Impulsionado pela chegada dos venezuelanos, Brasil recebeu quase 34 mil pedidos de refúgio em 2017, mas menos de 4% deles foram analisados pelo Conare. Desse pequeno número, 40,1% foram aprovados em uma espera que pode durar 2 anos. 

G1 fila
Venezuelanos fazem fila para receber atendimento na sede da Polícia Federal em Boa Vista (Foto: Emily Costa/ G1 RR/Arquivo)

O G1 fez um levantamento junto ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e diagnosticou que nunca houve tantos pedidos de refúgio no país como em 2017: 33.866. Com o número triplicado em relação a 2016, a matéria destaca a presença de 14 funcionários no Conare responsáveis por diminuir uma fila que já alcança 86 mil estrangeiros em busca de status de refugiado no Brasil. Pode ser considerado um avanço frente aos 7 que trabalhavam até 2016, mas um número pequeno para quem tem que esperar em média 2 anos para conseguir seu documento.

Enquanto esperam, os solicitantes recebem um protocolo provisório e podem acessar direitos básicos, como o sistema de saúde e educação e ter uma carteira de trabalho. Mas na maioria dos casos tem havido recusa porque o Conare não tem considerado refúgio casos equivalentes à migração econômica.

Mas o que compreende o refúgio?

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), são aqueles casos motivados por “fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”. Para o Conare, alguns casos não se encaixam nisso, mas sempre há precedentes quando a crise de um país leva à fome e à miséria, o que pode corresponder a um desrespeito aos direitos humanos – alocados como ‘refugiados econômicos’. Esta situação pode corresponder a caso de venezuelanos, que alegam falta de acesso a medicamentos e mantimentos, segundo afirma Marcelo Haydu, diretor-executivo do Instituto Adus, ao site.

O G1 explica, a partir de levantamento com o órgão, que o solicitante pode recorrer ao pedido negado ou mesmo encontrar outras formas de permanecer regularmente* no país. Um visto de trabalho, um casamento ou a anistia, concedido pelo governo, podem tirá-lo da marginalização jurídica.

Um dos pontos positivos é a nova Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017), que substitui o Estatuto do Estrangeiro. Por exemplo, a nova legislação prevê a isenção de taxas para a regularização de estrangeiros no país. Antes, muitos imigrantes buscavam pedidos de refúgio motivados pela gratuidade exclusiva desse processo. Agora, haverá desafogamento, sugere o Conare.

Abaixo, reproduzimos uma história de vida descrita em uma das matérias do G1 utilizadas nessa postagem.

Do Burundi para o Brasil

Ao chegar no Brasil, M. e seus cinco filhos receberam apoio da Cáritas de São Paulo, entidade que presta serviços de acolhida e integração a refugiados, para fazer o pedido de refúgio e foram encaminhados a um abrigo na Vila Prudente. Matriculou os filhos em uma escola da região. “Foi difícil no começo porque eles não falavam português. Nos três primeiros meses tiveram só aulas de português na escola. Mas eles se deram muito bem, hoje falam português, alguns até esqueceram o francês”, conta.

Ela também fez aulas de português – na Cáritas e depois com um professor particular, pago por um grupo de amigos – e diz que entende bem a nova língua e fala com seus filhos em casa, apesar de ainda sentir dificuldade para conversar com brasileiros.

Carteira assinada

Um ano depois de chegar ao Brasil, M. conseguiu um trabalho de “bico” em uma empresa que produz sacolas e saiu do abrigo “porque lá existiam pessoas que brigavam”. Com apoio de funcionários do abrigo, se mudou para uma casa em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, onde mora até hoje. Em agosto de 2017 perdeu o emprego porque a empresa fechou.

Após cinco meses desempregada, acaba de ser contratada para trabalhar na equipe de limpeza de uma loja em um shopping de São Paulo. “Vai ser minha primeira vez com carteira assinada. Estou muito feliz”, diz. No Burundi, ela tinha um comércio.

M. faz o acompanhamento médico de um tumor na região do colo em um hospital na Zona Norte de São Paulo. Fez uma biópsia em outubro e apenas na semana passada recebeu os resultados, mas ainda vai precisar se consultar com o médico da UBS de seu bairro para que ele analise e lhe explique o resultado. Ela afirma que a pior parte do sistema público de saúde brasileiro é a grande espera, mas acha o atendimento muito bom.

Dificuldade

M. diz que já enfrentou um problema por ainda não ter o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), que é entregue após o refúgio ser concedido. Em maio do ano passado, sua mãe morreu em Ruanda, e ela queria viajar para participar do enterro.

A regra do Conare diz que o solicitante de refúgio pode sair apenas uma vez do país, por no máximo 90 dias, e deve comunicar o órgão sobre sua viagem. No entanto, M. diz que foi informada de que não poderia sair do país.

“Fui à Polícia Federal, mas me disseram que, se saísse do Brasil, não poderia voltar. Então estou presa aqui, a gente não está livre. Meus amigos iam me dar a passagem de avião [para ir ao enterro da mãe], mas por causa da falta do RNE, tive que ficar”, conta.

M. diz que ela e seus filhos gostam muito de viver no Brasil. “Tenho amigos aqui. Adoro as festas, aqui tem muitas festas, a gente se diverte com muita facilidade. Meus filhos adoram ir aos parques, se divertem muito.”

 

Foto G1 Burundi
Mulher caminha com um menino por uma vila perto de Bujumbura, no Burundi (Foto: Goran Tomasevic/Reuters)

*Não concordamos com o termo ‘ilegalidade’, cunhado pelo site, pois se trata de uma subjugação dos corpos que transitam pelos territórios em busca de melhores condições de vida, ou mesmo, em busca de sobrevivência. 

Otávio Ávila

Com informações do site G1: matéria de Marina Franco, 03/03/2018; e matéria de Gabriela Bazzo, 03/03/2018.