Refugiados encontram dificuldades para exercer sua profissão de origem.

De 2014 para cá, 1.332 estrangeiros bateram à porta da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que presta assistência humanitária a refugiados. A maior parte deles — 38,81% — fugiu dos conflitos na República Democrática do Congo. Chegando aqui, a realidade é dura: poucos conseguem trabalhar na profissão que exerciam em seus países de origem.

A estilista congolesa Claudine Mideda contou com a sorte para superar essa dificuldade. Dona de um ateliê em Katanga, viu-se obrigada a abandonar tudo após ser jurada de morte por um grupo armado. Depois que se estabeleceu em terras cariocas, arranjou emprego de faxineira na rodoviária de Campo Grande. Mas sua vida mudou novamente em novembro do ano passado, quando já havia perdido a esperança de voltar a trabalhar com moda. Naquele mês, ela recebeu uma doação: uma máquina de costura. E, aos poucos, retomou a antiga atividade.

Claudine fez vários modelos inspirados no Brasil, mas são as saias e os vestidos com panos africanos, que começou a produzir este ano, que passaram a alimentar sua esperança de abrir seu próprio negócio no Rio.

A congolesa ainda dá expediente na rodoviária, e, quando não está vestindo o uniforme do trabalho, só usa as roupas coloridas que costura.
— Meu sonho é voltar a ter um ateliê. Após a Cáritas divulgar pelo Facebook que produzo roupas, muita gente me procurou — diz Claudine, que, em seu país, integrava uma organização que tentava afastar jovens da luta armada.

Saudades da família

Em poucos dias, Claudine vendeu 12 vestidos e uma dezena de saias. Hoje, ela já tem uma lista de espera de interessados em comprar suas roupas com desenhos étnicos. Os tecidos são importados da África. Os vestidos custam R$ 100 e, as saias, R$ 90. Para organizar as vendas, Claudine criou uma página no Facebook, a Heno-Tshio.

— É o nome de um dos meus três filhos — conta ela, que deixou os jovens sob os cuidados da mãe, na África. — Só nos falamos por telefone. Dá muita saudade.

Entre os latino-americanos que procuraram a Cáritas no ano passado está o casal colombiano Ninibe Forero e Leonardo Ruge. Os dois percorreram 14 mil quilômetros de Bogotá até o Rio num carro popular, acompanhados pelos três filhos. Foram nove meses até estacionarem aqui, onde pedem asilo político desde o fim do ano passado. A família vive num abrigo oferecido pela Igreja Católica. Apesar das dificuldades, Ninibe e Leonardo nunca deixaram de exercer sua profissão: os dois são pintores.

— Desde que chegamos ao Rio, vendemos seis quadros pequenos e apenas um grande. Trouxemos um bom material, incluindo tintas e telas, para produzirmos um bom número de obras, mas precisamos de um lugar para exibir nossos quadros, o que é complicado — afirma Leonardo, que tem uma predileção por cavalos, enquanto Ninibe adora pintar palhaços.

A família veio para o Rio depois de sofrer ameaças de morte de um grupo paramilitar de extrema-direita da Colômbia. Eles acabaram se tornando os primeiros refugiados que chegaram ao país no próprio carro. Helena Chermont, advogada da Cáritas, explica que, como nunca houve um caso semelhante, é difícil saber como agir:

— Enviamos o caso para o Ministério da Justiça, para que o órgão nos oriente. Também procuramos o Detran para sabermos como fica a situação do carro.
Enquanto a questão não é resolvida, o Chery verde com placa de Bogotá tem ajudado os colombianos a carregar os quadros. Eles também criaram uma página no Facebook, a Expressartelibre, para vender as obras.

Segundo a Cáritas, muitos refugiados se tornam micro-empreendedores e vendem comidas típicas de seus países (é o caso da maioria dos sírios). Muitos também estão em setores do mercado de trabalho que não exigem formação ou especialização, como a construção civil, o comércio e a área de limpeza.

Simone Candida

(Extra – 06/03/2016)