Conhecida por sua diversidade de imigrações europeias, região do Brasil discrimina haitianos.

O Brasil não é de todo um lugar acolhedor. Ao contrário de sua imagem como “um país de todos”, provindo de seu histórico de miscigenações, a região Sul nos oferece uma interessante análise deste paradoxo.

Escolhido como principal destino de migrantes haitianos, o Sul, que se define como um polo de imigração, discrimina estrangeiros negros, ressaltando a “superioridade” europeia em contraposição a imigrantes advindos da América Latina.

O alto fluxo é explicado não apenas pelo terremoto que atingiu o país em 2010, mas também pela pobreza extrema e anos de instabilidade política, reflexo da ditadura Duvalier. Como agravante, o furacão Matthew, ocorrido em 2016, matou 900 pessoas e, segundo o Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), 1,4 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária.

Como consequência, o Haiti, com população composta por 95% de negros, apresenta emigração de seus habitantes para a região do Brasil com maior proporção de brancos (84%). O resultado desses fatores, em 2016, foi a emigração de 3.234 pessoas que deixaram o território brasileiro – escolhendo Chile e EUA como principais destinos – pela falta de oportunidades e pelas condições degradantes de trabalho.

De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação de Tecelagem de Blumenau (Sintrafite), Vivian Bertolde, os cargos ocupados pelos imigrantes são justamente o que os brasileiros não querem. Há, ainda, a despreocupação em considerar o nível de educação dos haitianos, julgando-os como desqualificados enquanto muitos têm curso superior em seu país de origem. É identificado, portanto, um racismo velado, acarretando na inserção destes em subempregos.

Em 2013, os haitianos se tornaram o grupo majoritário de imigrantes no mercado de trabalho formal segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Para que, ao chegarem, não fiquem vulneráveis sem emprego e sem moradia, a Superintendência agiliza o processo de emissão da carteira de trabalho, tendo prazo de, no máximo, dois dias.

Na maioria dos casos, trabalhar sem carteira assinada representa um risco – relacionado à exploração e supressão de direitos trabalhistas – e muitos haitianos relatam dificuldades por não dominarem o português. Com salários ínfimos e jornadas exaustivas até em empregos formais, muitos relatam o desejo de retornarem ao Haiti ou procurarem países que falem francês, decepcionados com a falsa promessa de melhorias no Brasil.

Não só discriminados no mercado de trabalho, imigrantes negros também lidam com forte repressão policial. Muitos são impedidos de instalarem comércios nas ruas, tendo de recorrer ao pagamento de taxas em shoppings locais como única opção.

Para melhoria das condições de vida desses grupos marginalizados no Sul, há mobilizações que devem ser ressaltadas. A Pastoral, apesar da falta de estrutura e equipe adequada, trabalha, incessantemente, no auxílio de emissão de documentos e procura por vagas de emprego. Em 2015, foi criado o Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes e Refugiados (CRAI) pelo Ministério da Justiça, Governo do Estado de Santa Catarina e Prefeitura de Florianópolis. Também foi implementado, pelo Governo, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-SC) com objetivo de defender os Direitos Humanos e promover a igualdade de direitos civis, culturais econômicos e sociais. Já no âmbito educacional, por meio de reivindicações do Grupo de Estudos em Mobilidade Humana Internacional (MIGRAIDH), fundado pela professora da UFSM, Giuliana Redin, foram reservadas 5% das vagas a imigrantes e refugiados para o ingresso no ensino superior, cursos técnicos e tecnólogos e pós-graduação (com variação da quantidade em cada curso).

Mudanças como essas e atitudes acolhedoras da população já demonstram um grande avanço na integração dos haitianos, mas ainda é preciso desconstruir ideias que sustentam o racismo velado. Há, portanto, uma demanda de maior tempo, pois exige mudança de valores de uma sociedade que não admite a variedade de migrações para além da europeia.

Nathália Barbosa

(A partir de MARUIM – 17/03/2017)