Ser haitiano é um devir diaspórico, e o Brasil é um lugar de passagem e de residência, tornando-se uma das wout (“rotas”, em crioulo haitiano) para muitos haitianos que buscam uma vida plena (chache lavi). A afirmação foi feita por Mélanie Montinard, cofundadora da Mawon, durante palestra para os alunos da disciplina “As migrações transnacionais entre teoria e mundo da vida: a perspectiva dos pesquisadores e pesquisados”, do prof. Dr. Mohammed Elhajji, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Mélanie, a Mawon “materializou esse devir diaspórico, que é o ideal de mudança”.
Pesquisadora da área de migrações, Mélanie explicou que a Mawon é um negócio que pretende facilitar a vida de imigrantes no Brasil, por meio de uma abordagem intercultural, fazendo frente às dificuldades nos trâmites burocráticos, linguísticos ou culturais. É, portanto, um atendimento que inclui questões de regularização e integração, e que conta com uma rede de contatos para encontrar soluções para essas questões. Sua experiência em relação às dinâmicas da mobilidade haitiana tornou-se tema de sua tese de doutorado.
Francesa, casada com o haitiano Bob Montinard, com quem tem dois filhos, Mélanie veio com a família para o Brasil em 2010, após o terremoto que causou grandes danos ao Haiti, mas mantém laços com o país de origem de seu marido. Na casa de Mélanie aqui no Brasil, falam português, francês e crioulo, mas ela destaca que algumas palavras são únicas em determinados idiomas e difíceis de encontrar tradução. É o caso da palavra “saudade”.
Em sua pesquisa, Mélanie propõe analisar os deslocamentos que se somam entre lugar de origem, de passagem e de chegada, ou seja, os vaivéns, e as complexidades ligadas à essa mobilidade, como aspectos jurídicos e políticos, a alteração das redes de apoio, e a busca para definir o lugar das emoções. O contato direto da pesquisadora com haitianos enriqueceu o trabalho etnográfico, muitas vezes confrontado, porém, com os diversos “eus” de Mélanie.
A jovem europeia e migrante vivendo no Brasil, imersa em redes e em políticas públicas, citou Bourdieu, que descreveu seu método de pesquisa como uma forma de escuta ativa e armada, exigindo uma postura aparentemente contraditória. A pesquisadora e “nativa”, portanto, tem um vasto campo de investigação de movimentos de um universo social em que, a deportação para casa – o Haiti –, é sinônimo de fracassar na busca por um chache lavi vinculado ao destino de ser diáspora.
Por Fernanda Paraguassu