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Mauro Band. Foto: Facebook/reprodução pessoal

Toda quinta-feira, a aula ministrada pelo prof. Dr. Mohammed ElHajji na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “As migrações transnacionais entre teoria e mundo da vida: a perspectiva dos pesquisadores e pesquisados”, recebe a visita de pessoas envolvidas na nossa realidade migratória. Mauro Band foi o convidado da semana passada junto à mestranda Júlia Motta. Ele preside a Associação Scholem Aleichem (ASA), no Rio de Janeiro, e tem formação em Administração e Sociologia.

Os alunos receberam uma aula sobre a história da migração judaica ao Brasil, contemplada com as experiências do próprio Mauro, neto de judeus poloneses que migraram ao Brasil há pouco mais de 90 anos fugindo das consequências e da perseguição da Primeira Guerra Mundial. Seus avós, camponeses, chegaram ao Rio de Janeiro pouco antes da Era Vargas, em 1924, e afirmou que dentro daquele governo já existiam forças fascistas contra a migração estrangeira, incluindo a judaica.

Mesmo não religioso, o presidente da ASA explica que o judaísmo permeia a sua vida e o entorno no qual ele se desenvolve, pois esta identidade ultrapassa o campo da religião. No decorrer da exposição, explicou que no século XVII, no período chamado “Brasil Holandês” – que tinha forte presença no nordeste brasileiro -, os judeus voltaram a viver em paz já que não precisavam esconder sua origem e nem sua religião, um fato estranho comparado à perseguição histórica do judaísmo no mundo, e que voltou a acontecer em outros momentos da história brasileira.

Mauro lembrou que, com a chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, em 1808, chegou também com ela a abertura dos portos que projetou uma nova leva de migrantes, entre eles judeus do norte da África, que vieram trabalhar principalmente no Ciclo da Borracha, majoritariamente em cidades como Manaus e Belém, estabelecendo e criando uma comunidade muito mais presente no multicultural Brasil que se formava.

Entre as duas grandes guerras mundiais, um terço dos judeus se encontrava na Polônia, mas também na Ucrânia, Hungria, República Tcheca, Áustria, Romênia e Rússia, de onde provinham muitos dos imigrantes ao Brasil. Essa diversidade resultou na criação da Biblioteca Scholem Aleichem, em 1915, localizada primeiro na Praça Onze, a mesma que teve importante participação junto à comunidade negra e que, como Band comentou, representou uma união sem precedentes entre ambas comunidades. Tanto negros quanto judeus compartilharam a rejeição social.

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Scholem Aleichem é o pseudônimo do escritor judeu ucraniano Scholem Rabinovitch (1859-1916). É carinhosamente chamado de “o neto da literatura ídish”. Foto e texto: ASA

Na opinião do presidente da ASA, o fato de ser judeu carrega o significado de resiliência, a capacidade de resistência e até teimosia por ocupar um lugar no mundo e ser parte ativa da mudança e da inclusão social. Considera que existem células ortodoxas, como em qualquer manifestação cultural e religiosa, mas que a palavra que define o povo judeu é “diversidade”, em toda a sua complexidade.

A conversa participativa de todos na aula provocou um debate que deixou entrever curiosidades como as dos sobrenomes Silva e Costa, populares no Brasil e que significam “selva” para aqueles migrantes que iam morar no interior do país e “costa” para os que ficavam perto do litoral, respectivamente. Pelo fato, ao menos 35% dos brasileiros devem ter alguma relação de parentesco judaico mesmo sem sabê-lo, brincou. De igual forma, explicou que o sobrenome Cohen, carrega um status ligado tradicionalmente aos estudiosos da religião nesta comunidade.

Ainda segundo ele, até o Holocausto (nomeado também como Shoah), o ídish era a língua que unia parte dos judeus e na ASA buscam retomar a cultura do idioma com aulas e eventos festivos. Hoje, a língua é falada por cerca de 2 milhões de pessoas ao redor do mundo. 

Segundo Band, a comunidade judaica no Brasil se encontra profundamente arraigada aos costumes e goza de liberdades nem sempre possíveis em outros tempos. Nesta comunidade, a ASA tem sido reconhecida por se posicionar como um grupo progressista em favor da igualdade de credos, dos povos migrantes e dos direitos humanos em geral.

Para entendermos melhor a empreitada judaica no Brasil, recomendou o documentário “A Estrela Oculta do Sertão”, de 2005, dirigido pela fotógrafa Elaine Eiger e pela jornalista e escritora Luize Valente e que conta com os depoimentos da historiadora da USP Anita Novinsky, entre outros. A obra aborda a realidade de uma comunidade esquecida no Rio Grande do Norte que ainda hoje mantém costumes judaicos dos chamados cristãos-novos, forçados a se converterem ao cristianismo durante o período da Inquisição portuguesa no final do século XV e acolhidos no período da ocupação holandesa.

No sentido mais amplo da expressão, a palestra foi uma viagem histórica paralela às experiências de vida dos antepassados de Mauro Band, assim como das histórias dos judeus que nasceram no Brasil. Não só deles, mas de todos aqueles que fugiram de perseguições em um mundo cujas regras do jogo se criam para e por alguns. Quem não se encaixar e opor-se a tal realidade precisa fugir e refugiar-se, procurando um futuro melhor, mais livre, diverso e humano. 

Victor Fuentes-Flores

 

Corrigimos: dissemos que após 1808 chegaram judeus emigrados do norte da África e da península ibérica, mas não há registros de portugueses e espanhóis imigrando ao Brasil por conta do crescente ciclo da borracha que levou judeus a se estabelecerem em cidades como Belém e Manaus. Também, o ídish não era uma língua que unia – em alguns casos ainda une – todos os judeus do mundo, mas apenas parte deles, especialmente aqueles provenientes de países e territórios como Polônia, Lituânia, antiga Bessarábia, Império Russo. (Agradecimento a Daniel Israel, assessor de comunicação da ASA).