
Desde o início da guerra civil na Síria, aproximadamente 5,6 milhões de pessoas fugiram do conflito. Dessas, cerca de 5.000 encontraram refúgio na América Latina. O Brasil é o país da região que mais recebeu sírios e até o momento cerca de 3.800 já obtiveram a condição de refugiado, segundo dados do ACNUR e do Comitê Nacional para Refugiados do Brasil (Conare). Abdul Jarour é um deles.
Jarour chegou a São Paulo em 2014. O jovem sírio estudava administração de empresas em Aleppo quando teve que se alistar no exército em 2010. Depois que a guerra estourou, ele foi trabalhar como motorista para um general do exército até ser ferido. “No dia 5 de maio de 2013, de madrugada, houve um ataque. O teto da sala caiu em cima de mim, quebrei meu ombro, tive ferimentos na perna e na mão. O que me salvou foram as camas, alguns beliches de ferro”, diz.
Após este episódio, Abdul decidiu fugir da Síria e embarcar no difícil caminho do exílio. Depois de uma arriscada viagem ao Líbano e para evitar pagar as máfias, ele optou por se instalar no Brasil, que lhe ofereceu um visto humanitário. Chegou em fevereiro de 2014, mas não foi fácil começar. “Agradeço que o Brasil abriu as portas para mim, mas o Brasil também fechou a janela. Quando cheguei aqui, descobri que tenho que encontrar minha vida. Descobri que meu nome não é refugiado, é ‘gringo’, aquele que vem de fora, o estrangeiro”, ressalta.
No Brasil, Abdul começou a ganhar a vida como comerciante, atividade que já desenvolvia em sua terra natal. Em 2015, uma bomba feriu uma de suas irmãs, que perdeu a perna. Ela foi resgatada e levada para a Turquia. Abdul guardou cada real para poder trazer sua mãe e irmã e mantê-las afastadas daquela guerra.
Demorou quatro anos e no Natal de 2018 ele finalmente conseguiu uni-los. Mas a felicidade durou pouco. Sua mãe e irmã nunca se adaptaram à vida no Brasil, nem ao idioma. Elas caíram em depressão e decidiram voltar para o Líbano. Sua irmã conseguiu voltar, mas quando sua mãe se preparava para viajar a pandemia de coronavírus começou e os voos foram suspensos. Pouco depois, em maio de 2020, sua mãe contraiu Covid-19 e faleceu, com apenas 55 anos. “Minha mãe já tinha um quadro clínico delicado, com problemas de saúde como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos”, diz Abdul.
Sua morte causou-lhe uma dor profunda que dura até hoje. Apesar da perda, Abdul continua sua vida em São Paulo. Ele até trabalha como ativista ajudando refugiados e imigrantes e é vice-presidente de uma ONG chamada Pacto pelo Direito de Migrar.
Além do apoio jurídico e psicológico, a ONG distribui cestas básicas para amenizar os efeitos da pandemia e ao todo atende mais de 13.000 famílias na África, Oriente Médio e América Latina.
“Nós recolhemos esses alimentos da Cruz Vermelha Internacional do Brasil e da Câmara Municipal de São Paulo e os distribuímos aos migrantes”, explica ele. Por meio da solidariedade, Abdul encontrou sentido para uma vida que sofreu e foi marcada pela perda.
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Publicado originalmente em espanhol pelo portal France24.
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Abul Jarour ganhou destaque na imprensa brasileira. Confira alguns textos com ele:
- Refugiados têm dificuldades para recomeçar vida (Band, 30/01/2017).
- Do outro lado da linha (Raddis, 01/09/2017).
- Após saga para tirar família da guerra, sírio reencontra mãe e irmã no Brasil (Folha de S. Paulo, 24/12/2018).
- Refugiado sírio conta como salvou sua mãe da guerra, mas a perdeu para a Covid-19 no Brasil, (RFI, 14/05/2020).
- O filho de Alepo – uma entrevista com Abdulbaset Jarour (MEMO, 25/07/2020).
- “Sou brasisírio”: conheça refugiados de uma guerra que já dura 10 anos (Agência Brasil, 15/03/2021).