Façamos um teste para saber se você teria facilidade na revalidação do seu diploma. Você teria à mão o seu histórico escolar e o diploma universitário? Provavelmente, sim. Agora, seguimos. E o conteúdo programático de todas as disciplinas e o currículo de cada um dos professores da sua graduação? Aliás, é possível lembrar o nome de todos aqueles que passaram por nós em quatro anos de curso? Se o idioma não for o espanhol, o francês ou o inglês, será preciso também tradução juramentada. Você conhece quem faz? Saiba que em um caso relatado ela chegou a custar R$16 mil. Por fim, é preciso também recolher informações sobre a universidade e fontes noticiosas que atestem a veracidade da sua instituição de ensino.

Com esta provocação, a advogada Camila Suemi, da ONG Compassiva, elucidou o percurso burocrático e oneroso submetido aos imigrantes e refugiados (para estes, pode haver custeio) que buscam a validação universitária, tema pelo qual a Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) do Senado Federal buscou debater na sexta-feira, 28/05.

A transmissão foi realizada e está gravada no canal do senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente da CMMIR e contou com a participação de mais três especialistas, além de Suemi: Ana Carolina de Moura Maciel (coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp), Larissa Getirana (advogada da Caritas Arquidiocesana do RJ) e Mohammed ElHajji (professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e idealizador do oestrangeiro.org).

Participantes da live. Reprodução: Paulo Paim Senador/Youtube.

O debate foi promovido pelo poder público e contou com a sociedade civil organizada e membros da comunidade acadêmica, juntos, sugerindo pistas para melhorar a celeridade nos processos de revalidação de diplomas. Um dos casos mais evidentes passa pela área da Medicina. Além do Revalida, hoje, apenas a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) oferece o serviço para médicos formados no exterior. Uma demanda concentrada que soma 1.228 pessoas na fila de espera, lembrou Suemi. Para ela é um alerta, tendo em vista que a média de execução das revalidações na UFMG é de 20 casos por ano. A busca ostensiva pelas revalidações de diplomas também foi percebida no Rio de Janeiro, quando em apenas uma semana a Caritas local recebeu 50 pedidos. “A onerosidade é imensa”, destacou Getirana.

Desde a publicação da Portaria normativa n. 22/2016 do MEC, o país busca padronizar a revalidação e o reconhecimento de diplomas, mediante a Plataforma Carolina Bori. Segundo ElHajji, apesar de padronizar e centralizar essa ação, o sistema ainda apresenta falhas de acesso e Suemi clamou para que as demais universidades públicas utilizem a plataforma para acelerar o trâmite dos graduados em Medicina. A advogada lembrou em sua fala que antigas vagas em pequenos povoados criadas pelo Programa Mais Médicos, outrora ocupadas por médicos estrangeiros, ainda não foram preenchidas, prejudicando o atendimento à população. O Revalida, outro mecanismo de reconhecimento de competência, tem sofrido atrasos em sua realização e retém a atuação de mais de 15 mil médicos formados em plena pandemia.

Essa foi uma das tônicas centrais da conversa. O país perde ao não permitir que profissionais com capacitação exerçam suas profissões. Tampouco representa “roubo” de vagas aos nacionais porque menos de um terço da população brasileira tem educação de nível superior. Cabe lembrar também que a revalidação é exigida aos próprios brasileiros que cursam suas faculdades no exterior. ElHajji lembrou que a recusa configura uma perda de capital humano para uma nação que acumula déficit migratório, ou seja, uma dinâmica migratória onde há mais brasileiros fora do que estrangeiros dentro do país. De forma geral, essa exigência não se restringe ao caráter humanitário, mas avança em solo econômico e de desenvolvimento nacional.

Para Suemi, “a revalidação do diploma vale mais do que o ingresso no mercado informal. É também um resgate de parte da identidade dessa pessoa. Principalmente quando a gente fala de refugiados, onde tudo foi tirado: a nação, a cultura, a casa e os familiares. E também é dar a ela um protagonismo para recomeçar a própria vida, tendo um salário justo e trabalhando na sua área de formação”. Foto: Reprodução/Pixabay.

É claro que, para o imigrante, na condição de refúgio ou não, o diploma é um importante documento à mão. Questionando retoricamente, ElHajji refletiu para que serve um diploma e o conceituou como um dispositivo jurídico que operacionaliza o sistema social da confiança. O professor destaca que não se trata de um valor moral. “É um conjunto de dispositivos que possibilitam o funcionamento da sociedade. Quando você vê o sinal verde e avança é porque você confia no fato de que o sinal para o outro motorista é vermelho. Não é moral. É funcional”. 

Concatenando ao significado social do diploma, ElHajji levantou mais dois pontos no debate realizado na Comissão do Senado. Rigor no processo de revalidação, pois, dessa forma, “preserva-se a qualidade da formação e do trabalho rendido pelos estrangeiros” – e neste compasso é revertida a lógica que vitimiza o estrangeiro para o valoração social do produto (diploma) validado; e a ênfase nos dados estatísticos, porque sem eles não é possível pensar em políticas públicas migratórias no país. Se no governo Dilma as migrações ocuparam espaço na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, hoje sequer temos convicções da realização do próximo censo nacional, promovido pelo IBGE, lembrou.

Outras ações em prol dos migrantes e refugiados que cooperam na integração social foram trazidas por Ana Carolina Maciel. A Cátedra da Unicamp, órgão coordenado por ela, existe desde 2019 e tem ajudado refugiados a ocuparem espaços na universidade paulista com políticas de ingresso e permanência. O candidato refugiado interessado deve acessar o site da Unicamp, nesta seção.

Otávio Ávila
Pesquisador do Diaspotics e editor do oestrangeiro.org.
Colaboraram Mohammed ElHajji e Sidney Dupeyrat de Santana