Brasil vai investir em dados sobre refugiados e aumentar estrutura do Comitê Nacional para Refugiados – Conare.
Conflitos étnicos e religiosos, guerras e ditaduras sangrentas têm deslocado cada vez mais pessoas ao redor do mundo e o país se tornou destino de quem procura ajuda. Apenas em 2014 mais de 11 mil pedidos de refúgio foram feitos. Diante da inédita demanda, o governo federal tenta reformar o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) para acelerar a análise dos processos — que hoje levam mais de um ano para serem julgados — e impedir que criminosos se aproveitem do recurso.
Por que é preciso mudar o processo de concessão de refúgio no Brasil?
O mundo bateu recorde de número de refugiados no ano passado. São 19,5 milhões de refugiados e quase 60 milhões deslocados, essa é uma realidade no mundo hoje. E isso tem impacto no Brasil. Nós temos hoje 7.948 refugiados e esse número de solicitações vêm crescendo de 2010 pra cá. No ano passado foram aproximadamente 11,5 mil solicitações. Ainda é uma parcela reduzida se comparada com os números mundiais, mas precisamos fortalecer o sistema nacional de refúgio.
Como isso vai acontecer?
Vamos reestruturar o Conare. Hoje temos só cinco oficiais de eligibilidade (que concedem ou não refúgio), a nossa ideia é ter mais 40 oficiais e mais 10 especialistas, em parceria com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, que farão treinamento, capacitação e operação assistida desses funcionários. Além disso, com pesquisadores de universidades brasileiras, pretendemos criar o wikirefúgio, com dados e estatísticas sobre os países de origem dos refugiados, vamos mapear as área de conflitos e checar mais facilmente a veracidade das informações que os migrantes nos passam. Estamos revendo a forma de trabalhar, vamos implementar modelos de entrevista por vídeo-conferência, e descentralizar o Conare, para que ele tenha unidades em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Branco e Porto Alegre.
Hoje há críticas ao Conare porque a análise do pedido de refúgio leva mais de um ano.
Indiscutivelmente nós temos que reduzir significativamente o tempo de julgamento do processo. No mundo, o tempo dos processos gira em torno de até 6 meses. Nosso intuito é conseguir bater recordes, reduzir ao máximo.
O Orçamento da Secretaria vai ser reforçado?
O Ministério do Planejamento nos garantiu um complemento de cerca de R$10 milhões, o que quase equivale ao orçamento das atividades da Secretaria Nacional de Justiça, que é de R$8,6 milhões.
O Conare teme que criminosos se aproveitem do status de solicitante de refúgio?
A consequência de uma ação de fortalecimento dessas é preservar o instituto do refúgio, garantindo a proteção àquelas pessoas extremamente vulneráveis que chegam de um contexto de conflito armado, graves violações de direitos e que perderam familiares, bens, moradias e sobretudo a possibilidade de ficar no seu próprio país. Por outro lado, uma estrutura fortalecida garante a concessão do refúgio para aqueles que se enquadram na lei e a exclusão dos que não se enquadram. Esses últimos podem ser deportados.
As mudanças no Conare dependem da aprovação da nova lei de imigração?
Não, já fizemos os editais e as mudanças no Conare vão acontecer o mais rápido possível. Mas a nova lei de imigração pode mudar significativamente o patamar de tratamento de refugiados e imigrantes no Brasil porque ainda hoje temos uma legislação filhote da ditadura. O estatuto do estrangeiro é pouco transparente, muito burocrático e excessivamente impeditivo. O novo estatuto, que tramita no Senado, prevê o contrário. Em vez de tratar de obrigações e limites, estamos tratando de direitos.
Mariana Sanches
(O GLOBO – 22/06/2015)