O fechamento das fronteiras internacionais durante a pandemia de Covid-19 é responsável por efeitos complexos em diferentes setores da economia – em especial o turismo internacional –, mas também na vida de casais pelo mundo todo. O contato limitado chegou a impedir a continuação de histórias de amor de muitos namorados e também de pessoas em união estável. Para juntar casais interculturais forçados a ficarem separados por conta da pandemia, no contexto global, foi criado o movimento Love is not tourism (Amor não é turismo). O objetivo é dar visibilidade para a necessidade dessas viagens que não podem ser consideradas turismo, por meio da divulgação de petições criadas em vários países, e pressionar governos a promoverem regras apropriadas para essa situação. 

Na União Europeia, o movimento vem ganhando mais força, pois durante a pandemia recomendou-se o veto da entrada de passageiros de países onde ela não estava sob controle. Diante disso, há apenas 14 países que têm livre acesso à Europa. Na América Latina, somente os uruguaios estão liberados para entrar lá. 

O grupo no Facebook Love is not Tourism Brazil, administrado por Gabi Rodrigues Tignon, com 1,8 mil membros, tem muitas informações relevantes relacionadas aos problemas decorrentes da Covid-19 e esclarecem dúvidas sobre diversos assuntos, como vacina, reunião familiar, sites dos consulados, consultoria de viagens, uniões estáveis. Uma pesquisa realizada pelo grupo1 revelou que os casais interculturais heteronormativos representam 96% do total de membros do grupo e homoafetivos, 4%. Os homens (em relacionamentos interculturais) representam 5,59%. De acordo com os dados coletados entre as mulheres em relacionamentos interculturais, a nacionalidade italiana tem o índice quantitativo mais significativo, de 26%; seguida da francesa, 14,73%; da portuguesa, 13,18%; da alemã, 12,40%; e da inglesa, 9,3%.  

Gráfico

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Figuras: Dados de acordo com a pesquisa realizada no grupo com uma amostragem de 129 respostas.

Entre os casais que enfrentam dificuldades por causa do fechamento das fronteiras, estão a colombiana Catalina Revollo Pardo e o companheiro peruano Martín. Catalina conta que, quando ficou separada do companheiro peruano, o grupo Love is not tourism foi uma excelente opção de ajuda. “O grupo foi importante para Martín, que estava na cidade e sentia falta das crianças. A gente não divulgou nada no grupo. Fomos silenciosos, sentindo um consolo e um apoio. Vimos que algumas pessoas já se encontravam. E essas histórias já traziam um pouco de ilusão para a gente”, afirma ela. 

Miguel Costa e Sonia Simón contaram que ficaram separados durante o primeiro ano da pandemia, sem um prazo definido, esperando a entrevista para o visto nos EUA. E, somente após um período de longa espera, conseguiram uma entrevista em abril deste ano. Eles fizeram a quarentena no México. Já morando nos Estados Unidos, postaram fotos no grupo Love is not tourism, com a seguinte frase: “vencemos a distância da pandemia e nos tornamos marido e mulher”. 

Elisa Cavallari Kalume também postou no grupo Love is not Tourism Brazil que está indo para a Escócia, sem passagem de volta, ficar com o marido. Mario Andrade2 contou que também conseguiu sair do Brasil e foi para a República Tcheca encontrar o companheiro. Ele disse que juntou provas, como fotos, e que foi necessário usar o “jeitinho” para “driblar” as barreiras da imigração. E faz um alerta para todos os casais na mesma situação: “depois que isso tudo passar, vá curtir seu amor”.

Catalina e Martín atravessados pela migração

Catalina e Martín vivem um relacionamento de pluri-pertencimento alternado entre três diferentes países: Colômbia, Brasil e Peru. Os dois se conheceram durante o curso de pós-graduação, no Rio de Janeiro. Ele é de ciências exatas e ela, de humanas. Depois de concluir o doutorado, Martín decidiu voltar ao Peru. E os dois continuaram juntos a distância. Nesse período, entre vindas e idas, entre o “translocamento” transnacional e translocal, decidiram ter um filho. 

Catalina e Martín: Casal depois que se encontraram, em novembro de 2020, após a abertura das fronteiras na Colômbia.

A situação durante a crise da pandemia gerou uma grande angústia. E, ao se ver sozinha na conjuntura de vida, que ela mesma ressaltou “atravessada pela migração”, e também na translocação entre Peru e Rio de Janeiro com os filhos, ela decidiu voltar à Colômbia. Na manhã de um sábado, logo após saber que as aulas de sua filha foram adiadas, ela comprou as passagens para ela e as crianças. Na segunda-feira seguinte, conseguiu numa reunião com o consulado o passaporte de emergência para o bebê.

Aliviada, conseguiu viajar para a Colômbia. Mas o companheiro teve que ficar alguns dias no Rio até conseguir um voo humanitário, saindo de São Paulo para o Peru. Com o fechamento de fronteiras, ele não podia entrar na Colômbia, nem ela no Peru. 

Na conjuntura atual marcada pela crise sanitária, os dois não conseguiram se ver nas férias, como de costume, porque a Colômbia ainda não abriu as fronteiras. Diante dessa situação de separação familiar pelas entidades governamentais, Martín conheceu o grupo Love is not Tourism e observou que havia milhares de pessoas na mesma situação, separadas pela pandemia. Acompanhar as histórias dessas pessoas o confortou. Para ele, os milhares de vistos de turismo negados durante a pandemia seriam fundamentais para esse trânsito de entrar e sair, principalmente, em caso de vínculos amorosos e familiares.  

Catalina ressalta que o grupo tem privilégios comparando aos outros imigrantes, “talvez pela situação econômica dos participantes de poder transitar entre diversos países”.  Ela acredita que o amor e a família não podem ser considerados como turistas voluntários. “Essas pessoas vão continuar migrando, mesmo com os bloqueios, vão continuar migrando, tentando achar soluções possíveis. Love is not tourism”, concluiu.

Agradeço especialmente a todos os entrevistados que compartilharam suas histórias de vida, como também a todos do Grupo Love is not Tourism Brazil. 

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1 As respostas que obtivemos até a data da publicação do artigo, pois as informações ocorrem de maneira contínua. 

2 Nome fictício para preservar a identidade. 

Catarina Gonçalves
Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ e membra do Diaspotics.