Durante a semana, oestrangeiro.org acompanhou dois eventos importantes no cenário de pesquisa sobre imigração e refúgio do Rio de Janeiro e do país. Na segunda e terça-feira (9 e 10 de semtembro) aconteceu o VI Seminário do NIEM – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios e na outra metade da semana foi a vez da Casa Rui Barbosa sediar a abertura do Seminário das Cátedras Sérgio Vieira de Mello, evento organizado pelas Cátedras da UERJ, UFF e PUC Rio, sempre em parceria com a ACNUR.
Sediado no IBGE, a mesa de abertura do Seminário do NIEM contou com reflexões que circundaram a política externa da América Latina, o acolhimento aos venezuelanos no norte do país e o desafio da Caritas na intermediação intercultural entre governo e refugiados.

Maria Villarreal, pós-doutoranda em ciência política na UNIRIO, iniciou os debates da semana comentando sobre a guinada restritiva ao acolhimento de imigrantes e refugiados no continente. No Brasil, a saída do Pacto Global da ONU e, mais recentemente, a Portaria 666/2019 são acompanhadas pelo fechamento de fronteiras no Chile, Peru e Equador. Na Colômbia, ameaças de morte a refugiados e até mesmo aos que os ajudam já foram identificadas em um regime que, segundo a pesquisadora, continua a selecionar o tipo ideal do imigrante com ênfases securitária e criminalizante.
O jogo de palavras trazido pela advogada da PARES Caritas RJ, Leticia Getirana, entre tradução e tradição, diz respeito à busca pelo reconhecimento no processo de refúgio intermediado pelo intérprete. Segundo ela, é preciso que o solicitante de refúgio consiga imprimir significados ao interlocutor para que este compreenda o sentido da mensagem. “Nós atribuímos significado à dor”, afirma. Mas a advogada levanta os desafios encontrados nesses casos. Ligados a um trauma, o processo de saída do local de origem é diversas vezes marcado por lapsos de memória decorrentes do estresse traumático do deslocamento. Sem lembrança suficiente, como traduzir a necessidade do refúgio a um oficial nessa dinâmica intercultural e subjetiva permeada pela burocracia?
A Venezuela tem aparecido com frequência nos debates de migração. Os professores pesquisadores Angela Vasconcelos (UFF) e Charles Gomes (Casa Rui) comentaram sobre os abrigos em Pacaraima/RR a partir de experiências empíricas na fronteira norte brasileira. A professora do Serviço Social da UFF comentou sobre o processo de recepção na cidade que passa pelo 1) ordenamento na fronteira; 2) acolhimento e; 3) interiorização. Na Operação Acolhida, pouco mais de 100 instituições trabalham nas cidades de Boa Vista e Pacaraima em uma atuação que é “criticável” sob diversos pontos de vista, mas muito pior se ela não estivesse ali, afirmou.
Utilizando o mesmo campo empírico, o coordenador do Centro de Proteção a Imigrantes e Refugiados da Casa de Rui Barbosa (CEPRI) refletiu sobre os abrigos como espaços de confinamento onde se exerce uma negociação da ideia de fronteira. Para ele, sendo espaços configurados como tal, a vida fica “suspensa” a partir de uma tutela do tempo e do espaço que não mais lhe pertencem; em último caso, o próprio corpo, indesejado e urgente, é a própria fronteira deste indivíduo.

O mesmo Charles Gomes, anfitrião da Casa Rui, apresentou a pesquisadora Letícia Calderón (Instituto Mora), no evento das Cátedras Sérgio Vieira de Mello. Na quarta-feira (11), a mexicana apresentou em sua conferência de abertura os temas da hospitalidade e da hostilidade, em consonância. Explorou um México paradoxal: “O país de mais emigração não gosta de imigração”, caso que se estende a países do sul global que tentam se descolar a todo custo da condição de periferia sem antes se entender como nação. Por isso, a hostilidade. Sobre a hospitalidade, Calderón cravou logo no início: não se trata de filantropia, mas de sentido cívico, levando como marco referencial a mobilidade do nosso tempo. Migrar é um direito humano e acolher também.
O Seminário das Cátedras acontece até sexta-feira (13) na PUC Rio.
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Otávio Avila