trabalhar as duas frentes juntas é vital para um encontro de imigrantes qualificados e uma nova geração mais preparada. O professor do Insper, no entanto, lembra que o profissional estrangeiro não pode ser visto como um salvador da pátria, mas ressalta que a possibilidade de contribuírem com o Brasil é inegável.

“Muito da inovação vem quando você pega um engenheiro russo, que estudou de uma maneira, e o coloca junto de um engenheiro que estudou na Índia e um cara que estudou no ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutica). São visões diferentes da engenharia. Sentam-se à mesa e começam a falar. Saem com uma coisa inovadora que vem desta mistura de ideias diferentes “, afirma.

Felipe Pereira

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