Com um português impecável, Adel Bakkour, 26, lembra que até no que parecia mais fácil a alguém tão habilidoso no idioma pode ser complexo quando se trata de uma outra cultura. A dificuldade de ultrapassar as barreiras linguísticas do português no início do Curso de Línguas Abertas à Comunidade (CLAC/UFRJ) há alguns anos o preparou para aventurar-se em uma nova área de estudos – as Relações Internacionais – e uma área profissional, como professor de árabe no Abraço Cultural, no Rio de Janeiro.

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Homenagem do Abraço Cultural aos seus professores. Crédito: Facebook/Abraço Cultural

O idioma árabe não significa que se considere árabe, embora seja sírio. Um certo “despertencimento”. “Os países árabes não se mostraram tão unidos quanto eu esperava”, afirmou na disciplina “As migrações transnacionais entre teoria e mundo da vida: a perspectiva dos pesquisadores e pesquisados”, organizada pelo grupo Diaspotics/UFRJ.

O convite a Adel não veio por acaso. No Brasil desde o final de 2012, entrou no curso de Química em 2014, mas migrou para Relações Internacionais logo depois. Um dos motivos é a atenção política dedicada em suas leituras e na própria condição que o fez migrar. A outra, condição típica a quem migra e precisa trabalhar quando não há uma rede de apoio tão bem estabelecida: “Uma pessoa, na minha situação de refugiado, não pode fazer um curso integral”.

No caderno “A presença do migrante no Rio de Janeiro: o olhar do imigrantes e refugiados”, produzido pela Pastoral do Migrante e pelo Coletivo Rede Migração Rio, em 2017, Adel dá o primeiro depoimento e explica sua vida até aquele ano (Confira a matéria do MigraMundo e baixe o arquivo), enfatizando a escolha do seu irmão em deixá-lo no Brasil. Era a primeira vez que se separavam, inclusive de quarto. Ele preferiu tentar a sorte na Europa, mas Adel resolveu ficar justamente pela abertura cultural. A descrença era onde ficar. “Eu não quero ir para a Europa, ficar entre três mil sírios num campo em que eles não estão fazendo nada”, relatou no caderno. Posteriormente, seu irmão voltou ao Rio de Janeiro após não conseguir entrar na Europa e passar um tempo na Síria. Hoje, Hadi, um ano e meio mais novo, cursa direção teatral, também na UFRJ.

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MigraMundo: Seminário no Rio de Janeiro mesclou olhares dos migrantes e estudos acadêmicos sobre as migrações. Crédito: Coletivo Rede Migração

 

 

“Posso votar e ser votado”

Com sete anos no Brasil, Adel já adquiriu a cidadania brasileira e espera em 2020 votar pela primeira vez na vida, cravando: “Pretendo seguir carreira política aqui”. Futuro internacionalista, o graduando da UFRJ acumula experiência política na Síria – herança de seu pai – e agrega o Brasil em seus aprendizados, especialmente no que diz respeito ao tema da migração, tão próprio a ele. Mas Adel hesita se permanecerá. Gostar do Brasil significa querer ficar para sempre? Há uma vontade pessoal em jogo: “Eu quero crescer e não me limitarei a um território”.

Questionado sobre que sugestão daria a quem faz perguntas aos migrantes, disse gostar das mais clichês porque o permite mudar algumas certezas ou um senso comum arraigado na cultura receptora. Mas para ele, o que mais vale são as perguntas livres, pois fazem refletir e puxam sentimentos que trazem novas respostas.

 

Otávio Ávila