O sonho de uma vida melhor tornou-se um pesadelo para milhares de haitianos que têm chegado a São Paulo desde 2011.
Em janeiro do ano anterior, a capital Porto Príncipe foi devastada por um terremoto que matou 300 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de desabrigados. Desde 2011, moradores do país mais pobre das Américas buscam oportunidades de emprego no Brasil, que lidera missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) por lá.
Mas a ilusão de conseguir melhores condições de trabalho foi por água abaixo. Sem conseguir emprego na capital, cidade que mais recebe haitianos no Brasil, muitos desses imigrantes – alguns com diploma universitário – passaram a trabalhar como camelôs no Brás, na região central.
O DIÁRIO conversou com alguns deles, que aceitaram contar sua história na condição de serem identificados na reportagem com nomes fictícios.
A enfermeira Mabelle, 37, há três anos deixou a filha e o marido para ganhar mais dinheiro e mandá-lo para a sua família. “O Brasil foi uma grande perda de tempo. Mal consigo sobreviver aqui”, contou a haitiana, com sotaque carregado do creole (dialeto falado no país onde a língua oficial é o francês). Hoje ela vende camisetas no Largo da Concórdia, no Brás.
“Aqui, quem nos contrata quer nos explorar, porque sabem que nossa situação no Haiti é precária. Acham que vamos aceitar qualquer coisa”, reclamou a costureira Abbée. Ela conta ter pagado R$ 4 mil na passagem aérea de Porto Príncipe a Guarulhos, há um ano, na esperança de ter sucesso na sua área.
Em novembro do ano passado, o governo federal permitiu que 43.871 haitianos que já moravam no Brasil há até quatro anos solicitassem residência permanente no país.
Eles lideram a lista de imigrantes que procuram o Crai (Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes), na Bela Vista, também na região central, segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Foram 182 atendimentos entre novembro de 2014 e outubro de 2015. Estrangeiros da República Democrática do Congo estão em segundo, com 159 atendimentos no mesmo período, seguidos dos bolivianos, com 84.
Jean Pierre chegou a São Paulo logo depois de completar 18 anos, em dezembro de 2013, para trabalhar na construção civil. Ele sonhava em dar os primeiros passos para conseguir a carreira de seus sonhos: engenharia civil.
Pensou que o Brasil, que iria sediar uma Copa do Mundo de futebol no ano seguinte, iria oferecer muitas oportunidades.
Na época, São Paulo estava contratando haitianos para trabalhar em obras, como no Itaquerão, estádio do Corinthians, na Zona Leste. Para Jean, não poderia haver lugar melhor.
O jovem estrangeiro conseguiu emprego na área, mas acabou demitido no início de 2015.
Hoje, aos 20 anos, Jean Pierre, tornou-se camelô e vende shorts na calçada da Avenida Rangel Pestana, no Brás. Ele, que tem visto permanente, lamenta ter deixado seu país.
“As empresas não querem contratar haitianos. Eu estava sem serviço desde abril do ano passado. Então, comecei a trabalhar vendendo roupa para poder, ao menos, pagar o aluguel e fazer o supermercado”, afirma.
O imigrante conta que mora com mais dois conterrâneos no Jardim Cangaíba, na Zona Leste. “Espero sair dessa situação logo. Quero voltar ao meu país assim que puder”, espera.
‘Eles sofrem exploração’
“O haitiano tem uma cultura de grupo e de proteção. Nas minhas ações com a Missão Paz, nunca vi nenhum deles na rua, apesar de muitos estarem no Brasil para fugir da miséria em seu país de origem. Eles têm uma cultura de trabalho e são valorizados por alguns empresários. Mas há muita exploração. Sem opção, muitos deles acabam partindo para o mercado informal. Do mesmo jeito que o brasileiro vê Miami como modelo de oportunidade e de vida, o haitiano assim vê o Brasil. Mas quando eles chegam aqui, encontram uma Porto Príncipe, ou seja, nada diferente da realidade deles no Haiti” analisa o padre Júlio Lancelot .
Tatiana Cavalcanti
(Diário de S. Paulo – 24/01/2016)