Mariléia Franco Marinho Inoue, assistente social e professora hoje aposentada da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi a convidada de quinta-feira (31/10) da disciplina “As migrações transnacionais entre teoria e mundo da vida: a perspectiva dos pesquisadores e pesquisados”, ministrada pelo prof. Dr. Mohammed ElHajji. Todas as quintas-feiras são realizados encontros com estudiosos das migrações ou migrantes, com o fim de debater o fenômeno migratório a partir de diferentes perspectivas. 

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Pesquisadora da migração japonesa, Inoue conta que seu interesse pela temática foi despertado inicialmente ao descobrir, ainda criança, na biblioteca de sua escola, um livro chamado “As Histórias do Velho Japão”, que continha histórias orais do folclore do país. O fascínio por essa cultura cresceu e se tornou, mais tarde, objeto de sua pesquisa acadêmica.

Uma história quase esquecida

Segundo a professora, que é doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) com o trabalho “No Outro Lado Nasce o Sol: O Trabalho dos Japoneses e seus Descendentes no Estado do Rio de Janeiro” (2002), os estudos sobre a migração nipônica para o Estado de São Paulo ofuscam a vinda desse povo para o Rio de Janeiro, e só nas últimas décadas tem sido contada a história da migração para as terras fluminenses.

No começo de sua pesquisa de doutorado, Mariléia não encontrou documentos detalhando as condições em que se deu a migração dos japoneses para o Rio de Janeiro. Recorreu, então, a instituições japonesas localizadas no estado, como por exemplo a Associação Nikkei, numa tentativa de achar mais informações sobre essa empreitada.

Ao longo do processo, a pesquisadora decidiu buscar por japoneses, ainda vivos, que tivessem migrado para o Estado do Rio de Janeiro, com a finalidade de entrevistá-los e ouvi-los contar em primeira mão suas histórias. “Deixei os fatos, e queria saber quem eram as pessoas dos fatos”, conta. Foram 23 municípios percorridos e 150 entrevistados, alguns com mais de 90 anos de idade. Como muitos deles preferiam conversar em japonês arcaico, Mariléia Inoue precisou procurar um intérprete para participar da pesquisa, e convidou um psicólogo e pastor da Igreja Xintoísta para a função. Interessado em conhecer essas pessoas e suas narrativas, ele aceitou.

Muitos dos japoneses participantes da pesquisa têm o perfil de pessoas que já eram emigrantes desde antes da Segunda Guerra Mundial e que, portanto, não passaram pelo processo de ocidentalização do Japão. Inesperadamente, Mariléia e seu intérprete foram bem recebidos por esses indivíduos – os japoneses, principalmente os idosos, tradicionalmente são fechados. Segundo a pesquisadora, eles encontraram pessoas que estavam felizes porque seriam ouvidas, emocionadas e com vontade de relatar sua trajetória no Brasil. “Diferente do que costumamos achar, o japonês é emotivo, mas é emotivo para dentro, e guarda muito seus sentimentos. A história oral dá voz aos silenciados”, afirma ela.

Como uma parte desses migrantes japoneses já era, à época, constituída por pessoas de idade muito avançada, o estudo de sua experiência migratória desse grupo constitui um registro muito importante da história fluminense. Hoje, quase 18 anos após a conclusão da tese de Mariléia, muitos já faleceram, mas uma parte de suas narrativas permanece documentada.

A emigração como interesse capitalista japonês

O trabalho apresentado por Mariléia Inoue na palestra de quinta-feira (31/10) foi “As relações Brasil-Japão e a tutela empresarial na emigração para o Brasil: veículo da riqueza nacional japonesa”, artigo publicado em 2017 na revista Navegar. Parte de seus estudos de pós-doutorado (2015-2016) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é ali defendida a partir do estudo do caso específico do Rio de Janeiro, a ideia de que esta imigração para o Brasil foi fruto de cuidadoso planejamento de interesses capitalistas japoneses, tanto do Estado quanto de empresas privadas.

Foram analisadas ações do Governo e do empresariado japonês relativas à imigração de japoneses para o Estado do Rio de Janeiro e, posteriormente, à imagem produzida pelo país oriental no Brasil. A Lei de Proteção aos Emigrantes (1896), por exemplo, transformou o fenômeno de migração em política de Estado no Japão. Japoneses também criaram projetos para estabelecer dois assentamentos dos nipônicos no estado, um em Macaé, hoje Conceição de Macabu, e outro na Baixada Fluminense, ambos na primeira década do século XX.

Inoue também traz, em seu trabalho, o marco da institucionalização do projeto emigratório japonês, com a Companhia Ultramarina de empreendimentos S.A ou Kaikô (1917), que criava condições de saída de seu povo para o Brasil e estabelecia como era sua chegada e distribuição pelo território nacional. Outros pontos importantes são a participação do Japão na Exposição Internacional de 1922, no Rio de Janeiro, que tinha o objetivo de divulgar o país ao mundo de maneira grandiosa, além dos projetos nos quais a indústria japonesa buscou demonstrar, no Brasil, seu empenho e vigor no período pós-Segunda Guerra Mundial, entre 1952 e 1960.

Para a professora, o Japão tinha necessidades econômicas determinantes ao estímulo da emigração, refletidos em ações políticas que tinham como fim transformá-la em riqueza nacional. Ficava a cargo do Estado e de empresas japonesas a indicação de quem podia ou não viajar, a organização da chegada e das formas como essas pessoas seriam distribuídas no território brasileiro, além da maneira como os emigrantes deveriam se portar no país de destino.

Atualmente aposentada, Inoue conta que tem como plano devolver à comunidade as pesquisas realizadas e tem trabalhado em um documentário sobre os imigrantes japoneses na Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro.

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João Paulo Rossini