25% dos moradores do Edifício Wilton Paes de Almeida eram oriundos de outros países, confirmou a Prefeitura de São Paulo em cadastramento das famílias.

Nas primeiras horas de maio, um incêndio começou em um dos edifícios do centro de São Paulo. Perto das 3h da manhã ele veio abaixo. Não era um prédio de residências convencionais, tratava-se de uma ocupação realizada pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), onde centenas de famílias viviam em um dos marcos arquitetônicos da cidade, tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), segundo informou a BBC.

A tragédia, que teve ampla cobertura da mídia no feriado do Dia do Trabalhador, demonstra a precariedade que as grandes cidades enfrentam. Guetos verticais encrustados no meio das metrópoles se multiplicam frente ao deficit habitacional que a desigualdade social impõe. Nessa conjunção de problemas, as moradias não oferecem condições necessárias para a dignidade da vida,  ainda dificultadas pela jurisdição imobiliária que as caracterizam como ilegais.

Neste meio estão imigrantes e refugiados. Sem oportunidades de trabalho e encarando altos aluguéis, muitos encontram as moradias irregulares como a única forma de sobrevivência. Uma matéria da EBC, de 04/10/15, relata o caso do camaronês Alfred Ngalla, de 30 anos à época. Segundo relato da matéria:

Quando um oficial de justiça e policiais militares vieram comunicar a ordem de despejo, Alfred Ngalla, de 30 anos, não entendeu nada. O camaronês havia chegado há poucas semanas no Brasil e não compreendia o português. Com pouco dinheiro, conseguiu um quarto em um prédio, sem saber que era uma ocupação, onde pagava apenas uma ajuda de custo para manutenção do edifício. Um valor muito abaixo dos alugueis das regiões mais bem localizadas da capital paulista, proibitivos para o seu orçamento. “Ficava no centro da cidade. Eu não sabia que tinha problema com aqueles imóveis”, conta Ngalla.

A relação entre estrangeiros e movimentos sociais que lutam por moradia se aproxima em muitos casos. A principal motivação é a necessidade básica de ter onde morar. Na mesma matéria, há o relato de outro imigrante:

Enquanto a experiência de Ngalla foi acidental, o congolês Pitchou Luambo, de 34 anos, ingressou no movimento de moradia por convicção. “Eu gostei de ficar na ocupação, para reivindicar os nossos direitos”, disse o advogado refugiado, que está há cinco anos no país. “Você chega, vê a filosofia do movimento. Não é só para ter o seu lugar para dormir”, diz sobre a participação no Movimento dos Sem Teto no Centro (MSTC).

Algumas dessas experiências geraram grupos como o Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo, o GRIST. Desde 2014 seus membros promovem eventos para sensibilizar a comunidade a respeito do fenômeno migratório que movimenta a vida de grandes capitais, especialmente a paulista.

Mesmo com as iniciativas, há milhares de imigrantes e nacionais que precisam de mais. A crise econômica e a especulação imobiliária afastam as possibilidades de uma vida independente. Sem isso, restam as ocupações. A cobrança de valores de aluguel abaixo do mercado – entre R$150 e R$400 – era opção do movimento, mas há controvérsias nessa forma de manutenção financeira. Segundo a nota publicada em resposta a acusações difamatórias, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) informou que não pratica esse tipo de cobrança. E aproveitou para criticar o Governo Federal pelo repasse de apenas 9% do valor total destinado à moradia. Mesmo com o aluguel havia uma rotatividade muito grande de pessoas, vazamentos nas tubulações de água e nas paredes, também mofadas. Ratos, baratas, preservativos e seringas eram encontrados frequentemente, junto ao lixo nem sempre recolhido, conforme afirmou o repórter da BBC Brasil Felipe Souza, quando esteve por lá em 2015.

Além desses imigrantes que perderam o que tinham, mais imigrantes podem ser lembrados nessa tragédia. Junto ao prédio, uma centenária Igreja Luterana foi destruída. Ela tinha sido fundada por imigrantes alemães e recentemente havia passado por uma reforma que custou R$1,3 milhão. E outro imigrante pode ser lembrado: Roger Zmekhol (1928-1976), o arquiteto do Edifício Wilton Paes de Almeida. Filho de imigrantes sírios, Zmerkhol, nasceu em Paris e veio para o Brasil ainda criança. Ele era professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo, conforme levantou a BBC. O prédio, apelidado de “pele de vidro” pela enorme fachada envidraçada, também era respeitado no mundo da arquitetura pela influência minimalista de vanguarda. Já não existe mais.

Otávio Ávila

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Crédito: FELIPE VILLELA/BBC
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Crédito: O edifício Wilton Paes de Almeida, em registro de 1965, retratado na extinta revista ‘Acropóle / ACRÓPOLE
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Crédito: A torre do edifício Wilton Paes de Almeida (à esq.), no Largo do Paissandu, vista da Galeria do Rock, em São Paulo, em 2014 / GUSTAVO CEDRONI