Da cidadania universal à limitação de direitos de apátridas e refugiados.
Surgiu no cenário jurídico mundial, com o advento da Primeira Guerra, o questionamento sobre o que define um refugiado. Seguindo o expressivo aumento de fluxos migratórios na Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização Internacional dos Refugiados em 1946. Nesse contexto, para garantir a plenitude dos direitos e gozo das liberdades individuais aos refugiados, estabelecendo responsabilidades às nações, foi criada a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados em 1951 – também conhecida como Convenção de Genebra. Esta foi incorporada em 1960 no Brasil e a monitoração de seu cumprimento é realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), também criado em 1951.
Tal movimentação jurídica e política acompanha conceitos ora iluministas – principalmente europeus –, ora humanistas – típicos de intelectuais que representaram resistência frente ao nazismo, como no caso de Hannah Arendt. Para justificar ou racionalizar as colonizações europeias, o filósofo Kant enuncia a ideia de uma cidadania universal, que dá a todos a plenitude dos direitos humanos consagrados, sempre, em todo o lugar do planeta. Já com a perseguição a determinadas classes, religiões e etnias, Hannah Arendt amplia tal teoria, enfatizando que tal gozo independe da história particular de cada um e que todos devem ter acesso à igualdade, à dignidade, justiça, liberdade de expressão e exercício da cidadania completa e incondicional.
Para atender à questão de cidadania universal e de direitos internacionais, no Brasil, foi decretada a Lei 9.474/97, que reconhece como refugiado todo indivíduo que devido a fundados temores de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país, podendo a condição ser estendida a membros do grupo familiar dependentes economicamente e presentes em território nacional. Além disso, foi incorporada, em 2002, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, que garante a naturalização, o pleno exercício dos direitos civis e a expedição de documentos de identidade a pessoas sem nacionalidade em limbo normativo, perda de nacionalidade decorrente de perseguição política ou sem nacionalidade por não terem nascido em lugar reconhecido territorialmente.
O requerimento do refúgio deve começar, formalmente, com a Polícia Federal, mas devido ao estigma de ameaça atribuído a estrangeiros e permanência da rejeição a imigrantes devido à ênfase em políticas de segurança nacional marginalizantes, fruto do Estatuto do Estrangeiro criado durante a ditadura militar, o processo começa pela procura a Caritas Arquidiocesana (ONG dedicada às atividades de assistência e proteção de refugiados no Brasil).
Durante a tramitação, a Defensoria Pública da União possui papel fundamental na atuação em reuniões do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), entrevistas com refugiados nos processos de solicitação, garantia de prerrogativas de vista, intimação pessoal e prazo em dobro, emissão de carteira de trabalho e motivação das decisões de indeferimento dos pedidos de refúgio. Em seu caráter mais autônomo, pode, ainda, garantir vaga em creche para criança refugiada sem documento e/ou em situação de risco, obter medicamentos e garantir reconhecimento de guarda a responsável refugiado sem documento. Portanto, é de extrema importância o aprimoramento de estratégias para esforços direcionados a refúgio de Defensorias por todo o país, justificado pelo aumento de solicitações de refúgio de 2.868% nos últimos cinco anos.
Vale ressaltar que toda a assistência da DPU independe da existência de documentos dos refugiados (artigo 43 da Lei 9474/97). Já a decisão de reconhecer ou não a condição de refugiado compete ao Conare, cabendo recurso ao Ministro da Justiça. Mesmo em caso negativo, fica vedado o retorno do estrangeiro a seu país de nacionalidade ou de residência habitual caso permaneçam condições que ponham risco à sua vida, integridade física, liberdade e, em suma, sua dignidade humana. Em caso positivo, o sujeito terá reconhecida sua residência permanente e será expedido o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE).
Em contrapartida aos reconhecidos esforços brasileiros para administração da crescente entrada de refugiados, garantindo-lhes acesso a direitos civis, uma discussão que reivindica mudanças no Estatuto do Estrangeiro (1980) põe em dúvida a plenitude de tal proteção internacional. Se, por um lado, o estrangeiro adquire o direito de estar no país, por outro, fica vedada sua participação em manifestações políticas. Logo, quando se submete ao jugo da maioria – os cidadãos nacionais – sua cultura e suas demandas são, muitas vezes, abafadas por discriminações e injustiças, devendo adaptar-se, de forma opressiva e de negação simbólica, a ordem local. Cabe, à DPU, avançar nas garantias, a longo prazo, de direitos a apátridas e refugiados no âmbito político, social e cultural.
Nathália Barbosa