No último dia 7 de outubro ocorreram as eleições. Milhões de brasileiros foram às urnas para exercer seu direito à democracia e dar seu voto para presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. No entanto, a maior parte dos imigrantes que vivem no país não tiveram seu direito de voto concedido. Segundo a matéria da Revista Fórum, de acordo com o levantamento da Rede Espaço Sem Fronteiras, uma importante rede de organizações que atua no tema das migrações no continente, revela que o Brasil é o único país da América do Sul que ainda não garante direitos de votar e ser votado aos imigrantes em nenhuma instância: municipal, distrital, estadual ou nacional. Em todos os outros países do continente imigrantes têm direito a participação eleitoral em um ou mais níveis. No Uruguai e no Chile há garantia, inclusive, do direito de voto em presidente da República.
Conforme o artigo 14 da Constituição, somente estrangeiros naturalizados – o que é um processo muito burocrático e demorado -, que moram no Brasil há, no mínimo, quatro anos, têm o direito de votar e participar das eleições. Nesse cenário, refugiados venezuelanos que chegaram em Roraima neste ano não participarão das eleições, apesar de existir intenções de votos entre eles. Além disso, imigrantes que já conseguiram se naturalizar e conquistaram seu direito de voto sofrem com certa insegurança diante da conjuntura política atual, em que muitos candidatos são contrários à permanência de estrangeiros no país.
No dia da votação de 1º turno, o Jornal Valor Econômico publicou uma reportagem sobre o receio dos venezuelanos refugiados sobre as Eleições, em que um grupo de 22 venezuelanos foram ouvidos. “Se ganhar um candidato que não goste de venezuelanos ele pode querer nos mandar embora, não?”, afirma William Garcia, venezuelano refugiado de 24 anos, que revelou não saber das eleições e se mostrou preocupado com as consequências dela. “Não consegui ir para um abrigo. Quero ficar no Brasil. Quero ser…, como se diz? Interiorizado, né? Mas será que com essa mudança de governo conseguiremos algo?”, questionou o estudante John Daniel Zapata, 22, um do grupo de 22 venezuelanos ouvidos pela reportagem que estão enfrentando fome, sede e dormem em papelões jogados no gramado do terminal rodoviário. Segundo o pedreiro Jean Martinez, 28, falta ajuda do governo estadual para minimizar as condições de vida que estão enfrentando e o próximo governo precisa estar atento a isso. “Podemos contribuir, não queremos roubar nada do Brasil”, disse. E completou: “posso votar nesta eleição, como faço?”. Temendo os resultados e os efeitos dessas eleições, Garcia declara: “sentimos nas ruas a desconfiança dos brasileiros com a gente. Não é porque um roubou que todos somos pilantras. Não pode generalizar. Se eu tiver um emprego, o Brasil se livra de nós, pois conseguiremos fazer tudo sozinhos. Que o próximo presidente se lembre disso”.
De acordo com a reportagem do Portal R7, apesar da vontade de participar da escolha de um candidato, quase todos os imigrantes demonstraram resistência ao falar sobre o direito ao voto para estrangeiros. “Peruanos e bolivianos tem muito medo de falar sobre isso, de se abrir para participar”, diz Helga, uma médica boliviana, de 33 anos, que vive no Brasil desde criança mas ainda não possui permissão para votar. Para Helga, a prioridade é poder escolher algum representante do povo boliviano. “A comunidade tem muito medo de se expor, já chegam com receio, enfrentam dificuldades e não tem ninguém para escolher ou reivindicar direitos”, diz a médica. Apenas seu marido Alan Perez, de 37 anos, engenheiro mecânico nascido no Brasil e que com três anos de idade passou a morar no país vizinho, têm direito ao voto. “Vejo as crianças sofrendo xenofobia e discriminação”, diz Helga. “Mesmo com medo, é importante escolhermos alguém que reconheça que o estrangeiro também tem direitos, afinal vivemos na cidade, pagamos impostos e também podemos participar do debate”, afirma Alan.

Foto: Edu Garcia / R7
Não somente o contexto político atual gera inseguranças aos imigrantes que vivem no país, mas também, toda a falta de inclusão e manifestações xenofóbicas os deixam receosos. Com as eleições esse clima tende a piorar, já que muitos presidenciáveis são contra as leis que apoiam as políticas de migrações. Muitos estrangeiros que já vivem no Brasil há mais de 10 anos ainda sofrem com esses problemas de exclusão e muitos outros: um estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP com imigrantes haitianos mostra que as políticas públicas para essa população precisam ser repensadas, além da necessidade de se criar mais instrumentos públicos e privados de acolhimentos na sociedade, tanto desses como de outros imigrantes que chegam diariamente ao município de São Paulo, afirma a reportagem do Jornal USP.
A pesquisa foi desenvolvida pelo sociólogo José Ailton Rodrigues dos Santos, que estuda o tema há 14 anos. O trabalho descreve com detalhes o sofrimento deste recorte de imigrantes, mensurando o elevado grau de exclusão, invisibilidade e, principalmente, grande “sofrimento social”. “As fronteiras do Brasil, antes mesmo de o país ter resolvido as demandas humanitárias em relação aos haitianos e, anteriormente, aos bolivianos, por exemplo, hoje já enfrentam uma nova onda migratória proveniente da Venezuela. Temos notícias de que em Roraima há uma situação muito complexa de risco social com a chegada de cada vez mais venezuelanos, inclusive uma tribo indígena, que enfrenta toda a sorte de risco social e sem o lastro legal das instituições brasileiras, que supostamente estariam no papel do “acolhimento” humanitário”, denuncia o pesquisador.
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Vitória Barbosa, sob supervisão de Otávio Ávila