Nas notícias que circulam sobre refugiados, as fases da vida mais retratadas são a infância e a vida adulta. Fotos e reportagens conduzem os olhares à preocupação com a proteção da vida das crianças e a necessidade de inserção dos adultos no meio social onde solicitam abrigo. Isso não quer dizer que jovens entre 15 e 29 anos (segundo o Estatuto da Juventude) não migrem ou migrem em menor número, NÃO! Na verdade, este fato explicita o que é necessário à juventude: um olhar mais atento às suas especificidades e diferenças em relação às outras faixas etárias.

A juventude é uma categoria de análise social e histórica, que ao longo do tempo vem se desenvolvendo entre tensões culturais e geracionais. Isso porque as juventudes, ou seja, as diferentes formas de representatividade dos jovens, muitas vezes não são compreendidas e acabam sendo invisibilizadas perante a sociedade, aumentando ainda mais o desconhecimento sobre suas singularidades.

Morin nos lembra que, nos grupos arcaicos, a velhice detinha a autoridade lastreada pela sabedoria, e que a passagem ao estado adulto se realizava segundo os ritos que asseguravam a morte da infância e o nascimento da virilidade. Não havia para a sociedade arcaica uma fase intermediária, era apenas um “hiato entre o comportamento espontâneo das crianças e a atitude exigida dos adultos”, como já nos apontou Nobert Elias. Mas esta lógica começou a ser alterada no mundo moderno e contemporâneo, quando marcadores passaram a determinar esta fase da vida. Peralva afirma que a escolarização estabeleceu um novo marco para a iniciação da vida adulta, ao mesmo tempo em que funcionou como um dispositivo do Estado para proteção do indivíduo em transição. No século XIX, quando a escola se tornou definitivamente instituição obrigatória e universal, separaram-se os adultos dos seres em formação, dando maior atenção as questões específicas da infância, da adolescência e da juventude.

No mundo contemporâneo, homens e mulheres jovens passam a se impor nas sociedades. As jovens gerações protagonizam movimentos revolucionários, guerras, entram na política, na ciência e nas universidades. Com maior representatividade jovem, as interpretações também assumem posições extremas. Ora se deseja a juvenilidade como propósito da vida, ora se impõe aos jovens estereótipos transgressores e problemáticos. 

Estes estigmas normalmente se constituem pelo distanciamento de algumas representações juvenis dos padrões estabelecidos pelas sociedades. Os jovens em situação de vulnerabilidade social são os mais suscetíveis a carregarem a imagem negativa. Assim como os jovens refugiados, que por sua condição de “outsiders” ganham rótulos mais pesados e preconceituosos.

Por isso a importância de enxergá-los não apenas como estrangeiros protegidos por leis, mas também como sujeitos de direitos também por suas condições juvenis e pelas multiplicidades existentes em seu modos de serem jovens. Consolidando em políticas públicas o reconhecimento do seu papel estratégico das juventudes no desenvolvimento do país. 

E quem são estes jovens refugiados?

Deslocamentos forçados resultam em mudanças bruscas na vida. Migrar para outro país é um ato inaugural, podendo ser para eles um gatilho no processo de individuação e uma possibilidade de entendimento de si e da sua relação com o espaço e o tempo.  O afastamento das raízes, a renúncia às ancoragens familiares, afetivas, sociais e a desterritorialização da vida trazem aos jovens experiências singulares que só eles são capazes de narrar.

Atravessar uma fronteira não é apenas cruzar uma barreira geográfica, física e/ou material. Esse movimento representa, também, a transposição de questões sociais e psicológicas. Vidas são interrompidas muitas vezes sem planejamento. Tal processo demanda tempo para a internalização de mudanças territoriais, sociais, relacionais e individuais. 

Arquivo pessoal

Ao ser questionada sobre seu maior medo, uma jovem refugiada angolana responde: “eu tenho medo de morrer sem realizar meus sonhos primeiro”. E sobre sua maior conquista no Brasil, ela diz: “formei minha família com marido e filho, adoro este lugar”. Assim como ela, outros jovens que protagonizam a pesquisa de doutorado que realizo com refugiados africanos residentes do município de Duque de Caxias expõem angústias, tristezas, saudades, sonhos e vitórias. Sempre na expectativa da construção de um futuro melhor e promissor, aqui ou em qualquer outro destino.

Narrativas próprias se interseccionam com histórias comuns dos jovens refugiados, que afirmam o desejo de esperança pela construção de biografias juvenis possíveis. 

Por isso, o texto nos estimula a refletir dados e notícias sobre o refúgio, sempre indagando: E a juventude refugiada? Como, onde e de que forma estão inseridos nos fluxos migratórios?  

Referências:

BRASIL. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Estatuto da Juventude. Brasília: Diário Oficial da União, 2013.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
PERALVA, Angelina. O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de Educação. Juventude e Contemporaneidade, São Paulo, ANPED, n.5/6, 1997.

Viviane Penso Magalhães 
Doutoranda em Educação da UFF e integrante do Observatório Jovem UFF.