Nós do site oestrangeiro.org conversamos com Vinícius Poletto e seus filhos, os venezuelanos Argelys Saharai (16) e Jesús Gabriel (18), que contaram um pouco da história deles para a gente. Pai solo e morador de Caxias do Sul (RS), Vinícius adotou Saha em 2019 e Jesus em 2020.
Envolvido em causas migratórias desde que se mudou, em 2015, para onde reside atualmente, Vinícius vem atuando diretamente no acolhimento de migrantes desde então. Perguntado sobre o motivo pelo qual é engajado no trabalho voluntário, ele responde: “Acho que me faz muito bem ajudar os outros, me faz evoluir, aprender, entender a realidade do outro, dentro da visão do outro, perceber que somos todos diferentes”.
Inicialmente, Vinícius acolheu em sua casa três senegaleses que viviam na cidade e precisavam de um lugar para morar. Um deles, Papa, morou com ele durante três anos e meio.
O primeiro contato de Vinícius com a comunidade venezuelana no Brasil se deu a partir de 2017, quando ele conheceu duas jovens venezuelanas no templo budista que frequenta em Três Coroas (RS). A instituição estava em contato com outro templo budista, da Venezuela, que as enviou para o Brasil. O templo é um lugar fechado, e María Fernanda e Noris queriam ir morar na cidade e buscar oportunidades profissionais por lá. As duas também foram recebidas e moraram durante quatro meses na casa de Vinícius.
O Coletivo Social ELO
“A gente tinha um grupo desde 2016 que fazia sopa para o pessoal de rua e ações em comunidades”, conta Vinícius. O Coletivo Social ELO vem ofertando, para moradores de rua, migrantes e moradores de comunidades, diferentes tipos de atividades, como aulas de violino, dança, reforço escolar e psicólogos. Por conta da pandemia, nos últimos tempos o trabalho do coletivo tem focado principalmente em doação de comida e de roupas.
“Chegou um momento em que a gente conversou, em que estavam ocorrendo muitos ataques xenofóbicos, principalmente em Manaus e em Pacaraima, então nós pensamos ‘vamos fazer alguma coisa?’, lembra Vinícius. Assim, o grupo começou a se mobilizar para receber venezuelanos em Caxias do Sul.
Os primeiros venezuelanos que chegaram a partir dessa inciativa foram um casal e uma família de sete pessoas. Uma dessas pessoas era Argelys Saharai, a Saha. Ela e Vinícius se conheceram na mediação dele junto a esse grupo de venezuelanos, durante a qual o Coletivo Social ELO montou uma casa para receber a família, além de auxiliar com diversas questões práticas, como por exemplo com assistência médica e acompanhamento nos estudos.


Saha, que à época tinha 14 anos, estava tendo problemas de adaptação ao Brasil e problemas familiares. Vinícius tentou intervir e a família começou a impedir que os dois se comunicassem. Um dia ele buscou Saha na escola e, junto com o Coletivo, entraram em contato com a mãe de Sarah, que morava na Venezuela. Depois de conversar com a mãe, foi acertado o acolhimento de Argelys Sarahai na casa de Vinícius, em setembro de 2019.
“Nós precisamos explicar a situação para muita gente que estava envolvida, desde órgãos como as Nações Unidas, que estavam acompanhando todo o processo migratório, até o Conselho Tutelar, Ministério Público, posto de saúde”, recorda Vinícius. Saha foi entrevistada pela ONU, que emitiu um parecer favorável à adoção, e nenhum processo burocrático relativo à justiça venezuelana precisou ser feito. Em outubro de 2020, Vinícius ganhou o termo de guarda de Saha na Justiça.
Natural de Maturín e hoje com 16 anos, Saha morou em Boa Vista antes de se mudar para Caxias do Sul. Sobre o Brasil, ela afirma: “Eu sempre tive interesse sobre coisas diferentes, coisas daqui. Tem muita diversidade, é muito legal. Para me adaptar demorou um pouco, mas foi muito bom ter tido a ajuda de várias pessoas [nesse processo]”.

Jesús Gabriel e Vinícius também se conheceram através do Coletivo Social ELO. Jesús veio de Maracaibo e chegou ao Brasil com sua mãe, que não se adaptou à vida no país. Ela decidiu voltar para a Venezuela e deixou por escrito a Vinícius um pedido para que adotasse Jesús e cuidasse dele. À época o jovem tinha 17 anos, mas logo depois chegou à maioridade. Por conta disso, não foi necessário um processo judicial pela guarda do jovem; há um consenso entre ambos para o estabelecimento do vínculo de filho e pai.
Antes de se mudar para Caxias do Sul, Jesús morou em Roraima durante um mês, onde reparou na grande quantidade de venezuelanos. Sobre viver no Brasil, ele conta: “Nunca tinha imaginado sair da Venezuela, muito menos ir para o Brasil. São bem diferentes a cultura, o clima, o idioma. Para mim, a experiência está sendo muito boa porque tive privilégios que outras pessoas não tiveram, como por exemplo muita ajuda da Organização Internacional para as Migrações (OIM)”.
Antes de serem irmãos, Saha e Jesús já se conheciam, porque frequentavam atividades do Coletivo ELO e o jovem visitava a casa de Vinícius. Com relação aos estudos, Sarah atualmente está tendo as aulas da escola à distância, porque a região de Caxias do Sul está atualmente classificada com bandeira preta – risco altíssimo para Covid-19. Já Jesus, que estudava em uma escola técnica na Venezuela, está esperando pelo início de suas aulas. Por conta das diferenças curriculares entre os dois países, ele está cursando o Ensino Médio novamente.
Além de Jesús e Sarah, atualmente vivem mais outros seis venezuelanos na casa de Vinícius. Uma mãe com quatro filhos de 18, 5, 8 e 2 anos, esse último nascido no Brasil, além de um jovem venezuelano de 19 anos. “Todos vivemos bem em nossa pequena comunidade, tendo as tarefas devidamente definidas para melhor organização e funcionamento”, conta Vinícius. “Todos contribuem para manter os espaços limpos e vivermos em um ambiente alegre”, completa ele.
O Coletivo Social ELO tem hoje uma casa mantida pelo grupo para receber migrantes, e o plano a longo prazo é criar mais espaços de acolhimento com a verba arrecadada pela iniciativa.
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João Paulo Rossini
Mestrando na Universidade de Lille 3 e Pesquisador do Diaspotics/UFRJ