Labibe e Yumiko. Saiba quem foram aqui.

No dia 18 de junho de 2021, completam-se 113 anos da imigração japonesa no Brasil, data em que se destacam as comemorações das boas relações entre Brasil e Japão e as histórias de superação dos imigrantes e descendentes de japoneses por meio do trabalho árduo. Essas homenagens transparecem a memória coletiva criada em torno da imigração de que, no decorrer da história, nipo-brasileiros têm colaborado para o “desenvolvimento” do Brasil e conquistado a confiança do povo, fortalecendo os laços entre os dois países. Isso revela, no entanto, o caráter acrítico do entendimento acerca da imigração e dessa data.

Essa superficialidade resulta na omissão de contextos históricos, como o projeto de embranquecimento da nação que estava em curso antes e durante a chegada dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. As elites políticas discutiam abertamente sobre a chegada de uma quarta raça no território brasileiro, utilizando-se de falas eugenistas e de um sentimento racista tanto para impulsionar a vinda dos japoneses, quanto para argumentar contrariamente à chegada destes. A entrada dos amarelos no Brasil seria uma ameaça para o embranquecimento da população do país, mas, ao mesmo tempo, poderia ser vantajosa, já que eles eram julgados como dóceis, apesar de serem vistos como racialmente inferiores.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a imagem dos japoneses como ameaça continuou, uma vez que o Japão era parte do Eixo, enquanto o Brasil era favorável aos Aliados. Falar a língua japonesa era proibido. Reunir um grupo de três ou mais nikkeis era visto como conspiração e motivo de denúncia ao Estado. Além disso, o episódio da Shindo Renmei dentro da comunidade nikkei agravou este quadro. Mesmo que essas ocorrências não sejam discutidas abertamente nos espaços da colônia japonesa, vemos a necessidade de pensar o nosso passado em sua totalidade, sobretudo no aniversário da imigração.

Reconhecemos que hoje não vivemos mais o mesmo grau de vulnerabilidade como no passado. Devido a fatores como a ascensão à classe média e a inserção japonesa no cenário do capitalismo industrial global, a imagem dos nipo-brasileiros como ameaça se desfez, passando a ser a do trabalhador dedicado, honesto e ordeiro. Isto é, passou a ser de minoria modelo: uma minoria racial exemplar a ser seguida pelos demais brasileiros. Essa imagem acabou se generalizando, e há um esforço das comunidades em manter esse status, apagando histórias de nipo-descendentes subversivos como os desaparecidos na ditadura militar.

Nessa data de grande apreço para as comunidades nipo-brasileiras, queremos trazer não só a memória daqueles que resistiram às repressões no século XX, mas também daqueles que lutaram contra o governo militar – entre tantos outros que foram vítimas de torturas, perseguições e assassinatos. Em um ano no qual Bolsonaro obteve autorização da Justiça para celebrar o golpe de 1964, lembremos seus nomes, por todas as famílias que até hoje buscam por respostas sobre os seus parentes desaparecidos há mais de 20 anos. Cobramos do governo um posicionamento e fazemos as seguintes reivindicações:

  1. o fim do desmonte das políticas de justiça de transição, que incluem ações como: desacreditar da legitimidade da Comissão Nacional da Verdade (CNV) pelo fato dos membros terem sido indicados no governo Dilma; alterar as composições da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e da Comissão da Anistia, indicando militares e membros do PSL, que inclusive propuseram a revisão das indenizações já concedidas às famílias de desaparecidos; o corte de verba para a pesquisa e investigação dos corpos encontrados na Vala Clandestina de Perus.
  2. a divulgação da importância da Comissão Nacional da Verdade e das demais comissões na construção da verdade histórica sobre o período da ditadura militar;
  3. e a superação do entendimento de que a Lei da Anistia incluiria crimes contra a humanidade, para que haja a devida responsabilização dos agentes militares envolvidos em crimes contra a humanidade no regime.

Denunciamos Harry Shibata, um nikkei agente da ditadura que falsificou laudos médicos, encobrindo inúmeras mortes ocasionadas por torturas e registrando suas causas como “acidentes”. Reivindicamos a memória dos nipo-brasileiros que deram a vida pela libertação do nosso povo.

Por Suely Yumiko Kanayama, Francisco Seiko Okama, Hiroaki Torigoe, Ishiro Nagami, Issami Nakamura Okano, Luiz Hirata, Massafumi Yoshinaga, Yoshitane Fujimori, pelo nosso direito como sociedade civil à memória, justiça e verdade: ditadura nunca mais. A luta de nipo-brasileiros da classe trabalhadora por nossa emancipação não será esquecida.

Que o 18 de junho se torne uma data que marque, a cada ano, o avanço dessas reivindicações. Que se torne um movimento tão grande a ponto das instituições não serem capazes de ignorar a cobrança por ações de verdade e justiça. Que se transforme em uma data tão marcadamente política a ponto de nós, enquanto comunidade, desenvolvermos a percepção de que a nossa história não se resume a uma dita “amizade Brasil-Japão”, de que, na verdade, ela é atravessada por episódios de discursos eugenistas, discriminação racial e violência do Estado contra o povo. Pensemos a nossa memória e identidade em seu todo para, assim, lutarmos por um futuro de justiça.

São Paulo, 18 de Junho de 2021
Coletivo Labibe Yumiko (Conheça o coletivo aqui)