Extorsão, fome e ameças pontuam a viagem dos haitianos até o Brasil. E nem sempre há luz no fim do túnel. 

Com a promessa de vender facilidades a pelo menos 38 mil haitianos que já cruzaram, sem visto, a fronteira do Brasil pelo Acre, a rede de coiotes já faturou US$ 60 milhões — o equivalente a mais de R$ 185 milhões — nos últimos quatro anos. Os dados são da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e foram apresentados na reunião de quinta-feira (21/05), no Planalto, que reuniu diversos ministros e decidiu aumentar os vistos para os imigrantes daquele país.

A maioria dos haitianos que vêm ao Brasil relata demorar, no mínimo, 20 dias entre Porto Príncipe e São Paulo. A viagem é orquestrada por coiotes, que cobram de US$ 3 mil (cerca de R$ 9.285) a US$ 8 mil (mais de R$ 24 mil) por pessoa. O trajeto de muitos deles é o mesmo. Viajam de avião da capital haitiana até Quito (Equador) e, de lá, descem e sobem em pelo menos quatro diferentes ônibus, até chegar a Rio Branco, no Acre.

Segundo o padre Paolo Parise, diretor do abrigo Missão Paz, em São Paulo, o momento mais crítico da viagem acontece na fronteira do Equador com o Peru. Os haitianos, por ordem dos coiotes, desembolsam cerca de US$ 100 como suborno para policiais peruanos liberarem a passagem dos imigrantes.

Os haitianos contam que atravessam um rio a pé, por baixo de uma ponte, para entrar no Peru. “Policiais expulsos da corporação peruana formaram uma quadrilha que hoje gerencia o tráfico de drogas e de pessoas. Muitos haitianos não têm dinheiro para dar na hora e são mantidos em cárcere privado até que a família mande remessas”, explica o padre. Mulheres são abusadas. Uma haitiana chegou grávida ao abrigo no ano passado, vítima de estupro por homens da quadrilha, conta Parise.

Saído do país natal há 17 dias, onde deixou mulher e filho, o haitiano Ruben é uma das vítimas dos achaques na fronteira. Ele calcula ter desembolsado US$ 150 para conseguir passar do Equador para o Peru. “As pessoas perdem roupas, sapatos, o que têm. O trajeto é muito duro”, afirmou. Ele, que trabalha como encanador e eletricista, chegou ao Brasil há três dias. “Não quero que minha mulher e meu filho venham dessa forma. Estou traumatizado.”

Joseph Júnior, de 27 anos, por sua parte, afirma ter sido extorquido durante a viagem. “No Peru tive que pagar U$ 500 para que os policiais permitissem que eu passasse. Cheguei ao abrigo sem dinheiro, com febre e dores de estômago”, lembra.

Os percalços, todavia, não abalam a esperança do imigrante, que resolveu seguir os passos de um primo e ir para a cidade de Itajaí (SC). “Tenho um primo que vive lá há um ano e 5 meses. Ele me disse que está trabalhando em uma companhia e quem sabe falar espanhol tem mais facilidade para trabalhar”, conta.

Para a haitiana Yfaula Casting, de 28 anos, o Brasil representa independência e uma chance de poder dar uma vida melhor para os dois filhos de 9 e 2 anos, que ela deixou no Haiti vivendo com a avó. Por isso, ela não se intimidou diante dos problemas que enfrentou para chegar ao país.

“Quando cheguei ao Peru os coiotes levaram o grupo de imigrantes que eu integrava por um caminho diferente do principal. Eles nos diziam que estávamos ilegais no Peru e que se a polícia nos encontrasse seríamos deportados. Apesar de tudo isso, estou feliz de chegar ao Brasil”, afirma.

A imigrante quer seguir para a cidade de Londrina, no Paraná, onde um sobrinho a espera. “Oro a Deus para que me ajude e eu possa me estabelecer aqui para poder sustentar meus filhos”, diz.

As histórias de Joseph e Yfaula são apenas dois exemplos dentre muitos que se repetem no abrigo montado pelo governo do Acre, em Rio Branco, como conta Antônio Crispim, um dos coordenadores do espaço.

“Já ouvimos histórias absurdas, como o caso de uma imigrante haitiana grávida de oito meses, que viajou durante três dias no bagageiro de um ônibus, porque diziam que ela seria deportada se fosse pega. Os coiotes colocam medo e fazem pressão psicológica nas pessoas”, explica.

Crispim ressalta ainda que o Brasil é visto por muitos imigrantes como um local de prosperidade. “O Brasil é um país emergente, que mesmo na crise está bem além do Haiti e aí eles arriscam tudo nessa viagem”, diz.

Com o desgaste sofrido na viagem muitos adoecem. “A maioria dos imigrantes chega muito fragilizada. Imagine passar entre 10 e 30 dias viajando, tendo que se esconder e sendo extorquidos. Muitos chegam com problemas respiratórios, problemas de estômago, diarréia. Então levamos muitos para as Unidades de Pronto Atendimento e Hospital das Clínicas”, conta.

(Redação + Agências)