Ao longo dos próximos meses, os pesquisadores do grupo Diaspotics/UFRJ tentarão traçar algumas análises da pesquisa migratória no escopo nacional a partir das realidades acompanhadas particularmente e nas realidades vividas coletivamente, incluindo a batalha contra o novo Coronavírus.

Já há várias semanas, e em diversos lugares do mundo, a mobilidade das pessoas, especialmente de migrantes, tem sido restringida por conta da pandemia do novo coronavírus. Instituições de ensino adaptando novas rotinas à distância, trabalhos sendo realizados – na medida do possível – remotamente e muitas incertezas pairando no ar.

Hoje vivemos um dilema: a dependência de uma economia atrelada à circulação de capitais, produtos, imagens e… pessoas. Por outro lado, há uma necessidade de preservar a saúde dessas pessoas frente a uma doença propagada por um vetor invisível a olho nu e frequentemente assintomática nos contaminados. O que torna sua detecção ainda mais difícil.

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Fonte: Washington Post

Sob a justificativa de não agravar a crise econômica, as decisões do Estado brasileiro no combate à covid-19 têm sido evitar um isolamento mais severo, sem conseguir encontrar um consenso interno para o país se fechar em um mundo que já está buscando voltar à normalidade, como publicou o Washington Post recentemente. Contudo, um isolamento provisório e com baixas taxas de adesão tende a aumentar o tempo para que o contágio da doença desacelere, apenas criando mais incerteza nos cenários social e econômico.

Enquanto isso acontece, muitos migrantes e refugiados sentem na pele consequências negativas dessa “imobilidade” ambígua. As fronteiras terrestres do país estão fechadas desde março e continuarão até pelo menos o final do mês de maio, situação que cria problemas como o relatado no grupo do O Estrangeiro no Facebook, intitulado Brasil País de Imigração:

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Fonte: Brasil País de Imigração/Reprodução do Facebook

 

A fronteira com a Venezuela foi a primeira a ser fechada pelo Brasil, no dia 17 de março. Naquele momento, mais uma decisão política do Governo Federal do que de fato uma preocupação com os riscos de contágio de covid-19 na Região Norte brasileira. Uma venezuelana que mora no Brasil conta, no dia 3 de abril, que seu marido estava ao relento com um grupo de venezuelanos, sem poder passar para o lado de cá, preso no monumento às bandeiras que marca onde começa um território e termina o outro. 

Tal situação criou problemas de alimentação e higiene para esse grupo, que dependeu da (inconstante) boa vontade dos policiais federais da fronteira para receber artigos básicos enviados por amigos e familiares. Mais dois venezuelanos se manifestaram na publicação, afirmando estar àquela data com as famílias na mesma situação, divididas entre os dois lados da fronteira.

O isolamento também aumenta a vulnerabilidade dos migrantes no que tange a geração de renda, já que muitos trabalham prestando serviços relativos a algumas das competências adquiridas na terra natal. Não raro dando aulas de idiomas, vendendo alimentos ou objetos de sua cultura de origem, atividades usualmente realizadas presencialmente. 

Muitas vezes essas foram ocupações laborais fruto de uma adaptação, de uma reinserção profissional em uma nova realidade social. Se em condições normais empreender e reinventar a carreira enquanto migrante pode gerar muitas incertezas e, não raro, condições precárias de trabalho, em um momento delicado como o atual, a criatividade e o improviso são cada vez mais necessários.

O negócio Sabores da Nelly, da cozinheira e artesã colombiana Nelly Llanera, por exemplo, que frequentemente fazia parte de eventos culinários e culturais, passou a investir especificamente na entrega de suas refeições. A loja de roupas e acessórios África Arte, dos senegaleses Mamour e Sokhna Ndiaye, por sua vez, vem dando descontos nos preços de suas vestimentas e vendendo máscaras faciais com estampas africanas que podem ser usadas para a proteção contra o novo Coronavírus.

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Fonte: Reprodução do site África Arte

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Enquanto o Brasil não se isola de vez e também não tem condições sanitárias de voltar com segurança à normalidade, é importante ressaltar que os migrantes e refugiados mais necessitados, assim como os brasileiros, têm direito ao auxílio emergencial disponibilizado pela Caixa Econômica Federal.

As breves reflexões deste texto, embora com mais questões postas do que respostas dadas, são um modesto registro das nossas incertezas face a uma crise sem precedentes na História recente. E, como uma vez disse Carlos Drummond de Andrade, a maior validade de uma crônica é evidenciar os pensamentos das pessoas face aos acontecimentos do tempo delas.

João Paulo Rossini Coelho
Pesquisador do Diaspotics/UFRJ