Muitos países disputam, hoje, a imigração qualificada. E é nesse contexto internacional altamente competitivo que o Brasil deve se situar. Não se trata de elaborar leis e mecanismos jurídicos excessivamente burocratizados que acabem engessando a entrada e estabelecimento de novos imigrantes e discriminar os menos qualificados, mas sim de atrair aqueles que possuem qualificações profissionais, tecnológicas, artísticas, etc…

O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirmou, num recente encontro, que o projeto de lei sobre imigração, que tramita há três anos no Congresso, pode incluir mecanismos para estimular a entrada de mão de obra qualificada no Brasil.
As ferramentas de estímulo devem estar de acordo com políticas setoriais. “Diante da expansão do tráfego aéreo no país, o Brasil poderia, por exemplo, vir a precisar de controladores de voo em curto prazo e não encontrar profissionais em número suficiente no país com a rapidez necessária”, disse Abrão.

“Estamos estudando a inclusão de cláusulas (no projeto de lei 5.655/2009) para atender a casos como este, que possam vir a ocorrer em função do crescimento econômico do país.” No entanto, o secretário também afirmou que o projeto de lei não prevê um favorecimento direto da imigração de mão de obra qualificada.

O Ministério do Trabalho e Emprego, por sua vez, já vem aumentando a concessão de vistos de trabalho para imigrantes. Segundo dados do Conselho Nacional de Imigração, ligado à pasta, em 2011 o Brasil concedeu 70.524 vistos de trabalho para estrangeiros.
O número representa um aumento de 22% em relação a 2010. A maioria desses profissionais é do setor de petróleo e gás e da área de engenharia, segundo o presidente do conselho, Paulo Sérgio de Almeida.

Antagonismo

O debate sobre o projeto de lei traz à tona duas visões antagônicas sobre a futura legislação brasileira de imigração. A Secretaria Nacional de Justiça se diz contrária a qualquer tipo de favorecimento direto para imigrantes qualificados em detrimento de mão de obra não capacitada. O órgão se baseia na premissa de não discriminação no ato de conceder vistos permanentes.

“Não pode haver discriminação entre os imigrantes qualificados e não qualificados; a futura legislação tem o foco nos direitos humanos. Trabalhamos para que a desburocratização do visto de residência seja uma premissa de todo o sistema para qualquer cidadão”, disse Abrão. Em posição contrária está Secretaria de Assuntos Estratégicos, da Presidência da República, que defende a atração de mão de obra qualificada em detrimento de imigrantes sem capacitação profissional.

Para Helion Póvoa Neto, diretor do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estimular apenas a imigração qualificada pode trazer duas categorias de imigrantes, o que não seria recomendável. Segundo ele, esta política imigratória dificulta a situação de imigrantes em países como o Canadá e a Austrália.

“Ambos (países) selecionam seus imigrantes com base no nível de instrução e idade. Porém, muitos profissionais estrangeiros de nível universitário, depois de imigrar para esses países, não podem exercer sua profissão e precisam trabalhar em outra área”, diz.
O governo Dilma Rousseff diz esperar que o projeto de lei sobre imigração seja votado no Congresso até o final de 2013.

Contexto mundial

Hoje, muitos países estão disputando essa imigração qualificada. E é nesse contexto internacional altamente competitivo que o Brasil deveria se situar. Não se trata de elaborar leis e mecanismos jurídicos excessivamente burocratizados que acabem engessando a entrada e estabelecimento de novos imigrantes e discriminar os menos qualificados, mas sim de atrair aqueles que possuem qualificações profissionais, tecnológicas, artísticas, etc…

Nessa disputa, os EUA, por exemplo, vem reavaliando a suas políticas. Segundo um grupo apartidário de prefeitos e de grupos empresariais americanos, “Parceria para uma Nova Economia Americana”, os EUA estariam desperdiçando talentos com leis “incoerentes” de imigração.
Em um relatório inédito que compara a estratégia americana de imigração com a de outros países, a coalizão afirma que os EUA estão “ficando para trás na corrida global por talentos” e que correm o risco de ter escassez de mão de obra qualificada no futuro próximo, apesar do fluxo permanente de trabalhadores batendo às suas portas.

“Enquanto no passado a América já foi a primeira e única escolha para jovens sonhadores com a próxima grande ideia, os empreendedores ambiciosos agora olham para destinos como China, Índia, Brasil e Cingapura, e veem mercados e oportunidades enormes, ambientes de negócios receptivos e governos que os querem”, critica o relatório.

“Um olhar sobre as estratégias dos outros países revela que o nosso fracasso em reconhecer o imperativo econômico da reforma de imigração – em forte contraste com muitos países competidores que veem a imigração como motor do crescimento econômico – virou uma ameaça para nossa prosperidade futura.”

Os especialistas citam o exemplo do Chile que instituiu o programa Start Up Chile, no afã de atrair empreendedores com o potencial de abrir seus negócios no país e dele fazer uma plataforma para o mundo.

O programa dá aos selecionados um capital inicial de US$ 40 mil, com a concessão de um visto de trabalho de um ano e acesso a uma rede social e de capital, para que os empreendedores desenvolvam seus projetos por seis meses. Como resultado, o programa trouxe 22 startups de 14 países só no ano de 2010, ano de sua criação.

“O Chile não tem essa cultura de startup, portanto a maneira de ser competitivo é comprando essa mentalidade”, diz um beneficiado italiano do programa. “Na Europa, sabemos pouco do Chile: quando se chega aqui vemos que temos acesso a tudo e a vida é como em qualquer outro lugar da Europa ou EUA.”

O programa chileno é exatamente o tipo de “estratégia agressiva de recrutamento” de imigrantes que outros países estão colocando em prática e que – para os autores do relatório “Not Coming to America” (Não Vindo para América), realizado pelas parceiras americana e nova-iorquina – estão transformando os EUA em um lugar menos atraente para a mão-de-obra, tanto qualificada quanto pouco qualificada.

Vistos específicos para empresas startup também existem em diferentes modalidades na Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Cingapura e Irlanda. Mas autorizações que contemplam diversos outros aspectos das necessidades econômicas dos países também são encontradas na Austrália, Canadá, China, Alemanha e Israel, países analisados pelo relatório.

Na Austrália e no Canadá, os vistos podem inclusive ser emitidos pelas províncias, variando de acordo com as necessidades econômicas de cada região dentro desses países. Alemanha e Israel, tradicionalmente fechados à imigração, também já facilitam suas políticas migratórias para trabalhadores qualificados e temporários.

Já a estratégia chinesa mostra que o tapete vermelho não é estendido apenas a estrangeiros, mas também a cidadãos nacionais que moram em outros países. O Plano de Desenvolvimento de Talento de Médio e Longo Prazo oferece generosos bônus, subsídios habitacionais, incentivos fiscais e prestígio para que a professores e pós-graduados chineses que vivem no exterior voltem para casa.

“Os países têm introduzido uma variedade de reformas, incluindo sistemas de concessão de vistos mais eficientes, maior facilidade de converter um visto temporário em visto permanente, programas customizados e benefícios para integrar os recém-chegados imigrantes à economia”, compara o relatório.

Escassez

Para a coalizão, o risco mais evidente é o de que num futuro não muito distante os EUA, com tantos aspirantes a imigrantes batendo à sua porta, possa vivenciar uma escassez de mão-de-obra em setores cruciais para a inovação e a criação de empregos.

Em 2018, um estudo citado no relatório projeta que o país tenha cerca de 2,8 milhões de vagas abertas nos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, sendo que 779 mil delas para profissionais com nível pelo menos de mestrado – e apenas 552 trabalhadores com a qualificação necessária para preenchê-las.

Muito pior, embora os EUA sejam um dos países que mais atraem estudantes qualificados, oferecem poucas chances para que eles permaneçam no país uma vez que terminem seus estudos.

“É crucial notar, porém, que não são apenas os imigrantes com diplomas avançados que contribubem para a economia americana. Em Nova York, por exemplo, um estudo recente indicou que enquanto os imigrantes são 36% da população, eles respondem por quase metade de todos os proprietários de pequenas empresas”, diz o relatório.

Para os autores do estudo, a situação só pode ser revertida se as autoridades dos EUA fizerem leis de imigração “levando em conta as necessidades econômicas” do país.

No Brasil, o forte ritmo de crescimento econômico tem agravado a falta de mão de obra qualificada. Quem procura uma vaga no mercado de trabalho em muitos casos tem mais oportunidades para escolher. Mas, por outro lado, as organizações têm enfrentado problemas em relação à qualificação desses profissionais.

Segundo a Sondagem Industrial Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada em abril deste ano, 69% das empresas enfrentam dificuldades por falta de mão de obra qualificada. O principal impacto, de acordo com a pesquisa, recai sobre a produtividade e a qualidade dos produtos. Do total das companhias consultadas, 52% afirmam que o maior desafio é a baixa qualidade da educação básica. Para resolver essa questão, 78% das empresas avaliadas afirmam qualificar os trabalhadores na própria companhia.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um levantamento mostrando que sete em cada dez empresas industriais brasileiras afirmam que a escassez de mão de obra qualificada prejudica a competitividade.

De acordo com a pesquisa “Falta de Trabalhador Qualificado na Indústria”, 69% das indústrias passam por esse problema de qualificação do profissional. As que menos são afetadas são as de grande porte (63%). Entre as pequenas e médias, 70% informaram ter essa dificuldade.

Ainda segundo a pesquisa, 78% das organizações procuram capacitar o profissional dentro da própria empresa. Os dados também mostram que 52% dos empresários consultados disseram que a má qualidade da educação básica é uma das principais dificuldades para qualificar seus funcionários.

O maior impacto dessa falta de mão de obra é na produção. Do total das empresas pesquisadas, 94% registram problemas para encontrar operadores, 82% para contratar técnicos, 71% para funcionários qualificados em vendas e marketing, 66% para a área administrativa, 62% para gerentes e profissionais de pesquisa e desenvolvimento, e 61% para engenheiros.

Segundo a CNI, a busca de eficiência ou redução de desperdício é a atividade mais prejudicada nas empresas (70%). A garantia e a melhoria da qualidade dos produtos foram apontadas como segunda atividade mais afetada por 63% das empresas consultadas. A expansão da produção foi citada por 40% dos empresários e o gerenciamento da produção por 28%.

Por uma agência de Imigração

Porém, no Brasil, ainda existem problemas básicos como o atendimento aos imigrantes. O que leva especialistas a defender a criação de agência de imigração especializada. A Polícia Federal, segundo um delegado responsável pelo setor no Rio de Janeiro, não tem capacidade de atender os imigrantes que chegam ao Brasil.

A substituição da PF por uma Agência Nacional de Migração para atender os estrangeiros no Brasil é um dos principais pontos do debate sobre a criação de uma nova Lei de Imigração – cujo projeto tramita há cerca de três anos no Congresso.

“Não temos pessoal capacitado para essa tarefa”, afirmou o delegado Antônio Ordacgy, chefe do núcleo de estrangeiros da Superintendência da PF no Rio de Janeiro.

No entanto, ele afirma que essa não é uma posição institucional da PF, mas sua opinião pessoal. O comentário foi feito no seminário “Direito dos Migrantes no Brasil: o novo Estatuto dos Estrangeiros como uma Lei de Migração”, que ocorreu no Rio de Janeiro no dia 18 de maio de 2012.
Entre as atribuições da PF, atualmente, estão o atendimento a imigrantes que já possuem visto permanente e o monitoramento da situação de estrangeiros que estão no Brasil em caráter temporário ou permanente. Além disso, a instituição recepciona os estrangeiros que chegam ao país em portos, aeroportos e fronteiras.

De acordo com Ordacgy, a PF já cumpre “inúmeras” tarefas, como a repressão ao tráfico de drogas e de animais silvestres, ao contrabando e aos crimes de “colarinho branco”, e não deveria acumular a função de fiscalização da imigração.

Segundo o diretor da ONG Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Paulo Illes, servidores da PF não aplicam a atual legislação de forma objetiva.

“Os funcionários deste (novo) organismo deveriam aplicar a lei de forma objetiva, e não subjetiva, como fazem os agentes da PF”, disse.
Segundo Illes, dos cerca de 43 mil estrangeiros que obtiveram visto temporário com a anistia concedida pelo presidente Lula em 2009, apenas 19 mil obtiveram a permanência definitiva no Brasil.

“Em muitos casos, o agente da PF não aceitou os documentos indicados na legislação – como o extrato bancário – para que o postulante pudesse obter o visto permanente, o que revela uma interpretação subjetiva da lei.”

“É urgente a criação (no Brasil) de um órgão que ofereça um atendimento humanizado e disponha de pessoal capacitado, que conheça de fato a legislação e tenha domínio de idiomas”, afirmou Illes.

A Argentina é um exemplo de país que já criou um organismo específico para o atendimento aos imigrantes – a Direção Nacional de Migrações (DNM).

Segundo Federico Agusti, diretor de Assuntos Internacionais e Sociais da DNM, 423 mil estrangeiros se inscreveram no plano “Pátria Grande”, lançado no final de 2005 para regularizar a situação de imigrantes na Argentina. Deles, 225 mil conseguiram a residência permanente até 2010.

Regularização e integração

Para os especialistas, a integração dos imigrantes não deve se limitar à regularização de sua situação no país em uma nova legislação. Ela deve incluir a adoção de políticas como o oferecimento de cursos de português e a capacitação para o mercado de trabalho.

“A futura lei brasileira de imigração deverá não apenas permitir o direito à migração, mas considerar a integração do imigrante na sociedade”, afirmou Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração (Cnig), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Segundo a legislação que o governo espera aprovar no Congresso, estrangeiros poderão requerer vistos permanentes a qualquer momento. Pela lei em vigor, é preciso fazer um requerimento antes de chegar ao Brasil, por meio dos consulados brasileiros.

A mudança deverá fazer com que as anistias, que vêm sendo concedidas para os imigrantes irregulares, perderem o sentido.

“Podemos combater melhor a criminalidade ligada à imigração através da regularização dos migrantes, ao invés de adotar políticas restritivas”, afirmou o diretor do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Itamaraty, Rodrigo Amaral.

A permanência de estrangeiros no Brasil ainda é regida pelo Estatuto do Estrangeiro, instituído em 1980, sob a ótica da Lei de Segurança Nacional.
Países vizinhos, como a Argentina e o Uruguai, já aprovaram novas leis de imigração para substituir normas da época de suas ditaduras militares.

No campo do direito dos migrantes, o Brasil também está atrasado: é o único país da América Latina que ainda não ratificou a Convenção Internacional das Nações Unidas para a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.

(Agências. 28/05/2012)