Em 28 de abril deu-se início à greve nacional colombiana que leva mais de 15 dias de protestos legítimos contra o governo neoliberal do presidente Ivan Duque, que respondeu com mortes, agressões sexuais, torturas e repressão. Neste contexto, há mais de 40 pessoas assassinadas, segundo o último informe do Instituto de Estudios para el Desarrollo y la Paz (Indepaz), em 12 de maio, no qual foram cruzados os dados da Temblores ONG e da REDDHFIC. Também no comunicado do Idepaz e da Temblores ONG do último domingo (09/05), foi informado que haviam sido registradas 963 detenções arbitrárias por parte da força pública, 12 casos de violência sexual (todos dirigidos a mulheres), 548 pessoas desaparecidas, 28 vítimas de feridas nos olhos, 1.876 fatos violentos e 278 agressões por parte da polícia. As fontes para a elaboração do comunicado foram a Defensoria del Pueblo, juntamente a organizações sociais defensoras dos direitos humanos, como a Plataforma Grita, Temblores ONG, Red de Derechos Humanos Francisco Isaías Cifuentes, Campaña Defender la Libertad Prensa, entre outras.

Os motivos das reivindicações

O governo colombiano promoveu uma reforma tributária no meio da pandemia, que geraria mais desemprego, pobreza e fome porque viria a afetar principalmente as classes populares e médias, culminando no aumento da desigualdade social. A proposta contemplava ampliar a declaração de imposto de renda para quem ganha mais de 2,4 milhões de pesos (aproximadamente 650 dólares), uma medida polêmica num país onde o salário mínimo é o equivalente a 248 dólares. A cobrança do IVA (Imposto sobre o valor agregado) do 19%, para os  serviços públicos de luz, água, gás natural e esgoto nos bairros de  estratos sociais 4, 5 e 6. Este imposto também estava contemplado para a água mineral natural ou artificial e com gás sem adição de açúcar ou outro edulcorante nem aromatizada, gelo e neve. Também cobrar tributos nos serviços funerários no contexto da crise sanitária gerada pela pandemia. Paralelamente, para a indústria de alimentos também estava contemplado um IVA para os insumos da cadeia produtiva de alimentos. E o imposto de 19% para a gasolina e ACPM, também com aumento das suas sobretaxas, que aumentariam os custos de serviços de transporte, entre outros.

Fazendo o uso legítimo do direito ao protesto, a população saiu para marchar nas cidades e pequenos municípios, nas áreas rurais e urbanas, com atos artísticos e culturais como rejeição à proposta do governo.

Protesto contra a brutalidade policial durante a paralisação nacional, em 1º de maio. Crédito: El País/Ivan Valencia.

A proposta da reforma tributária já foi retirada, mas há outros motivos para a manutenção da greve. Face à reação do governo nacional e sua força pública, o primeiro deles é o respeito ao direito à mobilização, ao protesto social e a detenção aos ataques aos manifestantes. A força pública não deve atacar civis nem desencadear os atos violentos que a população vem assistindo. Outras razões para manter a greve são: 1. Exigir que seja retirado o projeto de lei 010 de saúde e que se fortaleça um plano massivo de vacinação contra a Covid-19. 2. Garantir uma renda básica de pelo menos um salário mínimo legal mensal. 3. Defesa da produção nacional (agropecuária, industrial, artesanal, camponesa). 4. Subsídios às MiPymes (pequena empresa) e emprego com direitos e uma política que defenda a soberania e segurança alimentar. 5. Matrícula zero e não à alternância educativa. 6. Não discriminação de gênero, diversidade sexual e étnica. 7. Não às privatizações e derrogatória do decreto 1174 (reconhecida pela oposição como uma reforma laboral disfarçada). 8. Deter as erradicações forçadas dos cultivos de uso ilícito e as aspersões aéreas com glifosato.

Por outro lado, a decisão de militarizar a cidade de Cali e as consequências dessa repressão violenta para a população, demonstram de forma reiterada que os compromissos e prioridades do governo e a força pública são contrários à defesa da vida e a dignidade das pessoas e os territórios, antes e durante a pandemia. Os projetos de extermínio, silenciamento e enfraquecimento do tecido social seguem instaurados na política nacional, colocando como alvos principais a juventude, os povos indígenas, comunidades negras, as mulheres, pessoas LGBTI, migrantes, líderes e lideranças dos direitos humanos, bem como as crianças.

Contra todos esses setores houve ataques diretos e indiretos pois todos eles se manifestaram durante a greve (Nota: De acordo com fontes acima mencionadas, foram 10 indígenas feridos, mais de 12 de casos de violência sexual contra mulheres, incluindo o caso mais recente no qual, ao parecer, uma mulher menor de idade foi abusada sexualmente após ser detida por membros Escuadrón Móvil Antidisturbios-ESMAD e posteriormente cometeu suicídio). A situação de saúde pública, devido à pandemia pela Covid-19, segue abrindo as feridas mais profundas e dolorosas para o povo, que tem pagado todas as consequências das péssimas decisões dos governantes.

No contexto desse chamado “SOS Colômbia”, diferentes comunidades de migrantes e pessoas em condição de refúgio da Colômbia e outras nacionalidades, movimentos sociais e organizações internacionais manifestaram seu apoio à greve nacional no país e amplificaram o grito nas ruas e praças do mundo. No Brasil, foram convocados atos em Brasília, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Viçosa.

O grito “SOS Colômbia” pelo Brasil

Conversamos com Jhon Fredy Laverde Rios, um dos organizadores dos atos que apoiam a greve da Colômbia no Rio de Janeiro. Após ver os materiais circulando nas redes sociais dos atos de violência extrema por parte do ESMAD da polícia colombiana contra os manifestantes nas jornadas da greve, ele conversou com outro compatriota que mora no Rio de Janeiro e iniciou grupos no Whatsapp e Facebook chamados Marcha por Colombia RJ. O objetivo, que foi concretizado, era iniciar uma convocação massiva às colombianas e colombianos no Rio para protestar no Brasil e assim fazer saber às/aos companheiras/os na Colômbia que apoiam o processo desde o estrangeiro.

A primeira convocatória foi no dia 5 de maio, na praia do Arpoador (Ipanema), e participaram aproximadamente 100 pessoas. A manifestação começou com um protesto na pracinha do Arpoador e seguiu pelas ruas de Copacabana (zona sul carioca) até o hotel Copacabana Palace. John afirmou que marchavam cantando arengas (cânticos e expressões de protesto), mas com muito respeito pela cidade que os têm acolhido e não tem responsabilidade pelo que está acontecendo na Colômbia. No domingo (9), outro ato foi convocado no Aterro do Flamengo, unindo-se à ampla convocação para as manifestações em apoio à greve no exterior. Este ato foi menor que o anterior, mas também superou as 80 pessoas. Jhon sentiu que foi muito importante amplificar ao mundo o que está acontecendo na Colômbia e homenagear às/aos jovens guerreiras/os que estão lutando pelos nossos direitos e expressar que não queremos mais sangue derramado, nem um governo corrupto e leis miseráveis que empobrecem os cidadãos. Ele considerou que a jornada superou as expectativas, configurando-se em um momento especial de reencontro entre compatriotas para compartilhar sua dor e luta desde o exterior.

Testemunho dos coletivos: Coletivo Rueda La Palabra Paz

Um dos coletivos que convocaram os atos em São Paulo é o Coletivo Rueda La Palabra Paz [Roda Palavra Paz], ativo desde 2018, e no qual participam colombianas e colombianos, majoritariamente pesquisadores da USP de ciências sociais e humanas, embora participem também estudantes de outras universidades, professores e pesquisadores com trajetórias distintas. Seus temas de interesse são a implementação integral do acordo de paz, a denúncia dos assassinatos de líderes sociais e a migração e o exílio. O Coletivo tem atuado em São Paulo ininterruptamente com intervenções urbanas, eventos e publicações e destacam que muitas pessoas já tinham experiências participativas em “eventos colombianos”, como o circuito cultural ou as manifestações do plebiscito pela paz.

Desde as greves de 2019 e 2020, os membros do Rueda La Palabra Paz estão sendo atravessadas/os de várias maneiras com as manifestações na Colômbia. Primeiramente, muitas/os membros do coletivo têm vínculos com quem está marchando, registrando os fatos na rua e discutindo os temas de conjuntura. Além disso, a maioria das pesquisas dos integrantes do coletivo versam sobre temas ligados à Colômbia referentes ao Estado, aos militares e à política antidrogas, por exemplo.

Na conjuntura da atual greve nacional, a integrante do Coletivo Diana Gómez confessou que nos seus primeiros dias houve desespero por verem tantas informações dolorosas e violentas que chegavam das ruas colombianas. Dias depois, em 2 de maio, foram convidadas/os pelo Palanque Migrante socializarem a pauta grevista (dessa mesa participaram companheiras/os de Cali, Medellín e Bogotá), mas a conta foi bloqueada e não restou registros. Três dias depois, o coletivo convocou um ato na frente do consulado colombiano em São Paulo. Chegaram colombianas/os e brasileiras/os que não são membros do coletivo, mas se sentiram atraídos ao verem a postagem do Facebook. No entanto, eram pessoas que tinham contatos com coletivos na Colômbia e buscavam visibilizar e colocar a pauta na ordem do dia. 

No sábado (8), as/os manifestantes se reuniram no Minhocão (centro de São Paulo). Dado que dois dias antes havia ocorrido um massacre na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, o fato chamou a atenção das pessoas, que se aproximaram, fazendo comparações e perguntas pelos fatos na Colômbia. Também, na noite do sábado, houve um ato no MASP, na Av Paulista.

O evento do dia seguinte (09/05) teve uma convocatória mais ampla que contou, aproximadamente, com a presença ativa de 300 manifestantes, a maioria deles nacionais da Colômbia. O Ato conseguiu chamar a atenção, com músicas e danças apresentadas pelas companheiras do grupo de dança Prende La Vela e dos músicos da banda Tríptico, deixando nítida a mensagem da rejeição à violência do Estado. A alusão dos símbolos nacionais constataram a paisagem da Avenida Paulista. O Coletivo avaliou a experiência como um processo importante porque se encontraram, olharam-se, reconheceram-se e pensaram possibilidades de continuidade. E além das manifestações na rua, vale a pena mencionar que abriram espaços para falar e escrever – assim como este texto -, pois desejam ir além da denúncia e da dor. É preciso de uma análise contextual ligada a temas como a militarização, movimentos juvenis, disputas territoriais e racismo.

Testemunho dos coletivos: Coletivo Colombia-Poa

Também conversamos com o Coletivo Colombia-Poa, que articulou os eventos na cidade de Porto Alegre. Ativo desde 2017 e composto atualmente por colombianas/os, na sua maioria estudantes, o Coletivo se reuniu a partir da necessidade de se fortalecer os laços afetivos na cidade e buscar por formas criativas a geração de um tecido social e de resistência, mesmo longe do país de origem. 

A vivência do Coletivo nestes dias de paralisação e de luta tem sido sofrida, compreendendo as diversas limitações espaciais e políticas, além das muitas barreiras impostas pela pandemia que afetam de forma diferente as/os estrangeiras/os. O Coletivo gerou um movimento de divulgação e visibilização sobre o que está acontecendo na Colômbia nas redes sociais, já que a imprensa colombiana censura, limita e distorce as informações sobre os problemas políticos e sociais do país.

Também é importante reconhecer que esta ação de divulgar e dialogar sobre o contexto colombiano tem sido uma ação constante desde que começaram como Coletivo e por meio de eventos, festas e intervenções artísticas se procura compartilhar a história de guerra e resistências na Colômbia. Assim, no dia 28 de abril, compartilharam nas redes artigos escritos pelo Coletivo, participações de bate-papos, entrevistas, além do uso de todos os meios possíveis para ecoar essas vozes.

Em meio às limitações impostas pela pandemia, mas tomando todas as medidas de biossegurança, eles organizaram alguns atos simbólicos no centro de Porto Alegre que homenageavam as vítimas da guerra civil colombiana, incluindo milhares de lideranças sociais. Estes atos também resgatam a cultura e homenageiam nossas comunidades indígenas e a população afro que dão suas vidas por libertação, como sempre fizeram ao longo de toda a história. 

Em todos os atos foram apresentados dados deste conflito e das injustiças que acontecem na Colômbia. Nos últimos atos, levaram também informativos impressos para compartilhar estes dados e outras notícias sobre as atuais paralisações. Já organizaram Velatones (termo usado na Colômbia para manifestações pacíficas onde a população se reúne para fazer denúncias e acender velas). De forma criativa, fazem uso de músicas, danças e comidas típicas para mobilizar, reunir e visibilizar nossas ações e, a partir disso, nossos colegas da Colômbia, Brasil e outros países da América Latina têm se somado com suas músicas e seus instrumentos para essa missão. 

É dessa forma que continuaremos organizadas e organizados esboçando dias melhores para a Colômbia e o Brasil.

Testemunho dos coletivos: Coletiva Mulheres em Migração pela Paz 

Para concluir, nós da Coletiva Mulheres em Migração pela Paz temos somado às diferentes iniciativas e manifestações ligadas ao “SOS Colômbia” que têm acontecido dentro e fora da Colômbia e, dessa forma, nos propomos a seguir fazendo a denúncia e buscando a visibilidade que o contexto colombianos precisa. A Coletiva existe em chave de migração, por tanto, nossos espaços são diversificados territorialmente e nossa atuação não se concentra em um único local. Fazemos um exercício de traduzir e circular informação dentro do Brasil e por esse motivo surge o presente artigo, pois acreditamos na importância de fortalecer as experiências e iniciativas de outras coletividades, bem como em criar um espaço de encontro próprio, onde nossas experiências como mulheres colombianas são reconhecidas e nossas próprias trajetórias se fortalecem dentro desta Coletiva.  

A Coletiva Mulheres em Migração pela Paz faz um chamado à comunidade brasileira e às organizações de direitos humanos para que contribuam denunciando a continuação da violência do Estado colombiano e façam e fortaleçam as pontes para uma compreensão global dos movimentos de resistência em abya yala.

Por: Coletiva Mulheres em Migração pela Paz.