Há um entendimento geral de que a pandemia do coronavírus aumentou a complexidade dos problemas humanitários dos povos de/na diáspora, que passaram a exigir respostas emergenciais ainda maiores. Esta complexidade inclui a crise na saúde com o esgotamento dos leitos e a letalidade do covid-19, mas também a queda de renda nas famílias com a perda de empregos e a paralisação das vendas no mercado informal. Não obstante, se a pandemia agrava a crise humanitária por um lado, por outro, gera maior conscientização na população doadora e, consequentemente, novas oportunidades. É o que pensa Robert Montinard, cofundador da Mawon: “A crise do covid-19 permite revelar as formas de solidariedade entre os indivíduos e quem sabe, levar essas ações para um ideal de mudança comum! E isso é o sentido nativo da palavra creole Mawon.”
A Mawon é um negócio social que promove a integração de migrantes e refugiados no Estado do Rio de Janeiro. Através da venda de serviços de documentação migratória para clientes de maior renda, a Mawon financia parte de seus projetos sociais, como aulas de português, programa de empreendedorismo, apoio à empregabilidade, entre outros. Fundada pelos migrantes Robert Montinard (Haiti) e Mélanie Montinard (França) em 2017, e inserida a fundo nas realidades diárias da população migrante, a Mawon tem um olhar de dentro – e, portanto, real e empático – sobre o tema das migrações. Atuando através de articuladores locais também migrantes, a Mawon oferece protagonismo e promove a integração desses articuladores, além de ampliar o impacto socioeconômico dentro de diferentes comunidades de migrantes e refugiados, das mais distintas nacionalidades e concentrações territoriais.
Em resposta à crise do coronavírus na população migrante, a Mawon tem promovido diferentes ações estratégicas, reafirmando-se como importante ator no campo. Para sucesso destas ações, tem sido mais uma vez importante a abordagem de dentro, que permite um grande entendimento das dores e necessidades reais de migrantes e refugiados. Igualmente importante tem sido a capacidade de articulação da Mawon em situações de altos riscos, já que conta com a liderança de Robert Montinard, que possui mais de 15 anos de experiência em mediação de conflitos comunitários, incluindo o contexto do terremoto no Haiti em 2010. Dentre as respostas emergenciais, a Mawon já beneficiou mais de 1.000 famílias de migrantes e refugiados com cestas básicas e kits de higiene. A maior parte destas doações vieram da campanha do Riocontracorona.org (parceria com Instituto Phi, Instituto Ekloos e Banco da Providência), recebidas pela Mawon com o apoio do bar Esquina da Democracia, na Lapa, e redistribuídas através de voluntários e articuladores migrantes que incluem, entre outros, Adel Bakkour, Alexis Graterol, Mariama Bah (Sabaly), Yves Selengue e Daniel Otshudi.
Apesar do sucesso das respostas emergenciais, é importante enfatizar a complexidade logística de mobilizar enormes volumes de doações em tempos de pandemia. No dia 11/05, a Mawon promoveu uma conversa com o Banco da Providência e o sírio Adel Bakkour para debater o dia-a-dia da operação e seu nível de complexidade. Segundo Robert, que lidera as operações de campo, “o principal desafio no contexto do coronavírus é se proteger com materiais e gestos contra o covid-19 para poder melhor ajudar quem precisa”. Além disso, Robert aponta para a necessidade de um foco especial na coordenação e no treinamento técnico dos colaboradores/voluntários envolvidos para o bom andamento das ações. Outro ponto levantado por Robert é acerca da importância dos parceiros neste momento de crise; “as demandas ultrapassam a quantidade das doações recebidas e isso obrigou a mobilizar os parceiros da rede”.
Na tentativa de escalar o impacto na comunidade migrante, a Mawon tem também divulgado em suas redes os vídeo-aulas de português do Projeto Empregadorismo. As aulas presenciais do Projeto, que conta com o apoio da Mitsubishi Corporation e Instituto Phi, foram interrompidas em março pela necessidade de isolamento social, e retomadas em abril no formato online. Os professores do programa, em conjunto com o trabalho de edição da ONG Invenção Z e voluntários de comunicação, têm produzido vídeos com conteúdos de português. Além disso, a Mawon aproveitou o momento de tantas campanhas para elaborar uma Cartilha que centraliza informações sobre formas com que as pessoas podem apoiar a causa de migrantes e refugiados. Dentre essas formas, por exemplo, existe a possibilidade de contratar um curso de idioma online com um refugiado com a ONG parceira Abraço Cultural ou voluntariar-se para mentorar empreendedores migrantes que buscam formas de se reinventarem.
Para completar seu extenso plano de ação de combate à crise do coronavírus na população migrante, a Mawon também lançou no Dia de Doar, 5 de maio, uma campanha de doação. Com a venda de rifas da mochila da marca senegalesa Dior Thiam, a Mawon está captando recursos para distribuir vouchers de R$ 300 para famílias de migrantes e refugiados em vulnerabilidade. Esta multiplicidade de estratégias que miram diferentes frentes, como distribuição de cestas básicas e kits de higiene, compartilhamento dos conteúdos de português, lançamento de Cartilha e distribuição de vouchers para as famílias, é uma tentativa da organização de oferecer uma resposta robusta para a complexa questão da crise humanitária atual. Dentro dessas estratégias, uma mesma identidade permanece no entanto, que é uma abordagem que busca sempre o protagonismo dos migrantes e refugiados. É este tratamento horizontal que a Mawon acredita ser a solução dos grandes impasses humanitários. “Nossa estratégia cultural coloca a Mawon no coração de cada imigrante sem um discurso que os vitimiza. Nossa abordagem permite colocar o imigrante como protagonista do seu próprio projeto de vida”, afirma Robert.
Nathalia Bailly