por Fernanda Paraguassu*

A história de Mersene, a garotinha congolesa que teve que fugir dos conflitos em seu país e buscou refúgio no Brasil, foi tema de uma atividade do Serviço Social do Comércio (Sesc) na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano. A convite do Sesc, participei de um bate papo mediado pela escritora Ana Paula Lisboa sobre a criação do livro A menina que abraça o vento – a história de uma refugiada congolesa, que apresenta o tema do refúgio para crianças, com ilustração da fantástica artista Suryara Bernardi, publicado pela Editora Voo.

O livro faz parte do projeto de contrapartida social da Voo – Projeto Um por Um –, em que, para cada livro vendido, parte da renda é destinada ao programa de acolhimento de refugiados da Cáritas RJ. Inspirada na vida real de crianças da República Democrática do Congo que vivem no Rio de Janeiro, criei a história que hoje é contada em escolas e que, aos poucos, chega a mais leitores no interior do país pelo projeto de biblioteca volante do Sesc, a Bibliosesc, a maior rede de bibliotecas móveis do Brasil.

Em Paraty, tive também a oportunidade de conhecer pessoalmente a pedagoga Gisela G. de Carvalho, que faz um trabalho incrível com crianças do Instituto de Cegos Padre Chico, em São Paulo, onde trabalha há 12 anos, criando e adaptando histórias com texturas e materiais diferentes para as ilustrações. Ela me ligou em fevereiro para me falar da adaptação do livro em braile, com ilustração tátil, para seus alunos. Recebi a notícia com muito entusiasmo, e acompanhei cada passo da criação da Gisela através dos vídeos e fotos que ela me mandava por WhatsApp. Fiquei tão encantada com o resultado que a convidei para participar comigo do evento do Sesc na Flip. Ver de perto seu trabalho foi incrível. “Esse livro me cativou muito pela sensibilidade”, disse Gisela.

É emocionante ver a história de Mersene ganhando novos leitores. Gisela explicou o uso de cada material para representar o brilho, o vento, o avião… e contou sobre a receptividade de seus alunos com a história. Ganhei um caderno com vários finais para a história da menina, que os alunos de Gisele criaram, como quem tenta ajudar a menina a ter um final feliz. No meu livro, a menina foge para o Brasil com a mãe e os irmãos. O pai ficou para trás e a menina trata de viver a nova vida aqui, tocando a rotina com a mãe, enquanto lida com a saudade do pai. Um dia, a menina inventa uma brincadeira para tentar superar a dor dessa ausência: é a brincadeira de abraçar o vento.

Usei uma metáfora para representar a falta, o vazio, aquilo que a gente não vê, mas que está ali e a gente pode sentir. As crianças se emocionam com a história, ainda mais quando descobrem que é baseada em fatos reais. A história não apenas é verdadeira, mas ela parece verdadeira. E o final, deixei em aberto, para que os leitores torçam por ela e, assim, estabeleçam uma relação de alteridade. Afinal, a menina tem uma vida inteira pela frente. Posso, então, deixar para a imaginação do leitor as inúmeras possibilidades que a menina terá a partir da experiência no Brasil. Além disso, quis mostrar que é preciso manter a esperança para seguir e conquistar novos caminhos.

Números mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que, dos quase 27 milhões de refugiados no mundo, metade são crianças. Muitas andam por aí sozinhas. Além dos riscos durante a travessia, enfrentam atos de xenofobia no país acolhedor. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendou campanhas de sensibilização nos países que recebem os refugiados. Afinal, a falta de informação sobre o que é o refúgio é um dos principais entraves para a integração dessas crianças ao novo ambiente. Acredito que, através da literatura, as crianças têm acesso a informação e começam a compreender e a refletir sobre o mundo em que vivem.

Fotos: Manuela de Lannoy

*Jornalista, mestranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ e integrante do grupo de pesquisa Diaspotics.