A nova Lei de Migração completa hoje, dia 24/05, 4 anos de promulgação. Em meio a um complexo contexto de crise econômica, política e sanitária, que afeta diretamente a população migrante, existe o debate sobre o quanto a nova legislação efetivamente foi capaz de trazer avanços para a questão migratória em nosso país.

A Lei 13.445/2017 substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), legislação produzida ainda no período da ditadura civil-militar no Brasil, que pensava a migração sob a perspectiva da segurança nacional e considerava o migrante, mais do que um cidadão, um perigo potencial para o Estado.

A mobilização dos migrantes, refugiados e organizações ligadas à causa migratória teve como resultado a elaboração de uma nova legislação que estivesse mais em consonância com a Constituição Federal de 1988, promovendo os direitos humanos e buscando garantir o amplo direito à cidadania. Pontos fundamentais foram a criação do visto humanitário, o reconhecimento da condição de apátrida e a garantia ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de retirada compulsória [1]. Os migrantes estrangeiros passaram a ser equiparados aos brasileiros em relação à garantia dos direitos fundamentais, indo ao encontro do previsto na Carta Magna de 1988. Também passou a ser prevista a defesa dos interesses dos brasileiros no exterior.

Mas, ainda que a nova legislação seja um avanço em relação à anterior, a promoção dos direitos migratórios no Brasil ainda possui um longo caminho a percorrer. A aprovação da nova lei encontrou resistência na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em consonância a grupos sociais anti-imigrantes. A Lei 13.445/2017 acabou sendo promulgada pelo então presidente Michel Temer com uma série de vetos, como o da anistia aos imigrantes indocumentados que entraram no Brasil até de de julho de 2016 [3]. 

Em um artigo para o livro publicado no ano passado, que debate os três primeiros anos da promulgação da lei (acesse aqui), Karina Quintanilha e Patrícia Villen [2] lembram que o texto da Lei 13.445/2017, desde a sua entrada em vigor, tem sido atacado por uma série de regulamentos, decretos e portarias, como os casos do decreto n. 9.199/2017 e da portaria n. 770/2020 (que substituiu a portaria n. 666/2019), que prevê a deportação sumária para pessoas consideradas “perigosas”. “A coluna vertebral da Lei continua sendo o controle e, apesar dela ter uma face humana e de proteção de direitos, deixou brechas para restrições nas regularizações migratórias, por exemplo. Mas é um instrumento fundamental, haja vista a questão do auxílio emergencial e as várias batalhas referentes ao acesso à saúde e contra as deportações”, completou Quintanilha em conversa para oestrangeiro.org.

Algumas organizações, incluindo o Fronteiras Cruzadas, do qual faz parte Quintanilha, iniciativa interdisciplinar e projeto de extensão sobre migrações transnacionais, têm se debruçado nos últimos anos a acompanhar o caso da artista sul-africana Nduduzo Siba, presa no Brasil entre 2013 e 2017. “Eu caí em uma armação. Acreditei em alguém que não devia. Acabei indo para a prisão, acusada de tráfico de drogas”, testemunhou em uma atividade na Universidade de São Paulo (USP) em 2018 relatada pela Ponte. A veia artística só foi descoberta na reclusão com o projeto de ressocialização “Voz Própria”, vinculado ao Coral da USP e em parceria com a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo.

Testemunho da migrante para a Campanha #NduduzotemVoz

Segundo a pesquisadora e advogada consultada, o caso é exemplar frente aos desafios que ainda se apresentam para a efetivação da nova Lei de Migração, porque, mesmo o texto apresentando um dispositivo que resguarde a permanência do migrante em clara manifestação de ressocialização (constituição social e afetiva), Nduduzo continua a temer por sua permanência no Brasil, após o Ministério da Justiça recorrer da decisão da Justiça Federal que não autorizou a expulsão com base na nova legislação. Associada a essa ameaça, a sul-africana se vê limitada ao acesso básico de direitos por ter sua documentação negada pela situação que se arrasta.

Nduduzo Siba em testemunho ao projeto “Vídeo-Cartas: Conexões Migrantes”

Em suma, hoje é dia de celebrar a promulgação da nova Lei de Migração, reconhecendo ela como um avanço e resultado da mobilização dos migrantes, refugiados e entidades representativas na busca por mais direitos. No entanto, é importante lembrar que tal lei não encerra a reivindicação dos migrantes e refugiados por mais direitos, e que um país mais inclusivo passará por novas mudanças na nossa legislação migratória.  

[1] https://www.justica.gov.br/news/nova-lei-de-migracao-esta-em-vigor-para-facilitar-regularizacao-de-estrangeiros-no-brasil
[2] VILLEN, Patrícia e QUINTANILHA, Karina. A nova Lei de Migração (13.445/2017) como espelho de forças equivalentes. In: Nova Lei de Migração: os três primeiros anos,  São Paulo, FADISP, 2020
[3]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/05/25/nova-lei-de-migracao-e-sancionada-com-vetos

Sidney Dupeyrat de Santana e Otávio Ávila
Pesquisadores do Diaspotics