Reflexões do professor Mohammed Elhajji no Simpósio Internacional de Direitos Humanos e Minorias Sociais.

O Centro Universitário Social da Bahia (UNISBA) organizou o Simpósio Internacional de Direitos Humanos e Minorias Sociais, cujo tema versou sobre os “direitos humanos e minorias sociais no contexto de pandemia”. A atividade acadêmica se realizou entre os dias 10 e 12 de junho de 2021, por transmissão online. O coordenador do Diaspotics, grupo de pesquisa voltado para os estudos em migrações transnacionais e comunicação intercultural da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ), foi convidado para abrir o painel sobre imigrantes e cidadania em tempos de pandemia.

Mohammed Elhajji sabe muito bem combinar a teoria com as práticas sociais em suas palestras. Mas tem um acréscimo: o discurso existencial assume outros códigos além do linguístico. O código prosódico torna-se relevante porque os tons de voz que ele usa adicionam espontaneamente um conteúdo significativo, além disso, seus olhos falam mais rápido que sua voz. Este caso não foi exceção, mas surpreendeu seu público com outras questões. Ele nomeou o país dos migrantes, “Migristão”, propôs quatro axiomas para analisar a problemática da migração e lembrou do saldo migratório negativo do Brasil.

O professor da UFRJ afirmou que “o contexto excepcional que vivemos merece uma reflexão apropriada. Eliseo Verón na sua teoria de enunciação parte do princípio seguinte: dire c’est faire, dire c’est agir, dire c’est agir o que significa ‘dizer é fazer, dizer é atuar, dizer é ação’. Não há uma dicotomia entre o plano da fala e o plano da ação. Ou seja, não há diferença nenhuma entre as práticas discursivas e as práticas sociais. Por isso, falar das minorias sociais em tempos de pandemia: migração e direitos humanos e nossa forma de contribuir numa melhora do Brasil que desejamos”. Dessa forma, denominou sua palestra.   

A análise tinha como objetivo desvelar, explorar a natureza sociopolítica, minoritária dos migrantes trans-nacionais, sua alterização e sua exclusão da humanidade política. Elhajji levantou quatro axiomas: 

  1. A identificação negativa do migrante enquanto não nacional, não cidadã e quase não humana.
  2. A clandestinização e legalização dos migrantes enquanto estratégia econômica-política para sua redução a mão-de-obra descartável nesse poder de barganha. Ou dito de outra maneira, sem poder de luta pelo poder simbólico.
  3. A importância numérica dos migrantes como força humana, social e econômica. 
  4. A autonomização. Por influência anglo-saxônica se utiliza o termo empowerment, empoderamento, “mas eu prefiro a noção de autonomização”, alegou Elhajji. “A autonomização dos migrantes e o alcance da cidadania universal são tributários da capacidade dessa população em se reapropriar dos recursos mediáticos e imaginar estratégias comunicativas e reinvidicativas eficientes”.  

Logo, expôs um paradoxo: a identidade do migrante estrangeiro se faz negativamente em função daquilo que ele não é e não em função do que ele é.  Seu axioma se apoia em teorias autonomistas de Hardt, Negri, Mezzadra e outros. 

Referiu-se à existência de uma estratégia econômica-política de clandestinização e ilegalização dos migrantes que também serve para o controle dos fluxos migratórios destinados aos mercados centrais. A clandestinização não é uma finalidade em si, é uma estratégia para controlar a entrada dos migrantes. É clandestinizado para debilitar sua capacidade de reação, de luta, incluindo termos como luta social ou luta pelo poder simbólico.  Mas, ao mesmo tempo, a presença massiva dos migrantes na cena mundial contemporânea é muito importante.

“São entre 270 e 280 milhões de habitantes migrantes no mundo (como todo o Mercosul junto), é uma população enorme. Um país que chamo de ‘Migristão’. O termo foi apropriado pela sociologia e pela ciência política, na África do Sul, pelo apartheid, criou-se os bantustão, ou seja o país dos bantus. Se a massa migratória do mundo fosse uma nação, que se chamaria Migristão, o Produto Interno Bruto (PIB) seria superior a França. É uma potência!” declarou Elhajji.

E continuou: “Ao contrário do que o imaginário social acha, o Brasil é um dos países que tem menos migrante do mundo, com menos de 1% de migração estrangeira em sua população. São cerca de 5% na Argentina, 20% no Canadá, quase 30% em Austrália. Além disso, o Brasil tem um déficit migratório: é mais gente que emigra do Brasil do que gente que imigra para o Brasil. Ou seja, não conseguimos atrair migrantes e entramos numa curva de envelhecimento. A população está ficando cada vez mais velha.  A taxa de reposição de população brasileira é menor que a taxa da França, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Estamos entrando num déficit populacional. Daqui a pouco vai faltar gente para pagar a aposentadoria dos mais velhos, mas não conseguimos atrair migrantes”.

O professor titular da UFRJ se preocupa sobre os números sobre migrantes. “Temos uma disputa mundial pelos migrantes. Cada pais resolve de uma maneira. Por exemplo, a Alemanha aceitou 1 milhão de migrantes em um ano [2015]. Essa massa numérica é mobilizadora. Agrega outras forças como acontece no Brasil. Os coletivos de migrantes originam outros movimentos. O movimento feminista se acrescentou com o aporte migratório. Mulheres que se juntam como migrantes, logo se tornam um movimento feminino e como a causa feminina é a mesma, outras mulheres se integram. É uma maneira de inclusão indireta. Não é uma integração oficial. Começa a trabalhar a política por dentro. O paradoxo é que, ao mesmo tempo em que há uma estigmatização do migrante, há uma potência por dentro. A presença massiva dos migrantes na cena mundial contemporânea acaba subvertendo por dentro os tradicionais conceitos de direitos políticos e revigorando a utopia cosmopolítica de uma cidadania universal defendida por Immanuel Kant”, agregou Elhajji, que também é coordenador local do Consórcio MITRA, Master Erasmus Mundus em Migrações Transnacionais.

Mohammed Elhajji lembra que o migrante é uma minoria e o conceito encerra toda uma delimitação existencial. “O conceito remete a menoridade, ser menor. É uma pessoa que não fala. Vem de infants, ‘infante’ que significa literalmente “não falante”. A disputa não é por uma maioria numérica, é por apropriar-se da capacidade de fala, de falar em nome próprio pra reivindicar suas posições sociais. Que mais determina sua condição existencial do sujeito migrante? A resposta é sua estrangeiridade, estranheza. Muitas línguas ocidentais não têm diferenças entre “estrangeiro” e “estranho” ou convergem para o mesmo sentido. É o diferente. Ela sugere estranheza, diferença, alteridade e externalidade. O estrangeiro migrante representa, ao contrário da sociedade e suas maiorias, aquele que não compartilha seus códigos simbólicos e não se submete às suas crenças. Essa situação cria uma suspeita. Kristeva questiona, dessa forma, como confiar em alguém que fala em outra língua? Ou que não vê as coisas como vemos? Há uma suspeita em cima do migrante até que prove o contrário e isso vai contra qualquer base de direitos humanos e igualdade social”.

Para assistir à palestra do professor Elhajji e todo o painel, acesse aqui o canal do Centro Universitário UNISBA, no YouTube.

Também participaram do painel Cláudio Alves Furtado, professor da Universidade de Cabo Verde e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Júlia Rodrigues Lobo, psicóloga especialista em neuropsicologia, com passagem pelo Projeto Roraima da organização Médicos Sem Fronteiras. A mediação foi de Mari Rosa Souza.

Álvaro M. Pino Coviello
Jornalista e membro do Diaspotics