Em 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, um porto-alegrense de quarenta anos, foi assassinado numa loja do supermercado Carrefour, localizada no bairro Partenon, zona leste da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O crime ocorreu na véspera do dia da Consciência Negra. A vítima foi morta por asfixia mecânica devido à imobilização continuada com apoio de peso sobre suas costas feita pelos seguranças Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, contratados pela empresa terceirizada Vector Segurança Patrimonial Ltda. O funcionário Silva não tinha autorização legal para trabalhar como segurança.  

Milena Borges Alves e o esposo, João Alberto Silveira Freitas. Fonte: arquivo Istoé.com.br

Os réus do crime, Giovane da Silva e Magno Borges, estão presos preventivamente. A funcionária Adriana Dutra cumpre prisão domiciliar, enquanto os empregados Paulo Francisco da Silva, Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende respondem ao processo em liberdade. Embora o relatório da delegada citasse o racismo estrutural na análise da conjuntura do crime, nenhum dos indiciados foi acusado do crime de racismo.

Sete meses se passaram desde o assassinato de João Alberto. Sete meses e cinco séculos. O genocídio dos escravos migrantes africanos em navios negreiros estende-se até hoje. A família Silveira Freitas sabe disso. Os assassinatos por ser negro continuam. 

Evaldo Rosa dos Santos. Fonte: Facebook

A chegada ao Brasil me fez ver o que sempre esteve à minha frente: a invisibilidade do outro e a imbecilidade humana. Sou alguém que em meu país já tinha compromisso social com os direitos humanos. Agora, migrante, essa luta ganha uma nova potência. Já não luto pelo outro, agora luto por nós. Não luto “com horários”, agora com a carne. A migração aciona a luta: é corpo, é vivência totalizadora. O DNA foi alterado para sempre, a humanidade está ativada pela experiência de migração. (Bendito aquele cuja genética não precisou se submeter à migração para se tornar mais humano. Vergonha minha, mas agora existência honrada).   

Milena Borges Alves tinha uma relação estável com João Alberto, e eles planejavam oficializar o casamento em dezembro de 2020.  Mataram o marido de Milena durante as compras de supermercado. Penso sobre seus minutos prévios à viuvez, impedida de prestar socorro pelos funcionários (deve ser lido: parceiros no crime) que presenciavam o ocorrido. Milena estava li, também resistiu. Sentiu que ninguém se importava com ela e com sua dor. Ela era invisível para muitos. Ser negra/o e ser mulher é difícil em nosso mundo. Após quatro dias do assassinato de João Alberto, consegui expressar minha revolta em um texto longo feito de dias e noites de silêncio e angustia. Disse tristemente, mais uma vez, “vidas negras importam”; e meu Deuteronômio dos Excluídos é cada vez é maior.

O leitor deve se esforçar para ler em espanhol porque o grito de dor sempre se dirige primeiro para a língua materna. Com todo respeito: a pessoa sempre xinga em seu idioma. 

Por Agatha. Fonte: Eduardo Miranda / Brasil de Fato

Escute o poema ‘Milena, mi nombre’. Transcrição abaixo.

Milena, mi nombre

Desde hoy, mi nombre es Milena (Borges Alves)

Tomo tu nombre,

porque tu nombre es nuestro colectivo. 

Desde hoy seré mujer y mi realidad será sufrida. 

Soy mujer y soy negra. 

Soy mujer, soy negra y soy viuda. 

Tres existencias duras.

Duro en Brasil, pero también duro en la tierra de todos. 

*

Mi nombre es Milena (Borges Alves)

porque es mi nombre colectivo. 

Te pido perdón, a los hijos de João Alberto y a todos

porque cuando me enteré de la noticia 

me quedé paralizado, 

luego continué con mis tareas diarias. 

Perdón por haber seguido con mis tareas diarias. 

 Lloré de bronca, lloré gritando a mi Dios, lloré de dolor.

Una parte de mi quería ser tan violento como los violentos, 

otra parte quería luchar desde la paz,

pero la mayor parte se acobardó. 

Me escondí en mi casa y tuve miedo.

*

Perdón por ser cobarde. 

Pero es difícil ser ciudadano cuando uno es un migrante, 

refugiado, exiliado, con visto humanitario o sin visto, 

con una vida destruida

pero aún vivo. 

Los papeles no pueden explicar que el dolor es el mismo. 

Si se necesita de papeles para rotular, para decir lo que siento, 

entonces hoy, me cambio el nombre.

*

Mi nombre es Milena (Borges Alves)

Soy mujer y soy negra. 

Soy mujer, soy negra y soy viuda. 

Tres existencias duras.

Soy viuda de João Alberto Silveira Freitas, 

  padre de 4 hijos y padrastro de mi hija.

Muerto por la estupidez de nuestros actos.

En esas acciones cotidianas, 

es donde está nuestra mayor intolerancia.

Lo cotidiano es asesinato.  

*

Ahora que cambié mi nombre,

asumo quien soy.

Soy mujer y soy negra.

Soy mujer, soy negra y soy viuda. 

Tres existencias duras.

Comparto tu dolor y comparto tu lucha.

Tu viudez, es mi viudez humana.

*

No me apropio de tu nombre. 

Tomo tu nombre con respeto.

Sé que lo entenderás 

(cuando el grito calle y el dolor quede).

Me lo autoproclamo en mi ceremonia de bautismo de fuego.

Mi nombre es Milena. 

Mujer, madre, viuda de João Alberto Silveira Freitas.

*

El Espíritu descendió en mi bautismo

y no vino solo.

Mi razón no lo entiende,

pero mi dolor lo comprende.  

Con Él vinieron otras personas. 

Herinaldo Vinicius de Santana, Alan de Souza Lima, Douglas Rodrigues, 

Carlos Magno de Oliveira Nascimento, Everson Gonçalves Silote, 

Thiago da Costa Correra da Silva, Carlos Alberto da Silva Ferreira, 

Lucas Custódio, Matheus Santos de Morais, 

 Claudia Silva Ferreira, Eduardo de Jesus Ferreira, Roberto de Souza Penha,

Carlos Eduardo Silva de Souza, Cleiton Corrêa de Souza, 

Wilton Esteves Domingos Júnior, Wesley Castro Rodrigues, 

Evaldo Rosa dos Santos, Luciano Macedo.

   Ágatha Vitória Sales Félix, Marielle Franco y Anderson Gomes.

Llegaron más llenos de vida:

Douglas Belchior, Thiago de Souza Amparo, Sueli Carneiro, 

Jairo da Silva e Silva, Federico Romero con Mbaaporenda,

Fernanda Chichorro Baldin junto al PFOL, Mohammed ElHajji con Diaspotics, 

los integrantes del PBMIH y toda la gente del PMUB,

son muchos y anónimos.

Tu nombre/ mi nombre es un colectivo.

*

No estás sola.

No llores sola.

Eso sí, el dolor es uno solo, es de todos.

Mi bautismo estaba lleno de rostros:  

George Floyd, Trayvon Martin, Eric Garner, Michael Brown, Walter Scott, Freddie Gray, Sandra Bland, Philando Castile, Botham Jean, 

Atatiana Jefferson, Breonna Taylor

Zumbi y Dandara, Aqualtune con Sabina y Ganga Zumba.      

Rosa Parks, Martin Luther King, Madiba, Carlos Mugica, Ernesto Cardenal, Paulo Evaristo Arns, Oskar Schindler, Maximilano Kolbe, Carlos Caó, 

Taikolek Sarmiento con Indalecio Calermo.

Y más nombres se sumaron:  

Rigoberta Menchú, Martín Almada, Adolfo Pérez Esquivel, 

Achille Mbembe, Francisco, Leonardo… 

madres y abuelas de la plaza se unieron…

*

De Pedro Henrique Gonzaga a João Alberto Silveira Freitas, 

el mismo asesinato, el mismo dolor, la misma lucha. 

Somos un colectivo.

Unidos en la energía del Espíritu

somos invencibles.

*

Los nombres dan solidez, otorgan identidad,

cuando se pronuncian, se disparan como un arma. 

Honraré nuestro nombre 

como arma que inyecta vida.

*

Mi nombre es Milena. 

Soy mujer y soy negra. 

Soy mujer, soy negra y soy viuda.

Voy a honrar mi nombre,

Voy a gritarlo. 

*

No estás sola.

No llores sola.

Tu nombre/ mi nombre es un colectivo.

Soy mujer, soy negra y soy viuda.

Tres existencias duras.

Soy Milena.

.

Si deseas bautizarte, autoproclamarte, 

o como lo quieras llamar, pero iniciarte como Milena, 

traduce este texto a tu lengua y grita tu nombre.Yo soy Milena-Álvaro Pino Coviello

Álvaro M. Pino Coviello
Migrante, jornalista e membro do Diaspotics